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MARXISMO
Rosa Luxemburgo: o governo, o parlamento e a luta de classes
Josefina L. Martínez
Madrid | @josefinamar14

Diante dos debates estratégicos correntes na esquerda europeia, os escritos de Rosa Luxemburgo mostram-se extremamente atuais. Parlamentarismo e Estado capitalista, reformas, revolução e luta de classes.

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Há uma quantidade de debates e elaborações na obra de Rosa Luxemburgo que surpreende por sua vigência para abordar questões estratégicas da esquerda anticapitalista e revolucionária na atualidade. Neste artigo resgato a polêmica sobre o “parlamentarismo” e a participação – pela primeira vez – de um ministro socialista em um governo burguês (1899). Uma polêmica que se produziu de forma contemporânea um grande debate sobre “reforma ou revolução” contra o revisionismo de Eduard Bernstein na social-democracia alemã.

O “parlamentarismo” de Millenard

Alexandre Millerand entrou para a história como o primeiro ministro socialista em um governo capitalista. Nomeado ministro do Comércio e Indústria no governo do radical Pierre Waldeck-Rousseau, exerceu esse cargo executivo em um governo capitalista, o que gerou um intenso debate entre os membros da Segunda Internacional.

Enquanto Jean Jaurés justificou a entrada de Millerand ao governo (ainda que depois de alguns anos muda de posição), foi Rosa Luxemburgo que se colocou contra de forma contundente e polemizou com essa política oportunista, o “parlamentarismo socialista”. Finalmente, Millenard foi expulso do Partido Socialista francês em 1904 por suas políticas conservadoras.

Nestes mesmos anos, na Alemanha, Eduard Bernstein assentava as bases teóricas para o revisionismo do marxismo. Habilitando a colaboração com a burguesia liberal e o abandono da luta pelo socialismo, trocando-a pela “ampliação da democracia” de forma gradual nos marcos do Estado capitalista. Na França, foi Millerand quem levou estas posições até o final no plano prático-político.

Para os socialistas franceses da época, a justificativa da entrada de Mellenard no governo burguês era a “defesa da Republica” contra um possível golpe monárquico, pouco depois do “Caso Dreyfus” se converter em comoção pública na França. Um argumento que ao longo do século XX voltaria a se repetir, quando se justificam as políticas da Frente Popular e aliança com a burguesia “em defesa da democracia contra o fascismo”.

No artigo “Uma questão de tática”, publicado em julho de 1899, Rosa Luxemburgo relaciona a tática do parlamentarismo com a com a concepção oportunista de Bernstein de “introdução gradual do socialismo”.

“Desde o ponto de vista da concepção oportunista do socialismo tal como se manifesta nos últimos tempos no nosso partido e particularmente nas teorias de Bernstein – quer dizer, desde o ponto de vista da introdução gradual do socialismo na sociedade burguês – a entrada de elementos socialistas no governo deve parecer como algo tão desejável como natural. Se, por um lado, buscamos fazer com que penetrem pouco a pouco pequenas doses de socialismo na sociedade capitalista e se o Estado capitalista passa pouco a pouco, a transformar-se em um Estado socialista, a admissão, cada vez mais ampla, de socialistas no seio do governo burguês, seria inclusive uma consequência natural do desenvolvimento progressivo dos Estados burgueses, que corresponderia totalmente a sua pretendida evolução até uma maioria socialista nos órgãos legislativos. ”

Esta concepção oportunista gradualista se contrapõe ao ponto de vista revolucionário, desde onde a destruição do capitalismo e o Estado burguês é precondição da transição ao socialismo. Sendo o objetivo final a destruição do Estado capitalista, o meio adequado para essa tarefa é a luta de classes e as posições que ocupam os socialdemocratas nas instituições democrático-burguesas somente servem se permitem desenvolver essa luta de classes.

“Se, pelo contrário, se parte do ponto de vista de que a introdução do socialismo somente pode ser considerada depois da destruição do sistema capitalista, e que a atividade socialista, se reduz agora a preparação objetiva e subjetiva desde este momento da luta de classes, se elabora a questão de outra maneira. Está claro que a socialdemocracia, para levar a cabo uma ação eficaz, deve ocupar todos os postos disponíveis no Estado atual e deve ganhar terreno em todas as partes. Mas sempre tendo como condição que estas posições permitam desenvolver a luta de classes – a luta contra a burguesia e seu Estado.”

E é então quando Rosa Luxemburgo estabelece um diferencial fundamental entre integrar um parlamento em um estado capitalista e ocupar o governo em um Estado capitalista.

“No entanto, para este ponto de vista, há uma diferença essencial entre as legislaturas e o governo de um Estado burguês. Enquanto que no Parlamento, os elegidos pelos trabalhadores não buscam fazer valer suas reivindicações, ao menos poderiam continuar a luta persistindo em uma postura de oposição. No governo, pelo contrário, se encarrega de fazer cumprir as leis, a ação, não tem lugar nessa posição, para uma oposição de princípio. (...) Portanto para um adversário radical do sistema atual se encontra ante a seguinte alternativa: ou bem faz em cada momento oposição a maioria burguesa no governo, ou seja, não ser um membro ativo do governo, obviamente isto criaria uma situação insustentável obrigando a saída do governo, ou bem tenderia a colaborar, realizando as funções diárias requeridas para a manutenção e o funcionamento da máquina estatal, ou seja, na prática, não ser um socialista, ao menos no contexto de suas funções governamentais.”

Luxemburgo assinala que o socialista que ocupa um governo burguês atua “realizando as funções diárias requeridas para a manutenção e o funcionamento da máquina estatal”, o contrário de seu objetivo, que é justamente a destruição dessa maquinaria estatal.

Mas, dirão os defensores da teoria oportunista da participação dos socialistas em um governo capitalista... “pode-se conseguir reformas sociais desde de dentro” de um governo capitalista. Luxemburgo também responde este argumento: “aparece um fato que sempre esquece a política oportunista, o fato de que na luta da socialdemocracia, não é o que, mas sim como o que importa.”

“Não é o mesmo”, disse, “um socialdemocrata que luta para conseguir essas reformas sociais enquanto desenvolve mediante a luta de classes sua oposição ao governo e, portanto, encadeia essa luta com a luta pelo objetivo final – a destruição do capitalismo –, que o socialista, que “está tratando de introduzir as mesmas reformas sociais que um membro do Governo, ou seja, apoiando ao mesmo tempo o Estado burguês”. Este, na realidade “está reduzindo seu socialismo a um democratismo burguês ou uma política operária burguesa”, sustenta.

“Assim, ao mesmo tempo em que o aumento dos socialdemocratas nas representações populares permitiu o fortalecimento da luta de classes, sua penetração no governo somente pode trazer a corrupção e a desordem às fileiras da socialdemocracia.”

Entre 1900 e 1901 Rosa Luxemburgo publicou outra série de artigos sobre “A crise socialista na França”, abordando mais uma vez o que considerava uma tática oportunista dos socialistas franceses.

No primeiro destes artigos, Rosa Luxemburgo demonstra que 19 meses depois de constituído o governo, cada uma de suas “promessas” em matéria de reformas militares, sobre a questão de limitar o poder da Igreja e a luta contra os monarquistas, havia sido um fracasso, que não se havia levado adiante. Ou seja, que o governo que se postulava para “salvar a República” (este era o argumento dos socialistas para justificar sua presença no mesmo), não estava combatendo a aliança monárquico-eclesiástica-oligárquica. E em vez disso, ficava preso na posição de defender de forma conciliadora as políticas do governo.

“Acima de tudo, a crítica implacável da política do governo é algo impossível para os socialistas de Jaurés. Quando querem açoitar o gabinete por sua debilidade, suas meias-medidas, sua traição, os golpes recaem sobre suas próprias costas. Se os esforços que fazem para defender a república terminam em um fiasco, surge imediatamente a pergunta do que faz um socialista em semelhante governo.”

Por este motivo Rosa Luxemburgo sustenta que “o grupo de Jaurés se converteu em um segundo Prometeu Acorrentado”, já que está completamente limitado para questionar até o governo de que faz parte, para não “debilita-lo”.

Os “Prometeus Acorrentados” da atualidade

O debate sobre o “parlamentarismo” é um debate chave na história do marxismo, e um antecedente da participação dos socialistas e comunistas nos governos de “Frente Popular” nos anos 30 na Europa, assim como sua integração a governos burgueses ao final da Segunda Guerra Mundial e dali em diante.

A transformação da socialdemocracia europeia em “social-liberalismo” desde a década de 70, e a transfiguração dos comunistas em eurocomunistas, aprofundaram este curso de adaptação nos marcos do Estado capitalista e os mecanismos limitados da democracia liberal. E excluiu por completo do programa e da estratégia destas organizações reformistas o horizonte da transformação revolucionária da sociedade, nem sequer como objetivo “distante”, a adaptação aos marcos da democracia capitalista se transformou em um fim em si mesmo, ocupando sem a menor cerimônia espaços institucionais e posições de governo nos Estados capitalistas.

No período aberto pela crise capitalista nos últimos anos temos visto a emergência de novas formações reformistas que passaram, como o Syriza, de postular a proposta de um “governo de esquerda” nos marcos do capitalismo a transformar-se em gestores das políticas neoliberais desde o Estado. Ao mesmo tempo, organizações que se reivindicam marxistas constituíram parte do Podemos no Estado Espanhol, uma organização que também exerce o governo em grandes cidades espanholas. No caso de Anticapitalistas, no Estado Espanhol, seus militantes são diretamente os representantes do governo capitalista na cidade de Cádiz, uma cidade com mais de 120 mil habitantes.

Mas, como dito a mais de um século Rosa Luxemburgo, o “socialista” (agora deveríamos dizer o “anticapitalista”) que exerce funções de governo do Estado capitalista deixa de ser um anticapitalista, não luta pelo socialismo, mas se converte em um defensor do Estado, suas leis, suas normas, sua continuidade como Estado capitalista.

Nos próximos artigos abordaremos outras elaborações de Rosa Luxemburgo que tem grande atualidade como o “grande debate” com Bernstein, a polêmica sobre “greve, partido e sindicatos” em base às lições de 1905, e o debate com Kautsky em 1910.

 
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