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AUTORIZARÃO TRANSAÇÕES EM DÓLARES PARA AS AUTOMOBILÍSTICAS? | Venezuela caminha para uma economia de caráter dual?

sábado 23 de maio de 2015 | 03:51

Uma nova notícia começou a causar rumores. A suposta autorização do governo para que as transnacionais da indústria automobilística possam realizar suas vendas em dólar no país. O temor está em que esta prática possa estender-se, se a crise persistir, a outros ramos da economia, tornando vários produtos inacessíveis para setores da população que não disponham de divisa norte-americana.

Esta seria a primeira vez, em mais de uma década, que as montadoras e concessionárias poderiam vender os veículos nessa moeda, e também seria o primeiro setor autorizado a vender em dólares na economia venezuelana. Alguns analistas apontam que poderia abrir as portas a uma dolarização parcial ou a uma economia de caráter dual.

Com a abrupta queda dos preços do petróleo, uma grave crise de divisas e reservas internacionais que chegaram ao nível de 2003 – US$ 18 bilhões –, taxa de câmbio Simadi oficial praticamente em 200 bolívares por dólar e um dólar paralelo que já passou da barreira dos 300 bolívares não se vislumbra que a Venezuela possa sair da crise com uma economia em plena recessão, inflação galopante e a persistente escassez.

Acordos privilegiados com as transnacionais

O primeiro acordo foi entre a transnacional Ford Motors, segundo o presidente da Conindústria, Eduardo Garmendia, para a venda em dólares: “a informação que temos é que se firmou um acordo, mas não posso afirmar”. Se supõe que o acordo comece a valer após assinatura e compromisso com os mecanismos de venda de divisas, mesmo que os detalhes ainda não sejam conhecidos”.

Desde que se deu a conhecer esse acordo com a Ford afirma-se que esta prática seria ampliada para todas as montadoras estrangeiras que atuam no país, como Chrysler, Iveco Venezuela, Ford Motor, Toyota, General Motors, Mack de Venezuela e Mitsubishi Motors Corporation, além de outras de capital misto com a China, o Irã e outros países.

O presidente da Conindústria, afirmou também que a venda de veículos em dólares se efetivará pela taxa Simadi (199,99 bolívares por dólar, na quinta-feira passada), estimando-se que em julho a empresa comece a operar com o novo sistema de vendas. Em Michigan, o porta-voz da Ford, Susan Krusel, confirmou o acordo. Especulam que envolveria um pequeno estoque de vendas na moeda, mas para o analista Luis Vicente León, presidente da Datanalisis, 90% dos veículos ofertados pela Ford da Venezuela serão vendidos em dólares e os 10% restantes em bolívares. Ainda que seja provável que a venda em dólares não implique na dolarização da economia, o que está claro é que caminha para uma forma de economia dual: uns setores em dólares e outros em bolívares, com todas as implicâncias possíveis.

Ainda que se saiba que o governo Maduro (que não deixa de surpreender pela retórica contra as transacionais, mas na vida real procurando pactos) avançava em determinados acordos com a Ford Motors, não se conhecia o teor. O próprio governo, no dia 24 de março, anunciava uma “aliança estratégica” com esta transnacional sob o pretexto de “estimular a produção nacional”, depois de um encontro em Caracas com representantes da montadora e o ministro das Indústrias, José David Cabello, o Superintendente de Preços Justos (Sundde), Andrés Eloy Méndez, e o vice-presidente da área econômica, Rodolfo Marco Torres. Nessa ocasião, os representantes do governo não explicitaram o acordo, mas agora vem à luz o que se discutia. Como vimos, diante da crise as transnacionais começam a receber cada vez mais facilidades, no desespero do governo de superar a crise.

Mesmo sem o governo confirmar ou negar o acordo de venda em dólares, parece que ao menos existem discordâncias, pois o presidente da Comissão de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Assembleia Nacional, Ricardo Sanguino, se referiu na quarta-feira (20) ao esquema e assegurou que não tem “conhecimento de que tenha sido aprovado”. “Nossa lei estabelece que todas as transações na Venezuela são em bolívares, porque assim exige a lei”, reiterou. Sugeriu que “o que pode ter ocorrido é que o governo nacional estabeleça convênios com as companhias para exonerar impostos, obtenha algumas vantagens e possam exportar”.

O papel dos sindicatos

O que chama a atenção é que o plano das transnacionais vem sendo negociado com a Federação Sindical do setor automobilístico com o argumento de que contribuirá para manter a estabilidade no emprego de mais de 100 mil trabalhadores. Assim se manifestou, expressando seu total apoio à política empresarial, o presidente da Federação Unitária de Trabalhadores das Montadoras e Autopeças e conexos (Futaac), Cristian Pereira, também militante da corrente política Marea Socialista.
Gilberto Troya, secretário-geral do sindicato da Ford Motors da Venezuela, foi quem deu o pontapé inicial para esta política. Em 18 de maio este dirigente anunciava que a política do seu sindicato recebia a adesão dos sindicatos da General Motors e da Chrysler, e “logo depois se unirão os da Mitsubishi e da Toyota que faltam debater e analisar para apoiar a proposta”.

O presidente da Futaac chegava ao extremo de afirmar que pediria ao presidente Maduro “o estabelecimento de um Fundo Nacional para a indústria automobilística que garantisse que os dólares provenientes da comercialização de veículos sejam destinados à compra de matéria prima para a montagem de automóveis”. Ou seja, não exige que as transnacionais instituam um fundo para garantir a renda familiar e o sustento dos trabalhadores do setor, mas que tenha um fundo para que a transnacional continue funcionando e obtendo seus lucros, como se as montadoras locais fossem pobres empresas e não parte de grandes conglomerados internacionais com bilhões de lucros em escala mundial. Talvez o dirigente sindical acredite que enquanto se garante os lucros da transnacional isso significa que também se garantirá o emprego dos operários. Contudo, não se trata de inocência sindicalista, mas de uma política decididamente pró-patronal da burocracia sindical da Futaac.

Os trabalhadores do setor automobilístico, com seus salários já corroídos por uma inflação anualizada de quase 70%, segundo dados oficiais, têm sofrido com cortes salariais e demissões massivas. Por exemplo, atualmente o setor solicitou ao Ministério do Trabalho a demissão de 1.500 trabalhadores; nas Inspetorias do Trabalho do estado Carabobo constam solicitações de 119 demissões na Chrysler, das quais 76 já se efetivaram; 812 trabalhadores na General Motors, sendo que no final de abril a filial local despediu 446 operários depois que uma junta de arbitragem aprovou as demissões; na Ford Motors são 267 trabalhadores; na montadora de ônibus Iveco são 80 operários e outros tantos nas empresas de autopeças, segundo a própria Futaac.

Sabendo o papel das transnacionais, sem falar das práticas do setor automobilístico, é triste o papel dos dirigentes sindicais apoiando estes pactos que apenas beneficiam o capital estrangeiro. Basta lembrar a lamentável história dos trabalhadores da Mitsubishi que depois de uma árdua luta enfrentando a transnacional, ajudada pela Guarda Nacional, terminou com o saldo de dois operários assassinados diante dos portões da empresa em plena luz do dia, enquanto protestavam. Contra esta política da burocracia sindical, os trabalhadores do setor devem lutar por sindicatos combativos para que a crise seja paga pelas transnacionais e os que a geraram, e não salvando-as com o sacrifício da classe operária. A luta contra as demissões, a reincorporação de todos os demitidos e por um salário digno são parte básica desta batalha. Para isso é necessário um encontro, urgente, de todos os trabalhadores do setor automobilístico, com delegados eleitos e mandatados pelas bases, e votar um plano de luta em defesa dos seus direitos fundamentais e contra os pactos com as transnacionais e o governo nacional que fazem os trabalhadores pagarem pela crise.

Milton D’León, tradução Val Lisboa




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