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Prefácio de ""Modernidade e a Estética do Credo Vermelho"
Iuri Tonelo
Recife
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Prefácio do livro "Modernidade e a Estética do Credo Vermelho: sobre o Conceito de Arte Revolucionária no Brasil(1930 - 1949)"

O processo de uma revolução social implica necessariamente em uma transformação política nas bases da sociedade, ou seja, nas classes sociais. Mas a ascensão de uma nova classe se dá conjuntamente a uma mudança em outras esferas da sociedade: a luta do novo contra o velho, que carrega consigo na perspectiva socialista uma ampla transformação no conjunto da sociedade, em seus valores, costumes, hábitos, cultura e, particularmente, a necessidade de “sentir o mundo” de um modo diferente, ou seja, uma nova arte.

A nova arte, no entanto, deve ser produto da sociedade de transição rumo a uma sociedade sem classes e a coerção estatal, de modo que ela também deve buscar se elevar no sentido profundo do comunismo, de uma sociedade de produtores livremente associados. Nesse sentido, não pode ser apenas “arte proletária” (no sentido de negar a arte do passado ou se resumir a uma arte de uma sociedade de classes), mas uma arte que se enriqueça com toda a vida artística passada e herança cultural anterior para promover maravilhas estéticas que sejam condizentes com a sociedade elevada do futuro, construída pela revolução dos trabalhadores.

Mas essa nova arte também não poderá ser acadêmica, isolada dos enormes choques, conflitos e embates de classe que haverá no decorrer de uma revolução social. Deve ser produtora e estar em conexão em sua produção com todas as experiências culturais e estéticas de vanguarda, que busquem uma nova sensibilidade e expressem, na sua forma artística, as transformações mais sublimes das relações humanas em uma sociedade socialista. Nesse sentido a arte deve ser revolucionária, no sentido forte da palavra.

E a importância desse debate é patente nos nossos dias: o alcance e a influência da indústria cultural, sua capacidade estética e ideológica, atingiram níveis que nem os mais críticos marxistas do século XX puderam conceber. No reino da mercantilização capitalista atual, o hipersensorial se confunde com o superficial e fugaz. Grandes fenômenos da arte e da cultura tornam-se gigantes e desmancham no ar com extrema velocidade. Uma explosão de novidades e informações parece ser a contracara de um vazio artístico e cultural, já que as expressões de vanguarda artísticas tornam-se ilhas isoladas e de difícil acesso no mar infinito da arte industrializada e comercial. Como pontuaram Adorno e Horkheimer na década de 1940, “o que é novo na fase da cultura de massas em comparação com a fase do liberalismo avançado é a exclusão do novo. A máquina gira sem sair do lugar”. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 111)

Por isso é impossível pensar qualquer discussão sobre uma estética transgressora, uma cultura insubordinada e uma arte revolucionária sem a dimensão do conflito. Exige-se, mais que nunca, uma criação de vanguarda e uma ativa militância cultural.

Esse é um primeiro ponto de contribuição do livro “Modernidade e a estética do credo vermelho: Sobre o conceito de arte revolucionária no Brasil (1930-1949)” de Afonso Machado, na medida em que busca resgatar a teoria da revolução permanente de Leon Troski a mais expressiva contribuição no sentido de pensar a dimensão global da revolução social, para enfrentar o problema do significado da arte revolucionária no século XX e a particularidade do caso brasileiro.

De certo modo, a perspectiva da revolução permanente de Leon Trotski, em suas partes constitutivas e fundamentais, pode ser perfeitamente aplicada aos problemas da cultura e da arte, sempre entendendo a dialética que se aponta entre o marxismo como ciência integral e a arte, na autonomia de suas próprias leis:

É indiscutível que a necessidade da arte não é criada pelas condições econômicas. Mas tampouco a necessidade de alimentação é criada pela economia. A necessidade de alimentação e calor, pelo contrário, é que cria a economia. Nem sempre se podem seguir somente os princípios marxistas para julgar, rejeitar ou aceitar uma obra de arte. Esta deve ser julgada, em primeiro lugar, segundo suas próprias leis, isto é, segundo as leis de arte. Mas só o marxismo pode explicar por que e como, num determinado período histórico, aparece tal tendência artística; em outras palavras, quem expressou a necessidade de certa forma artística, e não de outras, e por quê? (TROTSKI, 2007, p. 144)

Evidentemente isso nada tem a ver com uma arte desvinculada da busca política pela revolução social, mas trata-se de buscar compreender suas leis e a forma particular da sua ligação com aquela. Nesse sentido, a ligação entre a teoria da revolução permanente e os problemas da cultura exigem uma reflexão particular, que em suas linhas gerais o livro A Estética do Credo Vermelho busca oferecer uma contribuição, já articulando com os debates da arte revolucionária no Brasil.

A teoria revolução permanente nos ajuda a compreender, em primeiro lugar, que a associação econômica entre os grandes monopólios da cultura hoje e as formas de expressão artística (por mais conservadora que seja, entendemos como formas de arte) é tão intensa que as tentativas de se criar uma arte independente, em geral, por todos os métodos e interligações que a pressão do capital exerce, tornam-se um trabalho cada vez mais difícil. Assim, dá bases para a reflexão de que apenas os trabalhadores, como força motora da sociedade e com capacidade de promover uma ruptura com toda a ordem do capital e o Estado burguês, poderiam criar condições para livrar a arte dos grilhões dos monopólios e toda a indústria cultural.

Nesse sentido, a revolução social deveria colocar também esse problema no centro, que é um dos aspectos fundamentais do “permanentismo” do processo revolucionário. Como apontou Trotski, um dos aspectos da teoria consistia em caracterizar a revolução socialista como tal, de modo que

no decorrer de um período de duração indefinida e de luta interna constante vão se transformando todas as relações sociais. A sociedade sofre um processo de metamorfose. (...) As revoluções da economia, da técnica, da ciência, da família, dos costumes, se desenvolvem em uma complexa ação recíproca que não permite a sociedade alcançar o equilíbrio. Nisso consiste o caráter permanente da revolução socialista como tal (TROTSKI, 2011, p. 255-6)

Sem dúvida, é impossível criar uma nova vida social, sem um novo modo de vida. E as dimensões culturais tornam-se parte fundamental desse processo.

Em se tratando propriamente da arte, outro aspecto da revolução permanente torna-se igualmente evidente, que é a conclusão estratégica sobre o caráter internacional da revolução. Se esse foi um ponto bastante fundamental da degeneração stalinista da revolução e sua teoria do “socialismo num só país”, também no campo da arte essa visão exerceu uma pressão extremamente conservadora e oposta às experiências de vanguarda, que buscaram fundir as particularidades artísticas nacionais com as melhores experiências e inovações estéticas no plano internacional.

É justamente esse ponto talvez o mais trabalhado por “Modernidade e a Estética do Credo Vermelho”, já que o livro se debruça sobre a história dos debates e produções sobre da arte revolucionária no Brasil, especialmente sobre as produções e críticas literárias e estéticas importantes da década de 1930 e 1940, sempre fazendo a conexão entre a produção nacional e as vanguardas internacionais (além dos embates no interior do marxismo que fundamentam), e a solução que foi se desenvolvendo no país.

Com a orientação do realismo socialista como estética oficial dos Partidos Comunistas pelo mundo, expressa no campo cultural e artístico da degeneração stalinista, os embates entre as vanguardas estéticas e a “orientação oficial” dos PCs também foi uma problemática fundamental do desenvolvimento da arte no Brasil. Se já podemos dizer que as vanguardas dos anos 1920 nasceram distanciadas do movimento operário, é certo que o stalinismo fez de tudo para aprofundar esse abismo nos anos seguintes.

Nesse sentido Afonso Machado apresenta um ponto de vista bastante original sobre a questão, fazendo uma análise abrangente que vai do período da semana de arte moderna de 1922 até as expressões do debate sobre arte revolucionária no pós-guerra, nos fins da década de 1940. Seja na análise de produções literárias do período, como "Parque Industrial" de Patrícia Galvão, a Pagu, ou críticas estéticas como a importante conferência de Mário Pedrosa “As tendências sociais da arte e Käthe Kollwitz”, o livro se debruça no interior do debate sobre o significado e as disputas em torno do que seria a “arte revolucionária” no Brasil e demonstra como esse debate continuamente se dava em conexão com disputas políticas.

A importância desse resgate é decisiva: com um mundo em seu oitavo ano de uma persistente crise econômica internacional, com distintas convulsões sociais e políticas, que atingem de modo particular em uma nova fase o nosso país, os debates sobre arte revolucionária, vanguardas estéticas, perspectivas inovadoras e críticas da indústria cultural tendem a aflorar mais que nunca, e o resgate desses debates históricos ganham um significado muito superior a um resgate acadêmico, mas são as bases para refletir uma perspectiva cultural que esteja para além dos limites da cultura reificada e domesticada pelo capital, como parte da luta por uma revolução social que conduza os trabalhadores a se emanciparem, material e culturalmente, das mazelas do sistema capitalista.

Iuri Tonelo, São Paulo, fevereiro de 2016.

Referências

ADORNO, Theodor, HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar. 1985.

TROTSKI, Leon. Literatura e Revolução. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

TROTSKI, Leon. La Teoria de la Revolución Permanente. Buenos Aires: Edições IPS, 2011.

 
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