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ELITISMO USP
Ranqueamento: o segundo vestibular
Yuri Capadócia

Depois de terem passado pelo vestibular mais excludente do país, os estudantes de Letras são submetidos ainda ao Ranqueamento – onde devem eleger suas habilitações em línguas diversas ou Linguística concorrendo pela média ponderada com seus outros colegas. Apesar de a lógica da competitividade parecer natural, este artigo tenta desvendar a afirmação do elitismo por trás desse “ritual”.

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Todo estudante brasileiro tem noção da pressão do vestibular, pelo menos todo aluno de classe média para cima pois para muito alunos de baixa renda o vestibular nunca foi algo dentro dos seus horizontes, não tendo nem o conhecimento da sua existência.

Maratonas de estudo, noites sem dormir, simulados durante o final de semana, a impossível tarefa de conciliar trabalho e estudo; todo o esforço para se enquadrar numa avaliação ultrapassada, extremamente conteudista, e que irá julgar, na verdade, seu desempenho, e não seu mérito, numa única e definitiva oportunidade.
Aos guerreiros que superam essa fase, uma vaga na faculdade e um calmo trajeto rumo ao tão aguardado diploma após quatro anos. Só que não. Passar no vestibular, na verdade, está longe de ser a consagração final de uma longa jornada de estudo, é meramente o começo de um novo ciclo de estudo. Provas, trabalhos, professores carrascos sem didática, grades curriculares enfadonhas e engessadas, serão algumas das adversidades que os aprovados enfrentarão, tendo cada graduação e curso suas especificidades.

Uma das especificidades da Faculdade de Letras USP é o ranqueamento. Trata-se de um segundo vestibular, isso mesmo não bastasse o primeiro filtro elitista a ser rompido, vem uma segunda peneira para garantir que a restrição ao ensino superior se complete.

Basta uma análise dos números para comprovarmos essa situação:após o exame vestibular são aprovados 849 candidatos, enquanto isso para as habilitações são ofertadas somente 782 vagas, temos então uma defasagem de 77 vagas. Os números transmitem uma mensagem da Faculdade de Letras-Usp: não há espaço para você aqui.

O que explica essa defasagem? Segundo pesquisas a FFLCH possui uma taxa de evasão de 48%. Levando-se em conta que a instituição possui alguns dos cursos mais acessíveis,possuindo os maiores índices de alunos oriundos das escolas públicas além de negros e negras, torna-se extremamente necessária a existência de políticas de permanência.

Mas quem é o sujeito quetem seu espaço negado na faculdade? As restrições ao ensino superior público não se resumem somente ao vestibular, superada a prova o aluno ainda terá que lidar com as mais variadas dificuldades para chegar ao almejado diploma: moradia, dada a falta de instituições de ensino superior públicas em muitas regiões, muitos dos alunos provavelmente terão que se mudar de suas cidades para conseguir se deslocar todos os dias para a faculdade; a própria questão do deslocamento, a R$3,80 o preço da passagem, em São Paulo, sabemos que não fica fácil bancar a viagem todos os dias; adequar-se a um outro patamar de conhecimento.

Como vemos, a universidade de elite que é a USP, no sentido de excelência, foi construída, e se mantém, para a elite. Uma vez que não existem vagas disponíveis para todos os candidatos, o ranqueamento serve para alocar os estudantes de maneira mais “justa”. Se já demonstramos a farsa dessa lógica meritocrática no vestibular, já que o que prevalece é uma correlação entre a classe social do indivíduo e a chance de aprovação ou não no vestibular, não podemos admitir a mesma lógica para legitimar o ranqueamento. Como exigir de um aluno que trabalha e estuda o mesmo desempenho acadêmico de outro estudante que dedica-se exclusivamente a faculdade?

Se mesmo para que vem de boas escolas, que teve a possibilidade de construir uma boa base de conhecimento, pode encontrar dificuldades para engrenar no ensino superior, como reduzir as pessoas a um mesmo critério, um mero número para legitimar mais uma peneira?

A meritocracia é o conjunto de ideias que falseiam a realidade para que o Ranqueamento possa, de alguma maneira, fazer sentido para uma boa quantidade de pessoas. Mas antes das ideias vem sempre uma realidade material que elas tentam justificar, e no caso do Ranqueamento, a verdade é esta: só é preciso haver concorrência quando há escassez.

Retomando as especificidades do curso de Letras, temos uma grande quantidade de opções para as habilitações, são ao todo 16 cursos.

Entretanto, o caráter elitista da faculdade se mantém também na distribuição das vagas. Primeiro porque das 782 vagas totais, 416 vagas são para o matutino e 366 para o noturno. O perfil típico de cada período é bastante distinto, a maioria dos estudantes do matutino não tem que conciliar os estudos com um trabalho, já no noturno a grande maioria dos alunos além de estudar também trabalham. Sendo assim, a faculdade privilegia os alunos com melhores condições. Outra questão é não só a distribuição de vagas, mas também a distribuição dos cursos por período, nem todas as habilitações funcionam nos dois períodos. Sendo que a maioria dos cursos que são diferenciais da USP, dificilmente encontrados em outras instituições, possuem inscrição somente para um período, geralmente o matutino.

Se vivemos em uma Universidade onde os recursos são a cada dia mais restritos, o que acontece é que os órgãos de gestão universitária fazem o caminho oposto do que seria um ensino de qualidade:quantos professores haverão, quantas salas serão abertas, quantas vagas abriremos. E então, é o que já sabemos: passamos um ano inteiro de sufoco para poder alcançar uma média para a habilitação sonhada.

Em um ensino de qualidade, o caminho é oposto pois considera o interesse do estudante ingressante, que mais verdadeiramente espelhará a necessidade de produção de conhecimento que dialogue com a comunidade que financia a Universidade (no caso os trabalhadores pelo Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS). Quando os órgãos de gestão decidem quais habilitações serão oferecidas e em qual quantidade, o interesse da comunidade e dos estudantes não é preservado, mas apenas o que é possível ser financiado e o que é de interesse das corporações que participam – com alto grau de representação inclusive – dos espaços de deliberação mais altos da Universidade, como o Conselho Universitário (CO).


Nesse ano serão oferecidas as seguintes habilitações:

Impossível não notar que haja, por exemplo, mais vagas nos cursos de maior demanda do mercado, como Espanhol e Inglês, e menos em cursos com baixo interesse de mercado, como Armênio. Sabe-se, entretanto, que apesar de serem oferecidas mais vagas em Espanhol do que em Francês, são muito mais alunos que se candidatam à segunda, fazendo com que a nota necessária para conquistar a vaga seja muito mais alta, excluindo, assim como no vestibular, muitos dos que desejariam cursar aquela Habilitação.

Curioso também que, apesar de haverem centenas de alunos interessados em estudar especificamente literatura, não haja uma Habilitação para isso, ou que todos aqueles jovens negros que conseguiram furar o filtro social do Vestibular, além de verem os únicos espaços da Literatura Africana serem ocupados por disciplinas optativas, não tem sequer o direito de verem a história e cultura de seu povo merecer a atenção de uma Habilitação específica, isso contrastando até com o que determina a Lei nº 10639, que institui o ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, mas de que forma podemos oferecer esse conhecimento se nas faculdades não somos capacitados para tal?

A princípio já está dada uma luta para que o Ranqueamento deixe de existir e, no seu lugar, seja inserida como prática o oferecimento de vagas para a totalidade de inscritos em cada disciplina. É preciso também que se reúnam estudantes para que deliberem juntos qual deve ser o currículo e mais especificamente as habilitações às quais o curso de Letras se dedicará.

 
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