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FORA TROPAS DO HAITI
Haiti: A História por trás da invasão
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Conhecido hoje por sua imensa pobreza, confrontos sangrentos em resultado de uma “guerra civil” e marcado pela massiva migração de seus habitantes para os países da América do Norte (em especial o Canadá) e da América Latina, sendo o Brasil o principal destino, o Haiti possui uma história de lutas, revolução e protagonismo de negros africanos escravizados que colocaram o país nos livros de história por ser o primeiro a derrotar as tropas europeias e declarar independência, unindo o povo sob a bandeira da primeira revolução negra. Conheça um pouco da história do povo haitiano.*

Por Lourival Aguiar X e Leandro Lanfredi

*texto originalmente publicado na revista Luta de Classes, nº2, 2014.

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A Ilha de Santo Domingo (Saint-Domingue) era das mais prósperas colônias das Américas. A riqueza das mais de duas mil fazendas era fruto da brutal exploração de meio milhão de escravos africanos, justificada com a falácia de que não eram seres humanos, mas bestas.

Os africanos eram obrigados a trabalhar diariamente mais de 12 horas sob o causticante sol tropical e sob brutais condições. Com estas condições, tornou-se a maior exportadora de açúcar, suplantando o Brasil. O historiador Milani descreve o “civilizado” tratamento dos escravos: “um nível de perseguição implacável (...) Mutilavam-lhes membros, orelhas e genitais; faziam-lhes comer excrementos; amarravam-lhes grilhões e blocos de madeira; prendiam-nos a postes fincados no chão. A tortura sistemática originava, não sem razão, uma sede de vingança”.

Após cerca de 300 anos de escravidão e exploração, surge no Haiti uma esperança sobre a face de um escravo negro: Toussaint L’ouverture. Apesar de ser escravo, L’ouverture foi ensinado a ler e a escrever. De boleeiro como ocupação, converteu-se em tão bom ginete que o chamavam de “Centauro da Savana”. Ele foi forjado como general nas várias batalhas que teve que enfrentar para defender a ilha dos ingleses e espanhóis e principalmente dos próprios franceses, tendo conquistado sua liberdade graças a uma concessão da coroa francesa para escravos que lutassem na guerra contra os invasores. Após expulsar os exércitos ingleses e espanhóis, com seu exército de milhares enfrentando centenas de milhares, conseguiu estimular a produção agrícola e iniciou o comércio com a jovem república americana. Reduziu o expediente para 9 horas pela primeira vez na história, e deu o direito aos trabalhadores de ficarem com a quarta parte dos lucros. Em 1801, L’ouverture emitiu uma constituição para Saint-Domingue que previa a autonomia e o decretava governador vitalício. Mas Jefferson ganhou as eleições nos EUA de 1800 e, ao subir à presidência em 4 de março de 1801, sendo ele mesmo escravagista, virou contra Toussaint e informou a França que a abasteceria do que precisasse para reconquistar o Haiti. Após o fim da guerra com a Inglaterra, Napoleão conseguiu contar com as duas forças anglo-saxônicas para invadir a Ilha caribenha com uma grande expedição militar francesa, liderada pelo seu cunhado Charles Leclerc, para restaurar a lei francesa e, sob instruções secretas, repor a escravatura.

Leclerc, para liderar esta ofensiva, contou com mais de 50 mil soldados contra os negros revoltos. Em meio a esta campanha, Leclerc capturou L’ouverture, que havia se entregado na tentativa de fazer um acordo com o império napoleônico, mas que morreu anos mais tarde em uma prisão na França. Dessalines liderou a rebelião até a sua conclusão, quando as forças francesas foram finalmente derrotadas em 1803.
Um povo que soube derrotar as tropas de Napoleão é incapaz de se governar?

O que aconteceu desta guerra até os nossos dias?

Em 1825 sob nova ameaça de invasão francesa o Haiti concordou em fazer reparações aos antigos donos de escravos franceses, na ordem dos 150 milhões de francos (reduzindo o montante em 1838 para 60 milhões de francos) em troca do reconhecimento da sua independência pela França e para se libertar da opressão francesa (apenas em 1834 a França reconheceu formalmente o Haiti como uma nação independente, e os Estados Unidos apenas em 1862 – já durante sua guerra civil). Esta situação fez com que o recém liberto país se afundasse em dividas cada vez mais profundas e não conseguisse desenvolver seu comércio ou sua indústria, seja pelo peso das dívidas, seja pelo embargo declarado e não declarado das potências.

A história do século XX não deixa muito a dever a do XIX. Os EUA ocuparam o Haiti de 1915 a 1934, interferiram em eleições, aplicaram golpes de Estado, até seu sanguinário e ditador aliado, Papa Doc, assumir o poder em 1957. Já narramos acima o papel recente dos EUA no país. Mas há um aspecto além da dívida, além dos golpes, além das camarilhas que tomaram o poder com apoio ianque e francês em toda a história. Houve uma sistemática destruição da agricultura haitiana para tornar a força de trabalho mais barata. E esta destruição é mais recente e teve as mãos americanas. Nos anos 1990 Clinton forçou o Haiti a comprar arroz e outros cereais norte-americanos subsidiados. Parecia um bom negócio, era mais barato que o arroz e cereais haitianos. Porém com este “dumping”, pago pelos EUA, quebraram toda a agricultura haitiana. Forçaram a migração às cidades e o consequente aumento do desemprego e barateamento da força de trabalho.

O plano para instalar “fábricas de suor” estava pronto. Só faltava a Zona Franca de Ouanaminthe e as tropas para manter a ordem de quem receberia salários de 5 dólares ao mês. Mas isto foi garantido por uma combinação da ONU somada a terremoto, desemprego e governos capachos. Estas zonas francas começaram no governo de Aristides, que, na Cúpula de Monterey, anunciou o plano de montar 18 zonas francas no Haiti.

Dentro desta Zona Franca a fábrica que mais se destaca é a fábrica Codevi. Esta fábrica confecciona jeans para marcas famosas, como Levis e Wrangler, e é parte de um conglomerado dominicano (o Grupo M), ligado ao Chase Manhattan. Ela já foi palco de algumas das mais duras greves do país. Logo no início da operação da fábrica em 2003, foi organizado um sindicato para lutar contra os abusos sofridos pelos trabalhadores, como jornadas de trabalho extenuantes, baixa remuneração (cerca de U$ 46/ mês) e ter que trabalhar sob a vigilância de capatazes armados (segundo denúncia do sindicato). A reação foi imediata, com a demissão dos 34 ativistas que organizavam o sindicato. Uma greve de dois dias fez os patrões recuarem e admitirem os operários de volta na primeira vitória na zona. De imediato, 370 operários se filiaram ao sindicato. Menos de uma semana depois, a fábrica demitiu os 370, e abriu-se outra luta, de mais de um ano. Os trabalhadores fizeram greves e uma campanha internacional que chegou aos EUA. Uma aliança com estudantes universitários de Nova York e Los Angeles possibilitou um boicote aos jeans dessas marcas. Finalmente a empresa teve de recuar e readmitir os operários. Estas condições poderiam constar em qualquer capítulo sobre a escravidão no século XVIII, mas é o retrato do século em que vivemos: negras e negros sendo escravizados pelo bem do lucro dos imperialistas, sendo taxados de "não civilizados" e precisando de ajuda da "mão branca do progresso".

Uma dívida com os haitianos

O medo dos EUA escravocratas, de que o Brasil virasse o "Novo Haiti", era onipresente no século XIX. Toda a causa antiescravista do mundo deve aos haitianos. As independências da América Latina devem a este pequeno país, que não só forneceu ideias como tropas e generais para a luta de independência da Venezuela e outros países, tendo abrigado Simon Bolívar. Toda a causa da “liberdade” e da “igualdade” em nosso continente é tributária da grande revolução dos negros neste país. O Brasil é o país de maior população negra nas Américas. Livrar-se de toda herança escravagista é ainda uma tarefa dos negros e de todos trabalhadores em nosso país. E parte desta luta é voltar-se contra a opressão e assassinatos cometidos nas favelas pelas UPPs, que bebem diretamente da experiência brasileira no Haiti, mas também começando a pagar esta “dívida moral” aprendendo com a grande revolução negra dos haitianos e de toda sua história de resistência contra a espoliação imperialista, agora “disfarçada” pela via da ONU e do Brasil. Isto passa por lutar por dignas condições de moradia, trabalho e direitos aos haitianos que se refugiam em nosso país, e fazermos uma grande campanha contra as tropas brasileiras naquele país, que servem para oprimir os haitianos. A luta dos haitianos e dos brasileiros estava na escravidão e está no século XXI entrelaçada pela história escravagista de nossas elites, pela maioria negra de nossos povos. Como dizia Lênin baseando-se em Engels: “não pode ser livre um povo que oprime outros povos”. E assim, podemos dizer, ao contrário da famosa música, que o Brasil também é ali! A luta contra o racismo no Brasil é também uma luta contra as tropas brasileiras no Haiti.

 
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