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GOLPE INSTITUCIONAL | Villas Boas, Dallagnol e o presente da CIA

É carnaval, mas o único desfile que assistimos é o das revelações sobre as entranhas do golpe institucional de 2016, cutucando essa ferida purulenta que não cicatrizou

Thiago FlaméSão Paulo

quarta-feira 17 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

É nojento ver nas conversas entre procuradores reveladas nos materiais do hacker de Araraquara a comemoração que fazem pela prisão de Lula. Em dado momento, Dallagnol, aquele que tinha muitas convicções, solta: “presente da CIA”. Se somente figura de linguagem, ou se revela as digitais do serviço de espionagem dos EUA na conspiração para depor Dilma e prender Lula, ainda não sabemos. Mas confirma inteiramente as posições daqueles que como nós viemos denunciando desde o inicio a influência do departamento de estado e de justiça dos EUA sob gestão de Barack Obama, por trás da Lava-jato.

Que presentão! Junto com a interferência no judiciário brasileiro vieram as ameaças do Alto Comando, o governo Temer, as reformas trabalhistas e da previdência, as privatizações, o assassinato de Marielle e figuras sinistras, como esse Daniel Silveira, alçadas ao Congresso Nacional.

O comando do exército nas mãos de Villas Boas fez parte deste pacote. Vale lembrar a linha de conduta adotada por Dilma e pelo PT para evitar o golpe: conceder posições fundamentais para os golpistas. Foi assim que no inicio de 2015 Joaquim Levy, do Bradesco assumiu o ministério da fazenda. A legislação sobre a exploração do petróleo foi modificada de acordo com as negociações que o Senador tucano José Serra fazia com a embaixada dos EUA. E, no exército, Villa Boas foi nomeado comandante em chefe furando a tradicional fila de antiguidade. Ao contrário de acalmar os golpistas, essas concessões apenas lhes deram as armas necessárias para prosseguir com a conspiração.

Sob o comando do General Villas Boas o exército se voltou com renovada energia para os braços da sua contraparte estadunidense. Já em 2015 foi assinado um acordo nos marcos da Otan para a realização de um exercício militar conjunto com Colômbia, Peru e os EUA na tríplice fronteira, uma atitude inédita do exército. Esse exercício, vejam vocês, era uma simulação de entrega de ajuda humanitária na selva Amazônica. Qualquer semelhança com a tentativa de golpe na Venezuela no inicio de 2019 não é mera coincidência… Desde então se multiplicaram os acordo militares com os EUA e até uma general brasileiro, pela primeira vez, está servindo no exército Sul dos EUA, mantendo uma interlocução fluída entre o Almirante Craig Feller, líder máximo do Comando Sul das forças armadas dos EUA e as forças armadas brasileiras. Recentemente esse almirante, quando da posse de outro militar brasileiro, um brigadeiro de duas estrelas, ao apresenta-lo para Trump cravou com total sinceridade: “os brasileiros estão pagando para ele vir para cá e trabalhar para mim”. Craig, que já foi assessor parlamentar do senador Kennedy, agora com a posse de Biden está mais livre para implementar sua política para o Brasil.

Novos tempos, novas políticas, novos presentes. O Alto Comando, ou setores deste, aproveitaram a oportunidade e embarcaram com os dois pés no governo Bolsonaro. Se a pressão do Alto Comando sempre foi a de conter os excessos retóricos do golpismo de Bolsonaro e acomodar ele aos interesses do exército, também lotearam para si o governo, assumiram milhares de postos na maquina pública, se transformaram numa das maiores empreiteiras do país que fornecem para o governo e engordaram o orçamento do exército – comprando de picanha a conhaque como as últimas denúncias tem evidenciado. Agora, parte da política da nova administração Biden é enfraquecer a posição do aliado de Trump no Brasil, só que isso vai passar por abalar as relações entre o Alto Comando e o governo Bolsonaro. É nesse contexto que devemos ler a confissão espalhafatosa de Villas Boas, comprometendo o Alto Comando na interferência sobre o STF em 2018.

Várias forças que se aglutinaram desde 2015 em torno da Lava Jato e do golpe institucional buscam agora, quando parte dos objetivos econômicos do golpe foram cumpridos, retornar a alguma normalização democrática do regime político. Isso passaria por uma retirada dos militares da política e por algum tipo de reabilitação, ainda que parcial, de Lula. Mas esse movimento não vai ser isento de crises, como já estamos vendo.

Na medida em que essas novas disputas se aprofundem, os mecanismos do golpe institucional e seu caráter pró-imperialista e anti-popular vai sendo exposto. Como sempre, as disputas entre os de cima podem abrir espaço para a rebelião dos debaixo. Esse retorno a certa normalidade que alguns setores vão buscar, ao se chocar com a resistência de alas que desejam aprofundar o curso autoritário atual, abre brechas para a intervenção do movimento de massas. Cabe a nós aproveitar essas brechas, sem dar nenhum apoio político a nenhuma das alas em disputa.




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