www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
CRISE CARCERÁRIA
Dossiê Crise Carcerária - Parte 2: As frágeis respostas do governo Temer
Mateus Pinho

Longe de oferecer uma solução real à crise carcerária, medidas do governo golpista de Temer apenas aprofundam sua principal causa: a superlotação das cadeias fruto do encarceramento em massa.

Ver online

Diante dos motins do final do ano passado, Alexandre de Morais, ministro da justiça do governo golpista de Temer, declarou que não faria comentários “sobre grupos criminosos”, e afirmou que “não é possível se combater de forma séria e dura o crime organizado se não começarmos pelos presídios”, já que é de onde partem as ordens de comando do narcotráfico e onde estão seus principais dirigentes.

Já diante da primeira rebelião deste ano, o ministro afirmou, no último dia 3, que a situação estava sob controle e que não corroborava com a tese de confronto entre facções. Moraes estava sendo duplamente hipócrita diante do caos aberto no país com o racha das facções paulista e carioca, fingindo que o governo não sabia dessa situação e que não negocia com o crime organizado, quando é público e notório que as relações diplomáticas de todos os governos burgueses pressupõem negociar com os criminosos ou terroristas, inclusive, muitas vezes como aliados.

Em São Paulo, diversas vezes os pactos PM e PCC se escancararam ao serem rompidos, resultando em chacinas feitas por policiais militares nas periferias da cidade. O próprio ministro Alexandre de Morais tem diversas denúncias de ligação com o PCC. Essa aliança entre governos, empresários e as organizações do narcotráfico são fundamentais para que facções como o PCC e o CV possam emergir com tanto poder. Apesar do discurso cínico da mídia e dos governantes de que as facções são suas inimigas, na maioria dos casos, as rotas de tráfico, de lavagem de dinheiro e de disputa territorial são encobertas pela conivência e participação dos governantes.

Frente à chacina de Manaus, o governo Temer demorou para fazer qualquer declaração. Quando o golpista Temer decidiu se pronunciar, porém, chamou o massacre de “acidente” e demonstrou completa incapacidade de responder à crise. O máximo que pôde fazer foi prometer fundos para construção de novos presídios e o envio da Força Nacional de Segurança aos estados que solicitarem. Porém, enquanto Temer e Moraes tentavam acalmar a sociedade apresentando mais investimentos no mesmo modelo falido e propondo mais repressão, novas rebeliões explodiam, mais detentos morriam e ônibus eram incendiados nas cidades.

Para conter a crise política que se alastra também com a crise carcerária, Temer e Moraes correram culpar os governos estaduais e as empresas terceirizadas responsáveis pelos presídios privados em que ocorreram as chacinas, se eximindo da responsabilidade que o governo federal tem sobre as mortes. O Estado é o responsável pelas mortes nos presídios, pela superlotação e pelo surgimento e poderio das facções. Segundo o professor Laurindo Dias Minhoto, da USP, autor do livro Privatização dos presídios e criminalidade (2000): “um traço central das modernas democracias é a pretensão ao monopólio estatal do uso legítimo da força. O poder de privar o cidadão de liberdade como medida punitiva e de empregar meios coercitivos para fazê-lo constitui uma das dimensões da própria razão de ser do estado, e, nessa medida, é intransferível.”

Presídios, ajuste fiscal e a democracia dos ricos

Para Temer, a melhor situação é fortalecer a ideia de que são necessários mais presídios, e que o Estado não tem capacidade de construir e gerir esses presídios, repassando toda a responsabilidade, boa ou má, para empresas privadas. A lógica privatista do governo vai se aproveitar dessa crise, quando a poeira abaixar, para fortalecer o surgimento dos presídios particulares que anseiam por cada vez mais presos em busca de elevar seus lucros.

O Brasil possui a quarta população carcerária do mundo e tem cerca de 300 presos para cada cem mil habitantes. Em praticamente todos os presídios do país a superlotação é gritante. De acordo com dados do International Centre for Prison Studies, dentre os 4 países com maior população carcerária, o Brasil é o campeão de superlotação: a taxa de ocupação dos presídios aqui é de 147%. Nos Estados Unidos é de 102,7%, na Rússia de 82,2% e na China é desconhecida.
Para responder a isso, o governo propõe as Parcerias Público Privadas e a privatização. Porém, o caso de Manaus revelou uma privatização cara e irresponsável, com mais de 300 milhões de reais repassados à Umanizzare por serviços de administração e segurança em seis penitenciárias do Estado, e que logo se absteve da culpa diante do massacre.

Sobre a privatização proposta pelo governo golpista em tempos de “ajuste fiscal”, Minhoto diz que:

“Se há algo que a experiência internacional de privatização de presídios pode nos ensinar é que “ajuste fiscal”, para além de seu sentido econômico imediato, é sempre uma estratégia política de gestão do orçamento público, uma arena em que se defrontam diferentes concepções ideológicas a respeito do papel do estado. Nos anos 70, por exemplo, em países como EUA e Grã-Bretanha, o argumento da crise fiscal do estado favoreceu demandas por desencarceramento em contexto progressista de crítica às instituições totais e ao controle do corpo e da alma dos condenados, como se dizia à época. Poucos anos depois, sobretudo após a vitória de Thatcher e Reagan, o mesmo argumento de crise fiscal do estado é invocado para patrocinar os maiores programas de construção de presídios da história e a política de privatização.

E mais: nos dois países, a despeito de toda a retórica de estado mínimo, gestor, eficiente, o gasto público com prisões, polícia e tribunais só fez crescer exponencialmente, incluindo mecanismos de transferência de recursos das áreas ditas sociais, como saúde e educação, para o sistema de justiça criminal.
Portanto, é sempre de opções políticas que se trata. Privatizar presídios, fomentar o mercado de previdência privada pela desmontagem da previdência pública, bloquear o aumento de gastos em saúde e educação e, no mesmo passo, intensificar o processo de mercantilização de direitos sociais e privatização de escolas, universidades, centros de saúde são medidas que absolutamente nada possuem de natural e necessário como estratégias de enfrentamento do déficit público. Desse ângulo, as chacinas recorrentes em nossos presídios e a captura do sistema penitenciário pelo crime organizado não deixam de ser também desdobramentos literais do que se poderia ver como “austericídio” à brasileira. ”

Laurindo Dias Minhoto, professor da USP.

O professor ainda aponta que:

“ Tendo em vista a situação de barbárie estrutural que qualifica historicamente o funcionamento das prisões brasileiras, o leitor poderia muito bem se perguntar: mas, afinal, o que pode piorar? Por que não experimentar? Em primeiro lugar, é certo que a situação calamitosa de nossas prisões dificilmente encontra símile em outros lugares: a pena de privação de liberdade no Brasil implica muitas vezes uma condenação à morte “fast track” e não “a fogo lento” como se diz da condenação a penas longas em sistemas mundo afora.

Mas é preciso notar que isso tem a ver não só com o lado de dentro, mas também, e em boa medida, com o lado de fora das prisões. Como todo penalista sabe, desde o surgimento das prisões na era moderna, há uma regra não escrita de ordenação do sistema penitenciário, o chamado princípio da menor elegibilidade, que afirma que o nível de vida nas prisões não deveria superar o nível de vida do estrato social menos privilegiado do lado de fora. Ou seja, se a pena privativa de liberdade almeja alguma eficácia do ponto de vista dissuasório, ela teria de sinalizar, no seu próprio modo de operação, que o crime não compensa. É claro que isso não se traduz de modo imediato nem em políticas penitenciárias, nem em condições reais de encarceramento. Trata-se antes do trabalho de Sísifo das prisões. Porém, o que importa sublinhar aqui é que, em diferentes sociedades, o nível de barbárie do lado de dentro é indicativo do nível de barbárie do lado de fora.
Desse ponto de vista, uma prisão privada é pouco mais do que uma estratégia de exploração comercial dessa situação por meio de financiamento público, pois convém não esquecer que é o próprio estado que banca a participação e a expansão do setor privado nessa área.

Não é outro o sentido da engenharia jurídica que procura viabilizar o mercado das prisões: remuneração das empresas por número de presos (quanto maior o número de presos, maior o lucro); cláusulas contratuais de ocupação mínima que asseguram artificialmente o retorno do investimento (quanto maior o número de vagas, mais azeitada a máquina do encarceramento em massa); trabalho prisional em condições muito aquém dos mínimos legais etc. etc. etc.

Dessa forma, ao chancelar a precariedade de serviços, instalações e força de trabalho em nome do imperativo do corte de custos, o enraizamento de interesses econômicos poderosos na gestão do sistema prisional vai se mostrando incompatível com os objetivos de política penitenciária fixados na legislação dos países. A respeito, não poderia ser mais explícito o relatório anual da CCA (Corrections Corporation of America), atual CoreCivic, principal empresa norte-americana do setor: “a demanda por nossos serviços e estabelecimentos pode ser negativamente afetada por práticas lenientes de sentenciamento e execução da lei, assim como a descriminalização de certas atividades atualmente proibidas pelas normas penais”.

De modo que, como em todos os mercados em que vigora a máxima exuberância irracional, o retorno financeiro das companhias é tanto maior quanto menor o valor da vida humana. ”

Como responder à crise?

Dessa forma, o vértice oposto à privatização, proposta pelo governo golpista de Temer, deve ser o de combate ao encarceramento em massa e ao genocídio da juventude executado pelas polícias nas periferias, características fundamentais da democracia dos ricos. O judiciário é diretamente responsável pela superlotação das cadeias quando 40% da população carcerária está presa sem ainda ter sido julgada.

Da mesma forma, a política propagada pelos EUA de guerra às drogas (que é a grande justificativa da militarização das periferias) já mostrou suas reais intenções: a criminalização da juventude pobre e negra das periferias. Desde 2006 a lei brasileira para a questão das drogas não distingue o usuário do traficante, deixando a cargo de juízes e policiais essa distinção. O resultado foi um aumento de mais de 300% nas prisões por tráfico no país, com muitos registros de presos com menos de 10 gramas de substância considerada ilegal. Hoje, o crime que mais prende os jovens no Brasil é o tráfico de drogas. Essa crise só demonstra que as substâncias proibidas são infinitamente menos danosas à sociedade do que o encarceramento em massa, e que essas políticas conscientes da burguesia brasileira servem apenas como ferramenta de controle, repressão e higienização das massas precarizadas da classe trabalhadora, especialmente dos negros. Dos 622.202 detentos que lotam os presídios brasileiros, mais de 60% são negros, a maioria jovens, e 75% deles têm apenas até o ensino fundamental completo, segundo dados do Ministério da Justiça.

A legalização das drogas é o primeiro passo para combater a superlotação. Todo sistema carcerário serve exclusivamente para reprimir os trabalhadores, já que os ricos sempre estão de fora dos presídios superlotados. Reforçar a lógica do encarceramento no país fortalece as facções criminosas, ao retirar todas as oportunidades da juventude e entrega-la ao crime organizado. Nas mãos da propriedade privada isso se agrava, onde os anseios de lucros pressionarão por mais internos com sua mão de obra barata de dentro das prisões. É preciso dar esperança ao futuro da juventude com acesso ao emprego, educação, cultura e lazer.

Enquanto não cessar a miséria imposta pelos governo e grandes empresários, assim como a superlotação das cadeias através da criminalização da juventude, o crime organizado irá perseverar e as sanguinárias crises serão recorrentes.

Confira Parte 1: http://www.esquerdadiario.com.br/Dossie-Crise-Carceraria-Parte-1-Entenda-as-faccoes-envolvidas

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui