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TRABALHO PRECÁRIO
Meu primeiro trabalho: combo de lanche feliz e precarização
Guadalupe Amieva

A busca por trabalho aos 18 anos, sem experiência e com horários reduzidos pela faculdade não é nada fácil, nem na Argentina, como este relato, nem no Brasil.

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Candidatei-me e na semana seguinte me chamaram para as entrevistas. Nelas prometiam um trabalho com carteira assinada, respeito aos estudos e uma boa remuneração quinzenal, somada a uma ajuda do governo nacional no fim do mês pelo emprego jovem e prêmios como presentes.

Fui selecionada e recebi o uniforme. No dia 1° de Setembro assinei o contrato. Entrei para realizar a abertura de uma unidade no corredor da avenida Rivadavia. Durante três semanas, enquanto esperávamos com meus companheiros a entrega da nossa unidade, fomos treinando em unidades já abertas.

Três semanas agitadas, nas quais nos demos conta que a flexibilidade de horários era somente uma promessa: sempre pediam que trabalhássemos mais horas que as que nos correspondiam por turno (mas não eram contabilizadas como horas exatas), pedir para sair no horário era utópico: se os gerentes não te tiram do seu posto de trabalho, você não bate o ponto. E pode passar horas assim.

Na minha função de caixa isso se sentir mais: até não ter entregado todos os pedidos, o caixa não fecha. Pequeno detalhe: as unidades sempre têm clientes. Todos te mandam fazer coisas diferentes, todas ao mesmo tempo, sem maus modos, com uma falsa cortesia. Nos queimávamos, nos machucávamos, caíamos, mas tínhamos que continuar trabalhando.

Na última semana de setembro me mandaram limpar a unidade que estava em obras. Em obras. Os pedreiros ainda estavam trabalhando e nada se mantinha limpo por mais de 20 minutos. A ordem da gerência: Limpem até ficar impecável.

Para mim ficou o chão. Por dois dias seguidos pedi panos, em ambos me disseram que os fornecedores não os haviam levado à unidade. “Então não limpo o chão? Posso limpar as mesas?” “Não, não. Limpe o chão. Joga um balde d’água, escola e junta a água com aquele trapo na mão mesmo”.

Duas horas de joelhos. Para que no dia seguinte estivesse sujo de novo. Para que no dia seguinte eu tivesse que jogar baldes d’água de novo. Neste dia fiz mais horas que as que me correspondiam. Pedi pra sair no horário porque estava cansada. A resposta: “Existem coisas piores. Se você não gosta o correio abre as 10”. Completa impunidade.

A unidade abriu ma primeira semana de outubro. Sempre sou caixa nos meios dias. Muita gente, todos querendo sua comida em dois minutos e meio, o tempo de eficiência que exigem dos times para atender, preparar e entregar os pedidos. Uma tarefa profundamente estressante (e quase impossível) se as filas superam 20 pessoas por caixa, com um público extremamente variado. Naquela semana senti um grande incômodo na cintura. Estar parada por tanto tempo quieta não era confortável, doía sentar...

Na sexta-feira (7) terminei na posto do meu convênio (escolhi continuar no convênio ligado ao sindicato do meu pai, e não a do Sindicato de Pasteleiros porque já tenho toda minha história clínica e meus médicos, mais por comodidade do que por qualquer coisa coisa). Diagnóstico: lumbociatalgia. Tratamento: injeção calmante, calor, medicação anti-inflamatória e um encaminhamento pra ressonância magnética.

Avisei na mesma sexta-feira que não poderia trabalhar o fim de semana todo, pedi ao médico que justificasse minhas faltas... Encontrei apenas ouvidos surdos e uma ligação no domingo questionando porque continuava faltando meus turnos de trabalho.

Na terça feira seguinte (11), pedi demissão. Decepcionada pelas promessas que ilusoriamente acreditei. Brava porque ainda me devem 10 horas de trabalho. Triste e indignada porque foi um golpe muito grande descobrir que defendo sozinha a minha saúde e os meus direitos, já que o sindicato nem mesmo foi falar conosco, nunca nos explicaram nada; triste e indignada porque agora preciso novamente procurar emprego.

Mas também estou feliz. Sim. Feliz.

Porque descobri o que é a solidariedade entre companheiros e reivindicar em grupo para fazer valer nossos direitos quando não nos estavam respeitando, descobri o que é alçar a voz contra a precarização do trabalho que se encontra nestes lugares.

Aqui estou. Para que não fique em silêncio o que passam milhares como eu que não tem a sorte de poder ir embora: companheiros imigrantes que buscam uma maneira de poder ajudar suas famílias à distância, mães adolescentes, jovens que deixam a escola... Aqui estou para que deixem de brincar com as necessidades enquanto ganham milhões por dia e nós trabalhamos pelas migalhas.

 
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