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TEORIA
Dialética e marxismo: O “debate Lukács”
Juan Dal Maso

Continuamos com a série de marxismo e dialética com um passagem elementar por alguns trechos de História e Consciência de Classe e as polêmicas entre Lukács e os marxistas soviéticos.

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György Lukács é um dos filósofos marxistas mais reconhecidos do século XX. Sua obra é muito vasta e excede amplamente os temas que trataremos neste artigo.

Tendo sido, primeiramente, um intelectual tradicional bastante respeitado por representantes das ciências sociais “burguesas” como Max Weber, se tornou marxista no final de 1919 e foi comissário de Educação Pública da República soviética húngara, que teve uma breve existência devido às difíceis condições de sobrevivência impostas pelo recente pós-guerra, o cerco dos países imperialistas e a inexistência do PC húngaro.

Posteriormente a derrota da revolução húngara e passando à clandestinidade, Lukács já exilado em Viena passaria a integrar a redação da revista Komunismus, identificada com as alas “ultra-esquerdistas” do movimento comunista internacional, a qual foi publicada entre fevereiro de 1920 e meados de 1921. A revista se opunha à política de Frente Única operária, votada no III Congresso da Internacional Comunista, assim como a política sindical e parlamentar.

História e Consciência de Classe sintetizava no plano teórico muitas das experiências e reflexões de Lukács durante este período. Foi publicado pelo Editorial Malik em Berlim, no final de 1923. Malik Verlag era um editorial reconhecido no âmbito da extrema esquerda. Dirigido por Wieland e Helmut Herzfelde, dois irmãos que vinham, do radicalismo burguês opositor a guerra e se uniram ao Partido Comunista Alemão; tinham distintas coleções de livros marxistas ou com enfoque de esquerda, incluindo romances, obras de teatro e teóricas.

História e Consciência de Classe buscava pôr de pé uma dupla operação teórica. De um lado, oferecia uma teoria do desenvolvimento da consciência da classe trabalhadora como classe revolucionária. Por outro, uma reconstrução da dialética marxista em sua relação com o idealismo alemão e como superação das “antinomias do pensamento burguês”, buscando estabelecer uma ideia de “ortodoxia” marxista, centrada na questão do método.

Lukács afirmava que a ortodoxia marxista não poderia ser definida por uma repetição das conclusões que havia chegado Marx em seu tempo, mas sim no método, mais precisamente o método dialético. Aqui Lukács articulava dois problemas de extrema complexidade, por um lado tomava a Totalidade como uma categoria central da dialética (tanto desde o ponto de vista teórico como da prática revolucionária) e apresentava a dialética como o processo da relação entre sujeito e objeto. Nos argumentos de Lukács, a dialética aparecia como resultado da ação subjetiva que buscava transformar a realidade e com isso transformava a si mesma. O proletariado, submetido a um processo de “coisificação” que tinha sua origem no fetichismo da mercadoria – que faz com que relações sociais entre as pessoas se pareçam com relações entre as coisas – era o único capaz de tomar consciência de seus fins históricos e captar a Totalidade da sociedade capitalista, para transformá-la por meios revolucionários. Deste modo, o proletariado se constituía como sujeito-objeto idêntico da história.

As conotações hegelianas deste ponto de vista eram evidentes: a possibilidade do proletariado de captar a totalidade a partir da “coisificação” e transformar-se em sujeito-objeto idêntico da história, guardava estreita relação com a concepção da dialética que havia apresentado Hegel na Fenomenologia do Espírito. Nesta abordagem, caracterizada pela ideia de uma maior continuidade entre Hegel e Marx a qual era aceita por alguns setores do movimento comunista, se somava um diálogo crítico com a sociologia burguesa e a crítica a ideia de estender a dialética à natureza.

O trabalho de Lukács apareceu em um “momento chave” do movimento comunista internacional. Após a derrota da revolução alemã em 1923, a III Internacional inicia um período de zig-zags, caracterizado por Trotsky como o término do “centrismo burocrático”, que incluiu a remoção das tendências que se opunham a direção de Zinoviev, que por sua vez estava em aliança com Stalin e Kamenev contra Trotsky. Este processo de remoção das frações rivais foi denominado “bolchevização do partido e da Internacional” e suas ‘vítimas’ imediatas foram os dirigentes do PC Alemão (a quem se responsabilizou pela derrota da Alemanha, que nem sequer reconheciam como derrota) e todos aqueles que não foram dóceis a direção da troika.

Isto explica porque nas respostas do movimento comunista “oficial” as posições de Lukács cruzavam as questões teóricas com as políticas, pois o questionamento das posições “dissidentes” como as de Lukács eram funcionais a ideia de “partido monolítico” que neste momento defendia Zinoviev e mais tarde se voltaria contra ele. Outro alvo das críticas era Karl Korsch, autor de Marxismo e Filosofia a quem o setor do Partido Comunista da União Soviética que controlava a Internacional Comunista considerava parte da mesma corrente que Lukács, o qual não era todo exato.

No V Congresso da III Internacional, Zinoviev sintetiza sua posição com uma mescla de anti-intelectualismo e dogmatismo:

“O camarada Graziadei publicou na Itália um livro onde reproduziam os artigos que havia escrito contra o marxismo quando era um revisionista social-democrata. Não podemos permitir que este revisionismo teórico fique impune. Tão pouco podemos tolerar que nosso camarada húngaro Lukács faça o mesmo no terreno da filosofia e da sociologia (...) No Partido Alemão temos a mesma tendência, o camarada Graziadei é professor. Korsch também é professor.

(Interrupção da plateia: ‘E Lukács também!’). Com mais alguns destes professores proliferando suas teorias marxistas, estaremos perdidos. Na nossa Internacional Comunista não podemos tolerar a presença deste revisionismo teórico”. (citado em Arato A. e Breines P., El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, México DF, Fondo de Cultura Económica, 1986, pp. 278/279) (NDT, texto disponível em espanhol).

No plano teórico, as críticas ao trabalho de Lukács ficaram a cargo dos intelectuais comunistas Abrahm Deborin, diretor da revista Sob a Bandeira do marxismo e Lázsló Rudas, militante do PC húngaro.

Em linhas gerais os questionamentos feitos sobre a História e Consciência de Classe realizados por Deborin e Rudas centravam na questão do subjetivismo. Segundo eles Lukács havia construído uma filosofia idealista na qual as “leis da dialética” deixavam de ser leis do desenvolvimento objetivo da natureza, da história e da sociedade para passar a ser leis da atividade subjetiva. Rudas acrescentava ainda que o desvio de Lukács expressava uma pressão da sociedade burguesa sobre o marxismo, por que as opiniões filosóficas tinham “raízes sociais objetivas”.

A resposta de Lukács a estas críticas, concentrava em um trabalho chamado “Derrotismo e dialética”, escrito pelo autor em 1926, mas conhecido posteriormente a queda da URSS, o registro deste debate feito por Lukács surpreende. Enquanto Deborin e Rudas haviam realizado uma série de críticas rudimentares sobre as questões teóricas gerais, Lukács direcionaria o debate para o papel estratégico desempenhado pelo partido e o significado de “leninismo”. Para Lukács, a crítica de Deborin e Rudas a seu “subjetivismo” escondia uma persistência das velhas concepções gradualistas e mecanicistas dos mencheviques. Contra a enumeração das questões gerais como “a evolução das condições objetivas” ou outras deste tipo, Lukács destacava a importância do papel do partido, não em geral, mas sim nos momentos decisivos, através do conceito de “insurreição como uma arte”. Neste contexto é que destacava a importância da problemática do desenvolvimento da consciência de classe. O trabalho de Lukács aborda outros assuntos, mas o que mais chama atenção é o registro dos pontos eleitos para debater a questão do “leninismo”, que defendia uma reformulação da questão filosófica em função de uma reorientação estratégica.

Este trabalho de Lukács não foi publicado. Em 1926, o filósofo húngaro passaria por uma “retirada estratégica”, da qual sua obra chamada “Moses Hess e os problemas da dialética idealista” parece ser a expressão no plano teórico. Neste texto, Lukács reivindica o realismo de Hegel, defendendo que a “reconciliação” com a realidade é parte central de sua dialética, no que parece ser uma expressão de sua adaptação ao movimento comunista burocratizado. Este assunto seria retomado posteriormente em seu trabalho O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista (1938).

Várias décadas depois, Lukács diria – em tom de autocrítica – que em a História e Consciência de Classe havia tentado ser mais hegeliano que Hegel. Mas além das debilidades que podem haver em sua abordagem e de seus posteriores posicionamentos, o modo no qual se deu o “debate Lukács” foi a expressão no plano filosófico de um processo de crescente dogmatismo do movimento comunista, correlativa com sua burocratização.

 
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