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Homofobia "silenciosa, mas efetiva" em determinadas instituições sociais: as Forças Armadas
José Ferreira Júnior
Serra Talhada – Pernambuco
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Quando se enxerga a sociedade como algo funcional, que se desenha à semelhança de um corpo humano, as instituições sociais se tornam imprescindíveis à sua existência, visto que exercem poder normativo e coercitivo. Seu surgimento não ocorre aleatoriamente, mas para suprir demandas humanas. Embora singulares em sua forma de ser e agir, as instituições sociais não se constituem ilhas, mas desenvolvem uma relação de interdependência, ou seja, não atuam de maneira isolada.

Todavia, convém não esquecer que as instituições sociais existem e atuam dentro da sociedade e esta, por sua vez, composta que é por seres históricos, está sempre em constante mudança, desconhecendo o ser estático. Mudanças sociais é o nome dado às transformações experimentadas pela sociedade em seu transcurso histórico. Estas podem ocorrer no âmbito tecnológico (descobertas e invenções) e no âmbito das práticas, costumes e tradições.

Quando acontecem mudanças sociais, torna-se imperativo às instituições sociais adequar-se a essas mudanças, sob pena do experimento do seu obsoletismo e conseqüente extinção. Como exemplo, pode-se trazer à memória a abolição da escravidão, quando escola e igreja, enquanto instituições sociais que o são, tiveram que se adequar, pelo menos em tese, à não mais existência do cativeiro e, com ele, da segregação experimentada por pessoas de cor de pele preta.

Verdade é que, quando se faz discussão sociológica sobre mudança social, não se deve esquecer que a resistência que lhe é imposta é significativa, principalmente quando ocorre no âmbito das práticas, costumes e ou tradições (que é o âmbito que aqui interessa) uma vez que, o que está posto, na grande maioria das vezes encontra-se naturalizado. Assim, por exemplo, no Brasil, aceitar a inexistência de escravidão foi algo de grande dificuldade para grande parte da sociedade, visto que a naturalização do ser escravo para a gente de cor de pele preta, era uma de suas representações sociais. Tal prática sendo legitimada pela Igreja, instituição social de enorme poder nos espaços temporais da escravidão: colônia e império.

Na contemporaneidade social brasileira tem-se avultado a discussão que gira em torno da homossexualidade. Há cerca de mais ou menos duas décadas, tem existido, por parte de sujeitos com orientação sexual diferente da naturalizada socialmente, um movimentar-se mais contundente na reivindicação de direitos que lhes são constitucionalmente atribuídos.

Assim, indo de encontro ao que está posto — a dicotomia macho e fêmea (sendo sinônimo de macheza e feminilidade, a genitália) —, lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) brasileiros e brasileiras têm conquistado o espaço negado pela existência de uma cultura derivada da classe dominante que, quando do processo colonizador, ao impor sua dominação econômica aos nativos assentados em primitivismo, também impôs seu modo de ser cultural que, além de alienígena (europeu), era perpassado grandemente pela moral religiosa cristã católica, que no referente à questão sexual, dicotomizou-a e, como palavra final, determinou a heterossexualidade.

Exemplos diversos podem ser dados, no referente à rota de colisão que se observa entre o movimento LGBT e a resistência heterossexual, na sociedade brasileira. Aqui, em Serra Talhada, de onde escrevo, terra de cangaceiros e do mais famoso deles, Lampião, onde a macheza é, para significativa parte da sociedade (incluam-se homens e mulheres), palavra de ordem, verifica-se a reivindicação de sujeitos homossexuais em vivenciar, de maneira aberta, sua homossexualidade.

Em cinco ocasiões (2009 – 2013), o espaço serratalhadense foi palco de manifestações de sujeitos homossexuais e de simpatizantes da causa LGBT, na busca de afirmação da identidade homossexual e do respeito a ela. Um fato digno de nota é que, além do reduto ser totalmente desfavorável à manifestação (fato que somente ocorreu mediante negociações feitas e intermediadas pelo judiciário, entre os líderes do movimento e representantes de segmentos sociais conservadores), Serra Talhada foi pioneira, em Pernambuco, interiormente falando, nesse tipo de manifestação.

O pós manifestação resultou em uma série de reações proveniente de ambos os lados envolvidos. Pelo lado dos manifestantes, dito por um deles a mim, em entrevista, alegria em terem colocado na rua seu desejo e, principalmente, por terem recebido apoio, mesmo que não oficial, de pessoas que, em decorrência da posição social que ocupam, temem exteriorizar sua real orientação sexual. Pelo lado dos opositores, com declarações pejorativas a jornais locais e não locais e, principalmente, com a aprovação de Lei municipal, que proíbe o uso de vestimentas que lembre as usadas pelos cangaceiros, em manifestações públicas, sem que haja autorização expressa da Casa da Cultura local (a justificativa da tal lei foi o uso, por parte dos manifestantes, de roupas alusivas ao cangaço em cor rosa choque).

Percebe-se, dessa forma, que o corrido em Serra Talhada longe está de ser considerado uma conquista absoluta do movimento LGBT (como deveria sê-lo, visto serem cidadãos e cidadãs, os reivindicantes), mas uma espécie de acordo tácito, firmado entre dominadores e dominados, sendo os segundos conhecedores da realidade que perpassa o meio onde se encontram. Não há respeito e aceitação, mas tolerância, que ambas as parte envolvidas sabem a sua linha limítrofe.

Saindo da dimensão local...

Há poucos dias, um protesto feito por um aluno homossexual, pertencente ao Instituto de Tecnologia Aeronáutica, tornou-se assunto de reportagens diversas. Talles Oliveira de Farias, compareceu à cerimônia de formatura usando vestido e salto, como forma de protesto às retaliações recebidas durante o período que esteve estudando na instituição citada.

De acordo com o publicado em a Folha de São Paulo, em 20/12/16, a atitude do estudante, segundo ele próprio, dizia respeito às perseguições sofridas. Veja-se o dito por Farias:

“A manifestação não foi só relacionada à homofobia, mas também à violência psicológica que ocorre aqui dentro”

Na reportagem citada, Farias afirma que teve que deixar a carreira militar, sob pena de ser expulso do curso de Engenharia da Computação, no qual se formou. Segundo ele, teria havido punições por ter feito, em outra ocasião, manifestação relacionada ao Dia Mundial de Combate à Homofobia (17 de maio), quando se vestiu de drag Queen. Farias foi punido, segundo a instituição, por “agredir o decoro da classe”, com consta na reportagem.

Ainda na mesma reportagem, o estudante se queixa de ter sido punido por fazer manifestação de apoio à ex-presidenta, Dilma Rousseff. Segundo ele, outros integrantes da Aeronáutica, que manifestaram apoio a Aécio Neves, não foram punidos. Afirma Farias:

“Tive que deixar de ser militar porque só me deram essa alternativa. Ou pedia o desligamento da Aeronáutica, ou iam me expulsar do ITA e da FAB (Força Aérea Brasileira). Sei da homofobia silenciosa, mas efetiva, no ITA e nas Forças Armadas”.

A declaração de Farias encontra corroboração na atitude proveniente do comando do Exército que, em nota oficial, posiciona-se, em 2015, contra o Projeto de Lei que criminaliza a homofobia. De acordo com o documento, se aprovada, a Lei poderia trazer “efeitos indesejáveis” e “reflexos negativos para as Forças Armadas, inclusive no que tange aos critérios estabelecidos para ingresso e permanência” [...] Verifica-se a existência de reflexos negativos para o Exército brasileiro, por serem vislumbradas repercussões contundentes nas esferas operacional, disciplinar, administrativa e do ensino.”

A Marinha, por sua vez, atua de maneira a não se comprometer no referente à prática da discriminação, no referente à orientação sexual dos que compõem os seus quadros. Na reportagem do Jornal O Dia, de 22/06/2012, afirma ter mudado regras internas para tolerar gays. Tolerar é bem diferente de aceitar e, consequentemente, respeitar. De acordo com a reportagem, o comunicado veio dois dias depois de o Exército admitir que agora aceita militares gays em seus quartéis..

Diante da inexorabilidade da mudança social, o que dizer de instituições sociais que, pautadas na moral, revelam-se fechadas à reformulação de seus agires. No caso das Forças Armadas brasileiras, onde parece serem sinônimos operacionalidade e heterossexualidade, como permanecerem diante de uma sociedade em constante mutação? Como subsistir com regras que vão de encontro ao usufruto de direitos albergados constitucionalmente, como, por exemplo, o de ter a orientação sexual que se quiser ter?

Diante da inevitabilidade das mudanças sociais, a tais instituições restam dois únicos caminhos: adequar-se às mudanças ou experimentar o obsoletismo e a decadência que culminarão, inevitavelmente, em seu desaparecimento.

 
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