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LITERATURA
Para que serve a crítica literária?
Afonso Machado
Campinas

Geralmente a trilha de letras deixada por um crítico literário conservador, conduz ao olimpo e ao pequenino espaço voltado para a literatura na mídia burguesa. Tentando escrever acima da cabeça dos leitores comuns, este crítico agoniza numa realidade nada poética. Sem convicções políticas e compactuando com um mundo em que a literatura não passa de um inseto da cultura, a figura do crítico/pesquisador reacionário resume-se a de um degustador de verbos que dá sinal de ok para vender ou tornar solene obras e autores. Que diabos a crítica literária pode representar para a esquerda ?

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Envolto numa atmosfera aristocrática, este mesmo modelo de crítico conservador, apresenta-se como autoridade ou pelo menos como especialista: ele valora determinados textos em prosa e verso , promove ou fulmina escritores vivos, mortos e também mortos vivos. Bebendo café numa livraria, dando aulas para meia dúzia de seres selecionados ou ainda mastigando biscoitos amanteigados em encontros literários aonde o bocejo é a única tendência estética, o crítico/pesquisador é um exilado dentro da própria elite. Afinal de contas, como se diz por aí, o crítico não passaria de um “ escritor frustrado “, que comenta, pesquisa e dá aulas de literatura porque “ não teve talento para ser poeta ou ficcionista”. Certo? Errado! O fato de alguns(felizmente não são todos) especialistas estarem a serviço do status quo, não apaga a urgência da crítica . Para o marxismo, a crítica literária é um exercício fundamental que explica o significado histórico de manifestações literárias e ao mesmo tempo contribui com a formação literária e política de escritores/leitores da classe trabalhadora. Cabe ao crítico fazer uma opção de classe.

Não importa se nos referimos aos clássicos ou ao trabalho de um escritor estreante. Muito mais do que resumir, apontar características formais e realizar paralelos literários, a crítica precisa estar grávida de ideias e ser capaz de responder ao papel que a literatura pode desempenhar na presente sociedade. Enquanto expressão livre do pensamento, que representa a realidade social/psicológica por meio de imagens/enredos e não de conceitos científicos, a obra literária condensa as contradições, os desejos, as angustias e as aspirações históricas. Não cabe ao crítico apenas interpretar esta mesma obra de acordo com critérios formalistas: os modos de expressão que se desenvolvem na arte do verbo, inserem-se num conjunto de relações sociais. Se o crítico não compreender claramente tais relações, seu trabalho não decola.

A literatura não é mera ideologia mas um campo da cultura em que as ideologias se processam de maneira específica, através de um emaranhado de pensamentos costurados pelo fundo histórico: as condições mentais e as formas de comunicação alavancadas pela técnica literária, deitam suas raízes no próprio desenvolvimento técnico de um determinado modo de produção. A partir de tais considerações teóricas, em que a história da literatura torna-se ao mesmo tempo a história das civilizações em sua complexidade econômica, política e cultural, a crítica literária não realiza meras impressões sobre um poema ou um romance. A crítica torna-se um prolongamento da participação do texto literário, dando continuidade ao significado daquilo que o escritor começou a construir/expressar. A riqueza e as limitações da obra literária ganham volume a partir das considerações históricas e estéticas que o crítico faz sobre a sua feitura.

Tanto um poema de amor quanto um romance político são legítimos porque atendem às necessidades específicas do humano. Não teria o menor cabimento se a crítica marxista selecionasse como campo de interesse somente obras politizadas, ou como diria Engels, obras que imprimem uma tendência política para a literatura. Entretanto, o crítico é um investigador que ao debruçar-se sobre a maneira como um escritor discorre sobre o amor ou sobre as condições de vida de um operário, acaba por fazer da sua reflexão estética um espaço em que tanto as relações amorosas quanto a organização do trabalho são vistas à luz de uma determinada formação histórica. É por isso que o escritor e o crítico devem estar um passo adiante do literato: a paixão pela literatura, sua importância e influência sobre a consciência, não envolvem um reino fechado nos aposentos do ego. A importância histórica da literatura está muito além de um comichão pequeno burguês, de uma existência desencarnada e geradora de letras que flutuam sem olhar para a terra.

O crítico não realiza uma narrativa analítica acima da obra mas ao lado dela; portanto ele não é um mero interprete mas um leitor que posiciona-se e logo possui ideias acerca da literatura, que por sua vez não se separa da vida social(não tem esforço idealista que vença esta cola). Ter ideias reserva naturalmente ao crítico o direito de dispor de programas estéticos, de defende-los sem maiores acanhamentos. Mas para um crítico marxista em particular, seria forçoso e esteticamente restritivo vincular-se a um único projeto artístico. Como salientou Trotski numa carta endereçada a André Breton em 27 de outubro de 1938, o marxismo não pode se identificar com uma escola de arte; sendo que cada tendência artística tem o direito de dispor de si própria. Trotski afirma que cabe ao marxismo ter uma atitude crítica e amigável para com as diferentes escolas artísticas. Como este conselho poderia ser aplicado hoje em dia, num momento atravessado por um espelho estilhaçado em que correm as mais variadas tendências e motivações literárias?

A análise marxista é uma necessidade para a crítica literária dos nossos dias: tal análise não impõe um modelo literário, mas valoriza os caminhos revolucionários da literatura. Tais caminhos dizem respeito tanto às experiências literárias cuja verdade é aquela que valida a consciência revolucionária da classe trabalhadora, quanto às obras e autores que entrincheirados na revolta do espírito revelam a crise da civilização capitalista, destruindo seus valores e invalidando a realidade estabelecida.

Como já tive a oportunidade dizer em outro artigo publicado neste mesmo jornal(ver A Presença Marxista na Crítica Literária, publicado em 17 de janeiro de 2016) a crítica literária deve fazer uso da imprensa operária para divulgar os escritos progressistas de hoje(e a chamada literatura periférica exerce este papel) e ao mesmo tempo promover os clássicos da literatura revolucionária.

A crítica marxista ajuda o escritor combativo de hoje a compreender o sentido do seu trabalho. O que interessa mesmo é investigar as condições materiais de produção literária, o estilo, as intenções, os recursos de linguagem e as relações históricas com outros autores e períodos literários. Não se trata de elogiar ou arrasar, de curtir ou fazer cara feia. A crítica fornece elementos teóricos que alimentam a cabeça de quem realmente se expressa através da palavra escrita. A crítica literária de esquerda possui os dois pés no chão, não pode ficar refém de vaidades e seus militantes não podem ter medo de errar. O crítico militante é alguém que estuda, aprende, reconhece seus erros, mede o alcance dos seus acertos, troca ideias e não tem o menor interesse em ser uma autoridade celebrada.

Que os farelos dos biscoitos amanteigados da literatura fiquem com os conservadores.

 
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