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O GRAFITE E A QUESTÃO NEGRA
Sobre Dória, racismo e Cidade Linda
Marcello Pablito
Trabalhador da USP e membro da Secretaria de Negras, Negros e Combate ao Racismo do Sintusp.
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Na imprensa e nas redes sociais tem gerado revolta e muitos debates a absurda e autoritária medida do prefeito João Dória que, com seu programa Cidade Linda, destruiu o maior mural de grafite da América Latina. A destruição dos grafites que Doria exibiu com orgulho viola a criação artística destruindo murais que são parte da história e cultura urbana da cidade de São Paulo. Esta medida não se trata apenas de um ataque à liberdade de expressão e artística mas também uma violação de uma parte fundamental da cultura negra que constitui o segundo elemento da cultura Hip Hop.

Como bem disse o Afrika Bambaataa, um dos criadores do movimento Hip Hop nos EUA, o grafite é um dos quatro elementos que constituem a cultura hip hop: o rap, o DJing, o breakdance e o graffiti. O primeiro elemento, o break representa o corpo através da dança, o segundo é justamente o grafite que representa a criação plástica da arte expressa na forma particular dos desenhos em murais públicos, seguido da batida completamente original, criativa e forte dos DJs que arrancam vida das suas pickups e o rap, que como o próprio nome já anuncia expressa o ritmo e a poesia.

O grafite surgiu como parte das manifestações culturais na década de 70 nos Estados Unidos, sobretudo nos bairros da periferia de Nova Iorque, onde a juventude pobre, negra e imigrante latina buscava se expressar deixando suas marcas nas paredes. Assim como ontem, a cultura expressa de formas variadas e criativas diferentes sensibilidades e formas de ver a hostil realidade a que a exploração cinza do capitalismo nos impõe todos os dias. Não poderia ser mais simbólica a cor mórbida escolhida por Doria para sufocar a criatividade e as vivas cores da cultura urbana.

O incomodo causado pelos grafites e as pichações ontem e hoje tem a ver também com a forma de manifestação artística e social que retira a arte dos lugares consagrados, como os museus e locais de exposição, para tomar o espaço público e também dar aos setores populares o poder de expressar da sua própria forma a sua realidade ou a forma como compreendem ela. Um spray e uma idéia na cabeça implica também uma subversão de uma determinada concepção de arte, que apenas setores muito seletos podem produzir. No caso, jovens negros, latinos e pobres que nos subúrbios do Bronx fizeram as notas, os passos, a poesia e a cor da arte negra e da cultura Hip Hop ganharem o mundo.

No caso da cultura Hip Hop, todos os seus elementos trazem aspectos de questionamento e resistência cultural, buscando expressar os dramas da população negra, como a falta de acesso à educação, à cultura, o desemprego, as chacinas policiais, e a prostituição, através de uma forma própria de expressão que, na forma e no conteúdo, rompiam o padrão cultural e os limites impostos na sociedade.

Em São Paulo a cultura hip hop se tornou parte da história da cidade desde a década de 80, quando ocorriam as batalhas de MC´s e rodas de break na esquina da rua 24 de Maio com a rua Dom José de Barros. Apesar de quase ilegível é nesse lugar onde ainda se encontra o Marco Zero do Hip-hop, registrando nomes inesquecíveis como Nelson Triunfo, Roneyoyo, Pepeu, Alam Beat e MC Jack.

Como dissemos em outros artigos sobre o tema no Esquerda Diário:

“Enquanto nos Estados Unidos, em meados dos anos 80, a cena do grafite estava em seu auge criador, retratado no filme “Style Wars” de 1983, no Brasil o cenário era ainda um pouco mais “pitoresco”. Os grafiteiros eram poucos e quase todos se influenciavam unicamente pelo estilo Nova Iorquino, pois eram as únicas influências que se tinha, através de escassos materiais que chegavam a partir de muito esforço dos ativistas do movimento hip hop, e que poderiam ser comprados ou trocados no largo da São Bento, em São Paulo. Esta é a primeira influência do grafite brasileiro - e mundial. A que determina o grafite como um elemento de um movimento, como uma parte de um todo, e não um fim em si mesmo. É também, talvez a mais importante de todas, pois permite que a arte de desenhar ou escrever nas paredes se enriqueça infinitamente, ganhando distintos significados na medida em que é assimilada e assimila uma série de outros elementos, não apenas estéticos, mas dos mais diversificados campos social e políticos. Ou seja, esta é principal característica que manteve viva e crescente a tradição do grafite até hoje.”

Para não deixar de falar de uma das primeiras formas de manifestação da cultura humana com as pinturas rupestres, vale lembrar que, enquanto Doria destrói a arte de rua, em vários países do mundo o grafite já ganhou os museus. Se tornou conhecido mundialmente através de artistas negros como Jean-Michel Basquiat, que ganhou popularidade primeiro como grafiteiro, na cidade onde nasceu, e então como pintor neo-expressionista.

Os grafites enfrentam tanto na forma quanto no conteúdo o projeto de “beleza” que esconde mendigos embaixo das pontes, mas se recusa a atacar a estrutura social, assentada na exploração que produz a miséria, a fome e a desigualdade todos os dias.

João Doria é a expressão de uma elite branca, racista e reacionária, porque detém uma mansão de 40 milhões enquanto arranca a moradia a 700 famílias. É racista porque insulta os trabalhadores precários, em sua maioria negros, vestindo o uniforme de gari durante um dia enquanto foi e será todos os dias de sua vida um megaempresário, que tem sua fortuna herdada de uma família escravocrata e assassina de negros!! É racista porque faz parte de um partido envolvido no escândalo de corrupção da merenda escolar, enquanto acaba com o Leve Leite, arrancando das casas de mães negras até o mísero leite em pó. É racista porque ataca a cultura negra com um sorriso no rosto, enfim... É racista porque é um representante puro sangue da classe dominante e dessa casta política podre engravatada e disfarçada de "gestores". Doria e os seus, tirem as mãos da arte, tirem as mãos da cultura negra pois ela não cabe no seu capitalismo cinza!!

Nos últimos dias nas redes sociais, a companheira Diana Assunção, trabalhadora da USP, ex-candidata a vereadora do MRT pelo PSOL em 2016 em São Paulo e editora do Esquerda Diário, foi atacada com uma série de ofensas e ameaças de caráter machista por ter denunciado esta medida do Dória. Chamamos todos aqui a se incorporarem na campanha em defesa de Diana, contra os ataques machistas feito pela direita reacionária, e também na campanha impulsionada pelo Esquerda Diário "Em defesa da arte de rua".

Block Party, no início da década de 1970 no bairro do Bronx (EUA). Foi na Block Party onde surgiu o DJ Kool Herc, considerado um dos fundadores do movimento Hip Hop. Na Block Party parte dos jovens buscava uma batida musical original. Enquanto os DJs comandavam as pickups, outros jovens comandavam o microfone, fazendo o que se convencionou chamar “Mestre de Cerimonias” ou Mc´s

Disco “Unity” (1984) – parceria de Afrika Bambataa e James Brown onde os dois sintetizam a batida do funk com o estilo do hip hop;

Tag – um dos estilos de pichação, teria surgido nos anos 80 em Nova York e é marcada justamente pelo estilo individualizado e estilizado variando de artista para artista. 

Rodas de break da São Bento, todos os últimos sábados do mês

Documentário de Pedro Gomes que reúne lendas vivas do Hip-Hop brasileiro

Marcelo Pablito é diretor e membro da Secretaria de Negras e Negros do Sindicato de Trabalhadores da USP

 
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