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A saída do acordo TransPacífico e o nacionalismo agressivo de Trump
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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A confirmação por parte de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, da anulação do Tratado TransPacífico grava na testa do novo governo o mosaico de contradições que representa.

Não é segredo que a cúpula do Partido Republicano, maioria no Senado e na Câmara, não validaria tal como está a política comercial que foi marca registrada de Barack Obama. Entretanto, boa parte dos empresários e CEOs republicanos viam com bons olhos a oportunidade de incrementar o isolamento da China às custas do aumento da influência norteamericana na Ásia-Pacífico.

Trump assinalou assim que tratará de adotar um posicionamento mais agressivo contra competidores estrangeiros, no seio da imagem “América em primeiro lugar” que tanto acariciou durante seu discurso de posse. Fazendo isso, descartou efetivamente a duradoura diretriz da ortodoxia republicana, segundo a qual a expansão do comércio mundial é boa para o mundo e os Estados Unidos – e que o país deve ditar as regras deste comércio internacional.

Esta ortodoxia, de fato, foi compartilhada por todos os governos norteamericanos, Republicanos ou Democratas, desde a época da Guerra Fria, em que o imperialismo norteamericano emergia como hegemon ocidental dos acordos de Yalta e Potsdam com o discurso de unificação da economia capitalista mundial sob a égide de Wall Street.

A mesma declaração assinalava que Trump está comprometido a renegociar outro tratado, o NAFTA (Tratado de Livre Comércio da América do Norte, em inglês), assinado em 1994 pelos Estados Unidos, Canadá e México, também duramente questionado por Trump durante a campanha.

Poderíamos dizer que a anulação ou reformulação de tratados comerciais são o carro chefe dentro da necessidade de Trump responder às expectativas de seu eleitorado. Enquanto candidato, Trump utilizou demagogicamente a raiva de setores da classe trabalhadora contra o desemprego estrutural em velhas regiões do cinturão industrial (Rust Belt) no meio-norte do país, fruto da deslocalização industrial para países da Ásia como a China na década de 90, para dizer que “faria os empregos voltarem aos Estados Unidos”. Na posse, lançou suas “duas regras” básicas: “buy american and hire american” (compre dos Estados Unidos e contrate americanos).

Esta “arremetida contra a globalização”, para dar um nome ao isolacionismo nacionalista de Trump na economia – opera em um determinado plano histórico. O cenário de diminuição do crescimento do comércio mundial está impulsionando um certo recuo na “globalização”, um suave incremento de medidas protecionistas e uma desaceleração do ritmo de liberalização do comércio. Estes ritmos contidos diferem significativamente dos anos 30, quando as frações hegemônicas do capital adotaram rapidamente uma postura protecionista.

Trump opera com a raiva dos “perdedores da globalização” num momento em que os acordos comerciais, a expansão internacional do capital e sua exportação representam ainda a política dos setores hegemônicos do capital, em especial das corporações norteamericanas que se beneficiaram por décadas da superexploração de mão de obra barata nas colônias e semicolônias.

Não está claro se a saída do TPP ajudará Trump a longo prazo em seduzir o eleitorado, porque depende de uma ´serie de outras políticas que poderiam incrementar a inflação no país.

Trump não quer e não pode governar contra a elite econômica financeira. Por isso, dificilmente o NAFTA será alterado em sua essência – grandes fábricas norteamericanas se encontram no norte do México, onde superexploram os trabalhadores para exportar aos Estados Unidos seus superlucros – e ambos os tratados, Transatlântico e TransPacífico, nunca viram a luz do dia. As ameaças à Ford, GM e estrangeiras como a Toyota ou BMW sobre a necessidade de fabricarem nos EUA sob pena de aumento tarifário não chega a ser a ameaça anterior, de taxar de 35-45% as importações chinesas e mexicanas, que constituem capitais norteamericanos acima de tudo. Isto atenua, ao menos por ora, a primeira contradição latente da medida, que seguirá se desenvolvendo.

Pequim como a capital do comércio?

Entretanto, o valor geopolítico dela é talvez mais relevante no momento. Pela primeira vez, o presidente da China, Xi Jinping, representou o papel de portavoz do “livre comércio mundial” num evento tão prestigiado pelos monopólios como o Fórum Mundial de Davos. Este papel sempre foi dos Estados Unidos, e de Obama na última década.

O TPP foi assinado por 12 países (Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Estados Unidos e Vietnã), que representam 40% da economia mundial e um terço do comércio global. Visava reduzir barreiras comerciais em algumas das economias com o crescimento mais rápido da Ásia e Oceania, sob a tutela inconteste dos Estados Unidos, isolando a China.

De fato, a anulação do acordo trouxe grande benefício à China. Alguns dos países que haviam assinado o TPP (como a Austrália) agora estão migrando para a versão chinesa desse acordo comercial na Ásia-Pacífico: chamado de Parceria Abrangente Econômica Regional (RCEP, na sigla em inglês), ele exclui os Estados Unidos e cria uma área de livre comércio de 16 nações, incluindo a Índia, o maior bloco do mundo nesse âmbito, abrangendo 3,4 bilhões de pessoas.

Independente do êxito deste novo acordo comercial chinês, a “nova era” Trump começa assegurando caminho livre à influência econômica da potência chinesa na região estratégica da Ásia-Pacífico, famoso “pivô” da administração Obama.

Politicamente, entretanto, a escalada contra a China acompanha as declarações de Trump durante a campanha. Seu Secretário de Estado, Rex Tillerson, comparou a construção de ilhas artificiais no disputado Mar do Sul da China com a anexação da Criméia pela Rússia em 2014. “Enviaremos à China um claro sinal para que, primeiramente, a construção de ilhas cesse, de depois que o acesso a estas ilhas não será permitido”. Uma declaração violenta contra a principal política militar de Pequim no sudeste asiático.

Anteriormente, Trump havia telefonado sem prévio aviso para a presidente de Taiwan, violando o reconhecimento da política de “Uma só China” defendida por Pequim. Foi o primeiro contato entre um presidente estadunidense e um líder taiwanês desde que Washington trocou suas relações com a ilha pela China continental em 1979, que já então começava a ganhar peso no cenário internacional.

Portanto, embora a nova administração tenha anulado o TPP sem usar a medida para extrair algo em troca da China, Trump sinalizou que está preparado para atuar unilateralmente se os chineses não estão dispostos a renegociar a relação e todos os itens estão sobre a mesa de negociação.

A agressividade com a China aumentará, sem esquecer da própria Alemanha, que além do afastamento frio recebido por Trump não terá parcerias como a do suposto acordo Transatlântico, que sequer foi mencionado como algo real quando o novo presidente chamou a União Europeia de "irrelevante" algumas semanas atrás.

Fissuras internas na elite dominante

Trata-se de um grande revés aos Democratas, e a Obama em particular, que negociou o tratado por oito anos. Mas os próprios republicanos torceram o nariz à anulação. John McCain, um dos mais conservadores senadores republicanos, disse ao The New York Times que a decisão de Trump é “um sério erro que prejudicará os EUA”: “Enviará um sinal de que os EUA está se desengajando da Ásia-Pacífico num momento em que não podemos fazer isso”.

O ministro do comércio australiano, Steve Ciobo, disse que agora a opção é procurar um “TPP menos um”, sem os Estados Unidos. “O TPP oferece muito benefícios. Seria lamentável perdê-los apesar da decisão de Trump”, disse.

Internamente, entretanto, Trump talvez esteja revolvendo o solo que ligava a tradicional burocracia sindical ianque com o Partido Democrata. Em encontro com Trump, Rich Trumka, presidente da AFL-CIO (a maior central do país), disse que "a saída do TPP é um primeiro passo importante para a construção de políticas comerciais que beneficiem os trabalhadores". James Hoffa, presidente da poderosa central dos caminhoneiros (Teamsters Union), disse em comunicado que "com essa decisão, o presidente deu o primeiro passo para consertar 30 anos de péssimas políticas comerciais que custaram aos trabalhadores norteamericanos milhões de empregos".

Esse terremoto no mundo sindical não está consolidado e será difícil utilizar uma burocracia desprestigiada como correia de transmissão da autoridade de Trump na classe trabalhadora (várias chefes sindicais aprovaram o fechamento de fábricas e lucraram com a exportação de capitais). Não obstante, trata-se de uma mudança histórica de fidelidade dentro do regime bipartidário, com que não contavam os Democratas em sua busca por desviar o ódio das ruas para fortalecer-se como "oposição domesticada" a Trump.

A política isolacionista e nacionalista de Trump alterará a geopolítica com não menos agressividade com que promete alterar a economia que “permite ao mundo roubar os Estados Unidos”, o maior explorador de força de trabalho e mão de obra barata em todo o planeta.

 
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