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TRIBUNA ABERTA
A perseguição à arte negra no país de Dórias
Arthur Witter Meurer
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João Dória, prefeito de São Paulo, apagaria o samba também?

Após assumir a prefeitura de São Paulo, o prefeito João Dória Jr. (PSDB) lançou mão de um programa de “limpeza” social, o Cidade “Linda”, e começou a materializa-lo com um forte ataque à população em situação de rua - desde a instalação de telas na Praça 14 Bis, para invisibilizá-la mais ainda, além de assinar um decreto que permite que a Guarda Civil Municipal (GCM) possa retirar os cobertores e colchões de quem dorme nas ruas da cidade, mesmo sabendo que cinco desabrigados morreram no ano passado por causa do frio. Outra atitude do novo prefeito que vêm chamando a atenção no último mês, e que também faz parte desse programa, fora a decisão de cobrir com tinta cinza pixações e grafites, como o caso da destruição do maior mural de grafite da América Latina, localizado na Avenida 23 de Maio, com obras de mais de 200 artistas - denunciado pela Redação do Esquerda Diário e por Diana Assunção.



Dória defende uma lei que torna mais rigorosa a legislação contra os pixadores de São Paulo, aplicando-lhes uma multa, pois segundo ele "eles estragam a cidade" - fala como se não pertencessem a ela. Aproximadamente treze pessoas foram conduzidas pela GCM por cometer "vandalismo" e, além disso, o grafiteiro Mauro Neri foi detido por tentar restaurar uma obra apagada pela prefeitura. É notável que Dória iniciou literalmente uma Cruzada contra a arte de rua, visto que, além de dar início ao programa ironicamente chamado de Cidade Cinza, criminaliza e persegue a arte de rua, cuja origem advém da classe baixa, da periferia e da população negra paulistana.



Mas será que a criminalização e perseguição à cultura negra e periférica é algo decorrente apenas dos nossos tempos? Nesse artigo veremos um pouco da história do samba, que décadas atrás fora perseguido e criminalizado, resultando em prisões, agressões e, acima de tudo, resistência. Ademais, propõe-se um paralelo em relação a essa repressão a qual vivem os muralistas da cidade e do país de milhares de Dórias. 



Breve História Do Samba: da perseguição, do crime a símbolo nacional



As raízes do samba estão do outro lado do Oceano Atlântico – na África. Acredita-se que ele foi introduzido no Brasil durante o período Colonial através dos escravos arrancados de suas terras devido ao sistema escravocrata para trabalharem na Região Nordeste, mais especificadamente no Recôncavo Baiano. Oriundo dos batuques africanos, das danças e das festas, o samba se difundiu pelo país quando os escravos migraram, no fim do século XVIII para o Rio de Janeiro e para São Paulo, onde trabalhariam nas lavouras de café.


A primeira canção de samba que foi gravada no Brasil, há 100 anos, se chama Pelo Telefone, registrada por Donga, mas acredita-se que ela advém de um terreiro de candomblé, a casa da Tia Ciata, localizada no Centro da cidade do Rio de Janeiro, frequentado por grandes sambistas da época. Logo, é possível que essa canção tenha sido composta em conjunto com outros músicos. Independentemente de quem a criou, Pelo Telefone foi a primeira canção a contribuir para a popularização do samba.




Tia Ciata



Confira aqui, Pelo Telefone: https://youtu.be/woLpDB4jjDU



Na década de 1920, o samba começa a se tornar alvo de perseguição e criminalização visto que sai do centro da cidade e toma os morros, em especial o bairro do Estácio. É na década de 20 que surgem os sambistas avessos a vida pequeno-burguesa – agora, nas novas composições discorrem sobre a vida de malandro, de boêmio, além de abranger também o cotidiano das populações faveladas e periféricas que deram cordas a esse novo tipo samba: o samba de botequim, improvisado e sem aprimoramento técnico, vinculado também à orgia, à vadiagem e ao jogo de cartas.


Primeiramente, fora perseguido por ser uma música oriunda do povo africano, antes praticada em forma de dança pelos escravos libertos; agora perseguido por ser músicas de “negro e vagabundo”. O samba era considerado uma música subversiva pelos setores mais conservadores da sociedade. Há relatos de sambistas, como o de Donga, que “era proibido sair com pandeiro e violão porque a polícia os cercavam e lançava mão do pandeiro – a polícia achava que samba era música de charlatão, de capadócio”. Diz também que a primeira ação da polícia ao deter um homem negro: verificava-lhe a ponta dos dedos; se cobertas de calos, indicava que o homem tocava violão e, consequentemente, era sambista. Sendo assim, era encaminhado para delegacia. Ademais, naquela época o samba só poderia ser tocado por orquestras e com roupagem folclórica em teatros frequentados pela elite; se tocado nos bares e botequins por negros, por pobres, eram vistos pelas autoridades como bandidos e desocupados.



Confira aqui O que será de mim: https://youtu.be/Tc_uPfWhuDc



Após o golpe do Estado Novo, na década de 1930, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão criado por Getúlio Vargas, coíbe os compositores exigindo-lhes a substituição da temática da malandragem. Todavia, essa temática denunciava as injustiças sócias. Sendo assim, o DIP vetou mais de 300 composições no ano de 1940. Além disso, em 1934 foi criada uma Delegacia (Delegacia de Costumes, Tóxicos e Mistificações – DCTM) encarregada de reprimir as rodas de samba, a prática da capoeira e os ritos da umbanda. 


Foi só após de 1944 que as rodas de samba começaram a ser “legalizadas”, embora carregassem um fardo de preconceito, porque, segundo o professor Alberto Ikeda, “Getúlio, com sua visão de trabalhismo, queria agradar as massas” – também segundo o professor, o preconceito perdurou até a década de 1960: “Em 1964, deputados fluminenses propuseram a aprovação oficial do documento e que o Rio de Janeiro aprovasse o Dia do Samba. Mas isso não foi aceito nem assinado pelo governador da época, Carlos Lacerda, da UDN, partido que esteve por trás das tentativas de golpe contra governos nacionalistas e trabalhistas nas décadas de 1940, 1950 e, enfim, consumado em 1964. Ele era reacionário e não achou nada interessante. Porém, o projeto voltou para a Assembleia Legislativa que acabou conseguindo oficializara data”, logo, com a rejeição de Lacerda, a polícia continuara a reprimir as rodas de samba.


Por outro lado, o samba virou símbolo nacional quando o Brasil após o modernismo, quando era necessário criar um ideário à cultura do Brasil, na década de 1940. Não obstante, a canção para representar a cultura brasileira foi Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, famosa mundialmente pela interpretação da cantora Carmen Miranda - que de sambista nada tem - e, além disso, canção essa que vende um Brasil idealizado que perdura até os dias de hoje. Ou seja, tornou o samba um objeto de consumo, uma mercadoria, uma “dança feita para turistas”.



Confira aqui Aquarela do Brasil: https://youtu.be/hRz-M30PcEU



Hoje em dia, após a elitização desse estilo musical, a sua difusão entre as classes médias, na mídia, após a ascensão das escolas de samba, a juventude e a população negra em geral continua não tendo total acesso à essa festa oriunda das classes mais baixas, pois na maioria das vezes está por trás das cortinas do espetáculo: desde as e os garis que fazem a limpeza da avenida aos empurradores dos carros alegóricos, sendo a bateria da escola de samba e a velha guarda o que provêm o acesso à comunidade. Ainda assim, a classe hegemônica é a que mais tira proveito da festa: seja como patrocinadores, frequentadores do camarote ou componentes das alas cujas fantasias são alugadas e podem custar, no mínimo R$ 500,00. Ou seja, tornou o samba um objeto de consumo, uma mercadoria, uma “dança feita para turistas” – conceito de Indústria Cultura de Adorno e Horkheimer – readaptar a arte para padrões mais lucrativos podendo inclusive fazer com que as massas reproduzam ideologicamente o capital.

Breve História sobre o Grafite: ainda há tempo de resistir ao cinza.





O grafite surgiu na década de 1970, em Nova York, oriundo de uma cultura periférica originária dos guetos (Bronx), vinculado à cultura do hip-hop. Inicialmente, utilizado como uma ferramenta de demarcar territórios contra gangues rivais e também para a comunicação, como uma espécie de “código secreto”. 
Após esta fase, o grafite ganhou uma nova função: denunciar as injustiças sociais. Assim, começou a se difundir – trens, muros, prédios; cada grafite representa a voz de quem normalmente não é ouvido.


Como o samba, trazido de fora, o grafite foi introduzido no Brasil nos bairros periféricos, primeiramente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e está inserido dentro das manifestações culturais como o rap e o break.

 Mais sobre a história do grafite brasileiro aqui 

Em síntese, o prefeito de São Paulo João Dória Jr destila, ao perseguir a cultura de rua, o mesmo veneno conservador – alegando que o grafite e o pixo são “coisas de desocupados” – da década de 1930, de Getúlio Vargas e da década de 1960, de Carlos Lacerda. 



Confira aqui o documentário Luz, Câmera, Pichação https://youtu.be/b_MB_CmhjUQ



Normalmente, nos apropriamos da história para não cometermos os mesmos erros do passado. Todavia, parece que Dória desconhecesse que a cultura vinda da periferia e de origem negra tem uma grande riqueza desde as entrelinhas dos sambas ou nas letras e nas cores dos grafites. Criminalizar e perseguir esses artistas, como ocorreu com Neri, é abdicar todo o valor simbólico que essa arte tem para a periferia, além de expor seu preconceito por fazer-se entender que eles não pertencem à cidade. 
No entanto, se Dória adquiriu o mínimo de conhecimento histórico, estaria ele tentando calar mais uma vez a voz da periferia e suas denúncias? 
País de uma vasta riqueza nesse âmbito, com muitos grafiteiros e muralistas reconhecidos no exterior como é o caso d’Os Gêmeos e de Eduardo Kobra.





O intuito desse artigo é estabelecer esse paralelo entre essas duas expressões cuja origem vem das classes mais baixas e há anos vêm sendo perseguidas. Hoje o samba, patrimônio cultural brasileiro, é reconhecido no mundo inteiro e, como anteriormente já foi dito, igualmente acontece com grafite brasileiro.
Depois de virar alvo de críticas, Dória garante criar um espaço específico para a arte de rua – um Museu de Arte de Rua – provavelmente burocratizado para impedir que os artistas exponham seus trabalhos. Novamente, comparando com a história do samba, o prefeito de São Paulo pretende restringir cada vez mais o acesso da classe trabalhadora e da população pobre à arte – que no país de “Dórias” só é arte aquelas que agradam aos grandes críticos. Caso contrário, não é levada em conta. Entretanto, caso alguém não seja conivente e denuncie que estão apagando a história da periferia das paredes de São Paulo, corre risco de ser ameaçado, como há algumas semanas ocorreu com Diana Assunção, ex-candidata a vereadora pelo PSOL e integrante do coletivo de mulheres Pão e Rosas.


Para concluir, lanço mão da pergunta: Dória apagaria o samba visto que é repleto de denúncias?


Ironicamente, ao fazer as pesquisas para redigir esse artigo, encontrei um samba de 1934 chamado Agora É Cinza, de Mário Reis: https://www.youtube.com/watch?v=bE_RO_BD-vA 



“Agora é cinza
Tudo acabado e nada mais”









 
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