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100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA
9 de Janeiro de 1905: o “domingo sangrento” que iniciou a revolução
Gabriela Liszt

Em 9 de Janeiro (22, segundo o calendário atual) de 1905, uma manifestação que foi reprimida pelo czarismo foi o “ensaio geral” da Revolução Russa de Outubro de 1917.

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A manifestação de 140 mil mulheres, homens e crianças, em sua maioria camponeses, deu-se em São Petersburgo, no império russo dos czares, encabeçada pelo padre Gapón e levantando ícones religiosos e retratos do czar, levava uma declaração às portas do Palácio de Inverno, em que suplicavam ao “paizinho czar” uma série de reivindicações econômicas e outras democráticas, dado que estavam atravessando uma tremenda miséria e repressão no país. A repressão aos manifestantes desarmados deixou um tendal de centenas de mortos e milhares de feridos, passando à história como “o domingo sangrento”.

A marcha foi precedida por um movimento de greves que, sobretudo desde 1903, vinha se desenvolvendo em todo o país. Um movimento operário jovem, que provinha em sua maior parte do campo, mas que vinha realizando uma “ginástica” de greve, enfrentando os patrões exploradores e a repressão policial, enquanto os burgueses e intelectuais chamavam a confiar nas negociações com o czarismo, que lhes prometia a formação de uma Duma (espécie de parlamento). Em fevereiro de 1904, a Rússia invade Port Arthur, iniciando a guerra russo-japonesa que terminará com sua derrota em março de 1905. Em Bakú, em 1904, os petroleiros já haviam começado a exigir liberdade de imprensa e de assembleias operárias e a convocatória de uma Assembleia Constituinte, terminar com a guerra russo-japonesa e pela jornada de 8 horas. Organizaram uma greve geral que conquistou a primeira convenção coletiva. Em 3 de Janeiro de 1905, explodiu a greve na grande fábrica Putilov. Em 8 de Janeiro, ocorreu uma greve geral em São Petersburgo.

A importância do 9 de Janeiro

O massacre do 9 foi um ponto de inflexão para a fé que o campesinato ainda mantinha no czar. Por isso as massas, a princípio, confiaram na direção do padre Gapón (impulsionado pela burguesia). Porém, a matança destruiu essa confiança. Já não servia suplicar nem tratar de convencer o czar. E os burgueses estavam temerosos das ações das massas. O proletariado era o único que demonstrava sua força e consequência. Para Trotski (que estava tratando de voltar de seu exílio), “o verdadeiro ator foi o proletariado. Começa por sua greve, unifica-se, formula exigências políticas, vai às ruas, atrai para si todas as simpatias, choca-se com a força armada e abre a Revolução Russa” (1905, “O 9 de Janeiro”). Para Lenin: “revelou a agonia da fé secular do campesinato no ‘paizinho czar’ e o nascimento de um povo revolucionário encarnado no proletariado urbano. (...) Na última década o movimento operário produziu milhares de proletários socialdemocratas de vanguarda que romperam com essa fé, plenamente conscientes do que faziam. Educou dezenas de milhares de operários em quem o instinto de classe, fortalecido na luta de greve e na agitação política, minou todos os fundamentos de semelhante fé”. (1905, “O ‘paizinho czar’ e as barricadas”)

Aberta a dinâmica da revolução com o “domingo sangrento”, esta continuará com seu período de auge operário entre outubro e dezembro de 1905, até sua derrota, em 19 de Dezembro de 1905. Foi um ensaio geral em que se delinearam os atores, as instituições e suas inter-relações, que se mostrariam plenamente em Fevereiro e Outubro de 1917. Esboçaram-se as respostas a muitas das incógnitas e debates que cruzaram o movimento operário revolucionário sobre a questão da tomada do poder: o desenvolvimento dos sovietes (conselhos) como a organização mais democrática de luta das massas (“embriões de um governo revolucionário para a conquista do poder” para Trostki; “o embrião do governo provisório revolucionário para a conquista do poder” para Lenin). A greve geral política como método específico do movimento operário com o objetivo de paralisar a economia e desorganizar o poder do Estado será outra das grandes contribuições dessa revolução; a necessidade da aliança com os camponeses, os estudantes e as nacionalidades oprimidas e o papel das consignas democráticas em função dessa tarefa; as barricadas e a formação das milícias armadas e a política para quebrar e ganhar setores da armada (em particular, o levante do encouraçado Potemkin e o papel dos bolcheviques dentro dele) e o exército; o exercício da liberdade de imprensa e em especial da imprensa operária; a relação entre os sovietes e os sindicatos e o partido; a relação entre a luta econômica, a política parlamentar (ou pseudoparlamentar, no caso da Rússia) e a luta revolucionária; a visualização dos setores estratégicos para desorganizar o poder (que no caso da Rússia eram os correios e telégrafos e ferroviários).

Um “laboratório” do pensamento político russo

Como defende Trotski: “A Revolução de 1905 não foi apenas o ensaio geral de 1917, mas também o laboratório do qual saíram todos os agrupamentos fundamentais do pensamento político russo, onde se conformaram ou delinearam todas as tendências e matizes do marxismo russo”. Tendências e matizes que se deram ao redor do caráter do Estado russo, do caráter da revolução e do papel que as classes teriam nela na Rússia, discussão que logo se colocaria a nível internacional. Antes dos acontecimentos de 1905, Trotski havia rompido com os mencheviques (a minoria do Partido Operário Socialdemocrata Russo, POSDR) por sua posição frente ao papel dos burgueses “liberais” e da classe média intelectual na luta contra o czarismo. Enquanto os mencheviques proclamavam a conciliação com estes últimos, Trotski sustentava: “A solução apenas pode vir de uma greve geral, seguida necessariamente do levante do proletariado, que se colocará à cabeça do povo contra o liberalismo”. Trotski e Lenin coincidiam nessa oposição irreconciliável. Frente à Revolução de 1905, suas coincidências cresceram, tendo uma visão comum do surgimento e papel dos sovietes e da greve geral como método revolucionário para a insurreição. As diferenças entre Lenin e Trotski nesses anos giravam essencialmente em torno do papel do campesinato na revolução, o qual, para Trotski, não podia cumprir um papel independente, mas ser dirigido pelo proletariado, o que foi confirmado pelo posterior desenvolvimento dos acontecimentos. As polêmicas desse período em torno da Revolução Russa deram origem, um ano antes da Revolução de 1905, às formulações iniciais da “teoria da revolução permanente” de Trotski, expressa cabalmente pela primeira vez em seu livro Resultados e perspectivas (1906).

Por outro lado, Trotski avaliava equivocadamente as profundas diferenças entre mencheviques e bolcheviques (a maioria do POSDR), com relação a qual partido era necessário para a revolução. Ainda que durante 1905 tenderam à intervenção comum e que, ao término da revolução, votaram unificar-se como partido (até 1912), as diferenças foram cada vez mais abertas ao redor do balanço da revolução passada e sua dinâmica. Trotski não coincidia então com as concepções de partido de Lenin, posição que mudaria na prática frente às Revoluções de 1917, momento que marcaria a confluência entre os dois principais dirigentes da Revolução Russa.

A Revolução de 1905 foi parte e impulsora de uma ascensão no movimento operário internacional tanto nos países imperialistas como nas colônias. Assim ocorreu na Alemanha, Bélgica, Romênia, Índia, China. Em muitos casos, como resposta a essas lutas, as burguesias imperialistas se viram obrigadas a outorgar importantes concessões democráticas. Nos EUA, a radicalização de setores do movimento operário deu lugar nesse mesmo ano à organização do sindicalismo combativo, com a fundação do I.W.W. Desde esse país, os socialistas, entre eles o reconhecido escritor Jack London, chamaram a II Internacional à realização de uma manifestação e à solidariedade ativa internacional com a Revolução Russa.

Tradução: Vitória Camargo

 
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