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LITERATURA | Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos, junho de 2013 em versos

“Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos” foi organizada pelo poeta Fabiano Calixto enquanto os atos de junho de 2013 ainda aconteciam. A primeira versão foi lançada no auge das jornadas, no dia 17. O nome foi dado em referência às prisões de manifestantes que portavam vinagre durante as manifestações para aliviarem o efeito que as bombas de gás lacrimogêneo tem sobre o sistema respiratório. A primeira versão já tinha 93 páginas com vários poetas desde os mais conhecidos atualmente até poetas desconhecidos que colocam seus sentimentos e impressões sobre o momento que viviam. No dia 21 é disponibilizada a segunda edição – essa sobre a qual escrevo aqui – com 170 páginas e poemas de diversos poetas.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

domingo 5 de julho de 2015 | 15:49

“Em terra de desgosto
Quem tem vinagre é rei!”

  •  cartaz no quinto grande ato de Junho de 2013 –

    “Rio de Janeiro, 14 de junho de 2013
    em cinco capitais do país o movimento contra o aumento da passagem ganha força, é caluniado e sofre repressão severa”

  •  Heyk Pimente, em “Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos”

    “Pós epígrafe:
    Enquanto não acorda
    Nós lutamos por você”

    (Escrito em tinta branca em uma faixa vermelha pendurada em um prédio)

  •  em “Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos”

    Há dois anos de Junho “Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos” já guarda em si os primeiros versos do que foi esse mês de lutas que alterou tanto a consciência política brasileira e marcou a juventude que invadiu as ruas naquele mês de 2013. No meio do caos de versos e poemas encontramos também o caos que foram os cartazes, bandeiras e reivindicações que se levantavam nos atos, as vontades, desejos, a figura do Movimento Passe Livre como a grande liderança do que estava havendo, o apartidarismo como uma maneira confusa de negar a política burguesa contra a qual a população marchava, e também a necessidade de luta, de ser sujeito político, de união.

    “Essa antologia é dedicada a todas as pessoas que participam de alguma maneira desse movimento de mudança. Até a vitória!” Esse texto se encontra no início da antologia com a assinatura “Vândalos”; uma ironia dirigida à imprensa que se referia aos participantes das jornadas de junho como vândalos e baderneiros. Essa frase demonstra muito bem o porquê da importância que junho ganhou, pois foi quando a juventude assumiu as mudanças que desejava e se colocou nas ruas para conquistá-las, abandonando a esperança de que seria nas próximas eleições que lutaria por essa mudanças.

    No prólogo da antologia, escrito por Alberto Pucheu, muito do que ele diz descreve muito bem o sentimento em relação a junho; palavras como “desconcertante” e frases que dizem que junho foi “um berro por mais possibilidade de decisão”. Alberto também faz uma metáfora quando lembra que o estopim foi justamente o aumento da passagem do transporte, que se diz “público”, dizendo que isso se relacionava com uma juventude inteira que não podia se mover, não podia ir e vir pela cidade com suas vontades e desejos. Encerra comparando o que acontecia aqui com o que se passava em Portugal, dizendo que "enquanto em Portugal se gritava ’queremos nossas vidas de volta" aqui poderíamos gritar ’queremos nossas vidas’ pois nunca a tivemos."

    Ao ler os poemas vamos encontrando as marcas e principais imagens de Junho – como o vinagre e gás lacrimogêneo que serão imagens recorrentes entre os versos dessa antologia.

    Logo entre os primeiros poetas, encontraremos em Ademir Demachi a felicidade que foram aqueles dias em que a juventude invadiu as ruas.

    O enfrentamento com a polícia, que reprimiu os atos violentamente e que em contrapartida tornaram os atos maiores – o que se mostrará nas palavras belíssimas de Ivan Antunes no poema “Manifesto corrosivo” -, também aparecerá em Adriano Scandolara e Sandra Santos, no poema “Transpiração”, de Jorge de Barros, “Enquanto vocês morrem por nós”, de Juliana S. Müller, “A polícia é bonita e assassina”, de Rafael Courtoisse, entre outros. Pois quando acusavam os manifestantes de serem vândalos violentos, a verdadeira violência vinha do Estado, não só através da polícia que batia e atirava contra os atos – trazendo a violência para o centro da cidade quando ela ocorria sempre na periferia, o que Danilo Tobias conta em seus versos em “Sobre descartar símbolos e o ensejo de revoluções”: “Os vândalos levaram balas/ trouxeram o conflito militar/ cotidiano da periferia/ para o centro/ para o palco.” – mas também no cotidiano, no sofrimento diário dos trabalhadores e estudantes; Flávio Corrêa de Mello transforma isso no poema “Ainda mais violento”.

    Os verdadeiros inimigos, os representantes do estado burguês, recebem nomes em “Nome aos bois II ou renovando a lista de inimigos”, de André Luiz, ganham o poema “Os outros”, de Lara Amaral, e o aviso de que a mudança estava pra vir em “São Paulo, dois de junho”, de Leonardo Chioda – poema dirigido em especial para o governador Geraldo Alckmin.

    O medo que a rebelião que tomava as ruas causou, tanto ao estado quanto aos pequenos burgueses que rechaçavam a revolta, é trazido à tona nos versos de “Lenços brancos”, de Edson Bueno de Camargo, e nas palavras de Emmanuel Santiago.

    A confusão de palavras de ordem nos cartazes e bandeiras aparecem nos versos de “Dizer tudo”, de Alberto Lins Caldas, que se encerra com um pessimismo: “para se ter a absoluta certeza/ de q nada vai mudar”. Isso, que foi uma das características de junho, em que se reivindicava tanto que se retrocedesse no aumento da passagem quanto o impeachment dos governadores, voltará a aparecer nos versos de Mariela Mei, por exemplo, mas que justifica esse fato dizendo que nós “somos um barril de ideologias”, e em “Breve breviário da minha posição sobre todas essas coisas aí”, de Marcelo Noah.

    Entre essas várias reivindicações havia também um sentimento contrário à copa que se realizaria no ano seguinte no Brasil em que milhões eram investidos e a sensação de que quem pagaria a conta seria o povo fervia; Alex Simões traz esse sentimento em “Soneto vândalo de vinte centavos”. O mesmo sentimento reaparecerá na poetisa Jessica Chelsea Cassiano Alves.

    As lutas renasceram contra vários dos ataques – talvez por isso o caos de reivindicações também - que eram feitos ao povo, em “Corpo mulher voluntário”, de Cecília Borges, ela lembra que nesse mesmo período também se bradava contra o estatuto do nascituro que colocaria o nome do estuprador na certidão de nascimento dos filhos dessa violência, mantendo a mulher ligada ao seu agressor de uma maneira ainda mais profunda.

    As causas existiam apesar da imprensa que bradava em suas mídias que não, que era apenas arruaça; Cinthia Kriemler traz isso e responde as acusações da burguesia em seu poema “Causa?”

    É evidente que o aumento da passagem foi apenas o estopim de algo muito maior, isso é evidenciado nos versos de Ana Lúcia Silva: “acordou/ não mais/ seremos sonhos” , “$ 0,20”, de Micelini Veremschk e em “Preceituario para arrostar com receita de rebuçado e contrarreceita de angu”, de Waldo Motta. Mas o aumento foi o estopim, não há causa principal; não era apenas pela diferença no troco da passagem, foi por muito mais, e isso aparece nos lindos versos de Lucas Bronzato em “O que cabe em vinte centavos?”

    Mas talvez o maior sentimento de junho foi o tornar-se sujeito político, não crer mais nos políticos que se elegem a cada dois anos, mas acreditar que cada um podia fazer a mudança indo às ruas, e foi a união que havia com as pessoas que estavam ao seu lado marchando. Não por acaso esses dois sentimentos são os que mais encontramos entre os versos. O sentimento de ser sujeito político aparece, por exemplo, nos versos de Alexandre Guarnieri, Alexandre Revoredo em “Veni, vidi, vici”, Andrea Catropa em “Pequeno inventário das revoluções”, Júlia Mendes em “Amanhã vai ser maior”, Eduardo Sterzi em “Começo do mundo”, e “Ovelhinhas”, de Silvana Tavano entre outros. O sentimentos de união aparecerão em poemas como “Somos”, de Alexandre Lettner, “Um giga ante a corda”, de Chris Oliveira, e nos versos de Geovani Doratiotto.

    “Vinagre: uma antologia de poetas neobarrocos” é o primeiro retrato em versos do que foi junho e traz muitas impressões e pontos de vista do que foram aquelas jornadas. Durante as 170 páginas encontramos as palavras daqueles que acreditavam em junho, dos que não acreditavam, dos que se mostravam otimistas ao que se transformaria junho, os que se encontravam pessimistas. Entre versos muitas vezes clichês e outros belíssimos, e apesar das confusões e também por elas estarem na antologia, ela se torna um primeiro e interessante retrato de junho de 2013 – esse acontecimento sem lideranças em que os atos corriam a esmo, nas palavras de Carla Kinzo; que tomou as principais capitais, São Paulo, Rui de Janeiro, Brasília, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, a “Cartografia na guerrilha”, como poetizou Makely Ka; que foi feito com paixão segundo o belíssimo poema “Estamos em guerra, meu amor”, de Marcelo Sandman; mas que se esvaziou muito após o revogamento do aumento da passagem, como lembrou Tardila Mercer de Souza - na voz dos poetas atuais.

    Os poetas que se encontram nessa antologia são em ordem alfabética: Adalberto do Carmo, Ademir Demarchi, Adriano Scandolara, Airton Souza, Alberto Lins Caldas, Alberto Pucheu, Alex Simões, Alexandre Guarnieri, Alexandre Lettner dos Santos, Alexandre Revoredo, Amandy González, Ana Lucia Silva, Anderson Lucarezi, André Fernandes, André Luiz Pinto, Andréa Catrópa, Baga Defente, Bárbara Lia, Beatriz Azevedo, Beto Cardoso, Bettto Kapettta, Bruno Gaudêncio, Bruno Latorre, Bruno Prado Lopes, Caetano Minuzzo, Caio Fernando, Camila do Valle, Camillo José, Cândido Rolim, Carina Castro, Carla Kinzo, Carlito Azevedo, Carlos Antonholi, Carlos Eduardo Marcos Bonfá, Carolina Tomasi, Cecília Borges, Chris Oliveira, Cide Piquet, Cinthia Kriemler, Cláudio Portella, Danielle Takase, Danilo Tobias, Davi Araújo, Denis Moreira da Costa, Diego de Sousa, Diego Vinhas, Dimitri Rebello, Diogo Mizael, Dirceu Villa, Domenico A. Coiro, Donizete Galvão, DouglaSouza, DuSanto, Edson Bueno de Camargo, Eduarda Rocha, Eduardo Sterzi, Elaine Pauvolid, Emmanuel Santiago, Érica Zíngano, Fabiano Calixto, Fabiano Fernandes Garcez, Fabiano Maffia Baião, Fábio Aristimunho Vargas, Fábio Gullo, Fabrício Corsaletti, Felippe Regazio, Flávio Corrêa de Mello, Fred Girauta, Gabriel Pedrosa, Geovani Doratiotto, Gigio Ferreira, Giuliano Quase, Graça Carpes, Guilherme Gontijo Flores, Guilherme Salla, Hélio Neri, Heyk Pimenta, Igor Alves, Israel Antonini, Ivan Antunes, Jeanne Callegari, Jessica Balbino, Jéssica Chelsea Cassiano Alves, João Campos Nunes, Jorge de Barros, José Antônio Cavalcanti, Jota Mombaça, Júlia de Carvalho Hansen, Julia Mendes, Juliana S. Müller, Jussara Salazar, Katerina Volcov, L. Rafael Nolli, Lara Amaral, Leandro Rafael Perez, Leandro Rodrigues, Leo Gonçalves, Leonardo Chioda, Lisa Alves, Lucas Bronzatto, Luciana Miranda Penna, Maiara Gouveia, Makely Ka, Mamede Jarouche, Marcelo Ariel, Marcelo Noah, Marcelo Sandmann, Márcio-André, Marco Cremasco, Marcos Visnadi, Marcus Oliveira, Mariela Mei, Maykson Sousa, Micheliny Verunschk, Nairana Melo, Nícollas Ranieri, Nina Rizzi, Nydia Bonetti, Orlando Lopes, Paula Corrêa, Paulo de Toledo, Pedro Marques, Pedro Tostes, Rafael Courtoisie, Raphael Gancz, Renan Inquérito, Renan Nuernberger, Renan Virgínio, Ricardo Domeneck, Ricardo Pedrosa Alves, Ricardo Rizzo, Rodrigo Garcia Lopes, Rodrigo Lobo Damasceno, Rodrigo Moreira Pinto, Roque Dalton, Rosana Banharoli, Rosane Carneiro, Rubens Guilherme Pesenti, Rubens Zárate, Sandra Santos, Sérgio Bernardo Correa, Silvana Tavano, Simone Brantes, Takeshi Ishihara, Tarsila Mercer De Souza, Thadeu C. Santos, Thiago Cervan, Thiago Galdino, Thiago Mattos, Tiago Cunha Fernandes, Tiago Pinheiro, Tito de Andréa, Vânia Borel, Waldo Motta, Walter Figueiredo, Wladimir Cazé, Zeca Lembaum.




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