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OCUPAÇÕES NA UFRGS
A união entre estudantes e terceirizadas se forja no calor das ocupações
Guilherme Costa

Uma movimentação incrível tomou lugar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em meio à onda de ocupações estudantis: trabalhadoras terceirizadas da limpeza se levantaram e foram à luta em defesa dos seus direitos. Muitos estudantes estão apoiando a luta, conformando uma aliança poderosa. A razão imediata para a mobilização foi o atraso do pagamento dos salários e benefícios por parte da empresa Multiágil, mas sobram descasos para que essa categoria paralise por melhores condições de trabalho.

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Fotografias de Érica Moraes, Marias Terceirizadas e Ocupa IFCH - UFRGS

Uma luta por direitos mínimos

Na quinta-feira (10), um grupo de mais ou menos 20 trabalhadores e trabalhadoras, em sua grande maioria mulheres, foram até a prefeitura do campus exigir o pagamento imediato do salário atrasado e dos benefícios. Muitos estudantes que estão ocupando seus cursos acompanharam o ato, demonstrando intensa solidariedade e contestando o discurso de grande parte da mídia de que somos ‘privilegiados’ que invadimos a universidade para fumar maconha e badernar por mais ‘privilégios’.

De imediato a resposta dos encarregados foi suspeita, de que os salários iriam cair no dia seguinte e que não era necessário o ato ou algo do tipo. Mas as trabalhadoras não arredaram pé e se mantiveram mobilizadas até que absolutamente todos os funcionários tivessem seus salários e benefícios, como vale-alimentação, em dia. Na sexta-feira começaram a cair os salários nas contas, mas ainda não sabemos se todos caíram efetivamente e os benefícios continuam um suspense.

Em meio a tudo isso a Multiágil chegou a chamar um funcionário na empresa, indício de que coisa boa não vinha pela frente. Em geral quando isso ocorre o funcionário será demitido ou terá seu ponto cortado. Imediatamente as dezenas de terceirizadas e estudantes que lá estavam ocuparam a prefeitura exigindo o esclarecimento disso, o que foi negado pela empresa. No dia seguinte ficamos sabendo que esse mesmo funcionário e mais um tiveram seu ponto cortado. Um deles é pai de família e o outro já um senhor de idade, fazendo com que a empresa fizesse o discurso de que “é culpa dessas paralisações que trabalhadores como esses fiquem nessa situação”. Eles se utilizam de situações de vulnerabilidade para colocar trabalhador contra trabalhador. De cara as trabalhadoras ocuparam novamente a prefeitura do campus contra os cortes de ponto e até agora estamos sem saber o futuro, mas a luta continua e segunda-feira vai haver ato em frente à empresa. Seguir mobilizado nesse momento é imprescindível.

A aliança entre estudantes e trabalhadores faz os poderosos tremerem

O mais interessante disso tudo é a força que essas trabalhadoras adquiriram a partir do processo de ocupação dos estudantes. Durante o cotidiano temos poucas oportunidades de conversar com esses trabalhadores, pois são proibidos de conversar com os estudantes. Elas já reclamaram inúmeras vezes de como se sentem invisíveis pelos corredores, principalmente por parte de professores. São situações como essas que escancaram a hipocrisia do discurso acadêmico de muitos doutores: muita ‘teoria’ contra a desigualdade, mas desrespeito e elitismo no trato do dia-a-dia. Mas com as ocupações o diálogo mudou muito, passamos boa parte do dia conversando, se politizando, trocando experiências e aprendendo que as divisões entre trabalhadores e estudantes são divisões socialmente criadas.

Ato em frente à prefeitura do campus

Como elas disseram algumas vezes, em outros momentos as trabalhadoras fizeram atos e paralisações contra o descaso da patronal, mas poucas vezes puderam ser ouvidas pelos estudantes e mesmo pela empresa. É aquela coisa, a união faz a força. E é trilhando esse caminho da união que avançamos na conquista de direitos.

A situação é de descaso extremo, como é possível enxergar na realidade da terceirização de muitos lugares: baixíssimos salários, atrasos constantes, vale-fome, assédio moral frequente, invisibilidade, machismo e racismo institucional, etc. Nós do MRT escrevemos um livro há uns anos atrás que aborda todos esses temas a partir de duas históricas lutas que ocorreram na USP, onde trabalhadoras terceirizadas da limpeza se levantaram contra a empresa (em 2006 e 2011), levantando o lixo das faculdades e expondo as contradições da universidade de excelência que submete milhares de mulheres, em sua grande maioria negras, a um regime de trabalho semiescravo. O livro se chama A Precarização Tem Rosto de Mulher.

Multiágil: uma empresa com currículo criminoso

À época, a aliança entre estudantes e trabalhadores foi uma explosão que colocou em xeque a empresa, a reitoria e o próprio regime de terceirização que segue sendo uma das faces mais cruéis do capitalismo nos dias de hoje. Não é de hoje que a Multiágil, e tantas outras, são colocadas na parede por conta de falcatruas e descasos. Em 2014 o Zero Hora fez uma reportagem denunciando os contratos fraudulentos entre a Multiágil e a Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania), órgão do município de Porto Alegre. A empresa fornecia mão de obra falsa que era contabilizada nas planilhas da prefeitura.

Ou seja, a empresa recebia um montante da prefeitura para funcionários fantasmas, que não existiam. Estamos falando de transações milionárias - entre 2012 e 2014 a Multiágil recebeu um total de R$ 15,9 milhões da Fasc. Casos como esses ocorrem todos os dias, com contratos fraudulentos, licitações com privilégios, funcionários fantasmas e rios e rios de dinheiro que vão para o bolso de alguns poucos patrões que tem boas conexões com os governos e que deveria servir ao povo.

A responsabilidade da reitoria

Diante desse cenário é necessário também ressaltar a responsabilidade criminosa da reitoria. De nada vale ter um discurso de democracia para fora, quando situações de humilhação e exploração ocorrem de baixo dos seus narizes. A reitoria, atualmente ligada ao PT (Maria do Rosário foi uma das que fez campanha para Rui Opperman), diz que a questão da terceirização é uma “questão de lei”. De nada vale igualdade perante a lei se não há igualdade perante a vida. A reitoria é responsável pelo atraso dos salários, bem como com todo o descaso cotidiano com essas trabalhadoras.

É preciso lutar para que todos os funcionários terceirizados sejam efetivados sem a necessidade de concurso público, uma vez que já comprovaram a capacidade de exercer sua função. Por que deve haver essa divisão entre efetivos e terceirizados? A quem serve essa divisão, senão à reitoria e aos governos que tremem com uma possível aliança entre esses setores?

Auto-organização, democratização da UFRGS e universidade a serviço dos trabalhadores

Mas essas trabalhadoras estão dando um exemplo para todos, estudantes e população. Estão se organizando por si só, uma vez que o sindicato também é ligado à empresa, e lutando por seus direitos. Estão inclusive formando uma associação, com o auxílio da Assufrgs, que hoje se chama Marias Terceirizadas, um pequeno e importante passo em direção à auto-organização operária. Manter essa aliança entre estudantes e trabalhadores é uma questão estratégica, que diz respeito à necessidade de transformação radical da universidade.

Muitos que lutam hoje contra a PEC 55 não lutam apenas contra a PEC, mas sim pela transformação radical da sociedade como um todo. De nada vale derrotarmos essa medida no Senado, se o conjunto do ajuste fiscal se mantiver com outros nomes e a universidade continuar sendo precarizada. A nossa luta deve ser para romper as divisões presentes em cada uniforme azul das terceirizadas, em cada muro que separa a sociedade da UFRGS, em cada prova de vestibular que impede a população de ter acesso ao conhecimento. Lutamos por uma universidade aberta aos trabalhadores, sem o filtro social do vestibular, onde as pesquisas sejam voltadas à população e não ao lucro, onde o conhecimento seja do povo para o povo.

 
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