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TENTATIVA DE GOLPE NA VENEZUELA | Venezuela após o golpe do 30A e a ofensiva imperialista

[De Caracas] A tentativa golpista do 30A deixou muitos altos e baixos, tanto na própria situação do regime e do governo de Maduro, como na própria oposição de direita. Desde que a ofensiva golpista tomou corpo em 23 de janeiro e depois do fracasso da operação “ajuda humanitária” em 23 de fevereiro, com todo o imperialismo e a direita regional agrupados, a situação parece ter entrado em um impasse político, embora fosse um segredo aberto que reuniões e negociações de todos os tipos estavam acontecendo.

segunda-feira 6 de maio de 2019 | Edição do dia

A oposição de direita e o imperialismo depois de um novo fracasso

Os movimentos da direita na sua tentativa golpista, com Juan Guaidó buscando gerar um putch militar desde as periferias da base militar La Carlota, no leste da cidade, com um punhado de militares que não passavam de 40 e, ao seu lado, o direitista Leopoldo López, em pouco tempo se mostraram um fracasso. Em certos momentos, dava a impressão de que, em um ato desesperado para provocar rachas nas Forças Armadas pela ação do efeito político ou movidos por sinais falsos, entraram em ações sem a resposta esperada, desde os quartéis, assim como tampouco o “levantamento” da população frente seu chamado e a ação conspiratória.

Desta vez, até o imperialismo dos EUA demorou algumas horas para se pronunciar oficialmente, a não ser o senador republicano Marco Rubio; ao contrário do 23E, quando eles fizeram isso em poucos minutos, ou o próprio 23F, quando eles praticamente comandaram a operação "ajuda humanitária".

Muitas incógnitas também aparecem sobre a oposição encabeçada por Juan Guaidó, que começou a se mostrar aborrecido desde o fracasso do 23F. Sua intervenção durante a tarde no 30A, a no 1M pela manhã –além da retórica que a “cessação da usurpação entra na etapa definitiva” e a demagogia de sempre- e o seu chamado por uma greve escalonada e uma greve geral impraticável na administração pública, mostram um encorajamento da jornada golpista. Com a ampla maioria dos golpistas –exceto Guaidó-, correndo para refugiar-se nas embaixadas, a direita e o imperialismo deram mostras de um patético fracasso.
A dinâmica do momento político vindo por parte do imperialismo e toda a direita continental, que se voltou ao apoio da “Operação Liberdade”, inclusive sendo fracassada. O próprio John Bolton, assessor de seguridade nacional de Trump, havia assegurado que o ministro da defesa, Vladimir Padrino, o presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), Maikel Moreno, e o diretor geral de Contrainteligência Militar, Iván Rafael Hernández Dala, haviam se voltado contra Maduro. Na quarta-feira, Elliott Abrams, enviado especial da Venezuela, declarou: “Eles falaram, falaram e falaram e, quando chegou o momento da ação, não estiveram dispostos a fazê-lo”. Nesse mesmo dia, Bolton voltou a afirmar que "Maduro está rodeado de escorpiões em garrafas, é apenas uma questão de tempo" para eles saírem.

Para muitos, todas as declarações se tratavam de uma espécie de “guerra psicológica” lançada desde Washington para causar “pânico” em Miraflores, e, justamente, chegaram nas horas de sigilo que rodeava o Palácio do Governo.

Um regime político em crise com Maduro mais condicionado

A jornada do 30A e os dias posteriores prefiguram uma situação de maior instabilidade política e carregada de incertezas. Uma das grandes incógnitas, depois de declarada a tentativa golpista, se concentrou nas mais de 15 horas da ausência de Maduro, com um único poder real fazendo declarações: as Forças Armadas. As demais figuras do regime que fizeram declarações durante o dia não tiveram nenhum peso, a não ser a presença de Diosdado Cabello, considerado o número dois do chavismo e de uma das frações de poder, e que tem tanta visibilidade midiática quanto Maduro.

Uma vez que se havia declarado “controlada a situação” e “ordem nos quartéis” por parte das Forças Armadas –momento no qual Maduro poderia aparecer- transcorreram algumas horas. Na declaração do Estado Maior Militar, com Padrino López na liderança declarando “ordem” ao meio dia, não tinha mencionado em nenhum momento Maduro, o que foi muito chamativo e um claro sinal de das mãos de quem que estava a situação. Enquanto isso acontecia, o hermetismo reinava em Miraflores.

O que aconteceu e quais discussões se deram nessas largas horas ainda é uma interrogação, embora não seja necessário ser um especialista em política ou um fiel seguidor da situação para perceber que, no Palácio, águas agitadas e turbulentas estariam se mexendo. Tarde da noite Maduro aparece na televisão. Embora seja normal aparecer sempre cercado de militares em seus discursos desde a casa do governo, desta vez sua aparição não se deu da mesma maneira; uma reduzida comitiva com preponderância militar –Padrino Lopez à mesa- flanqueava-o.

No dia seguinte, durante o ato de 1º de maio e durante seu discurso, Maduro continuou mostrando as costuras. Em um discurso incomum que mal chegou a 48 minutos -incomum pois eles costumam durar várias horas; certamente não havia muito o que se dizer- mas além de falar da lealdade dos militares e outras queixas contra os EUA, se limitou a convocar para este sábado, 4 e 5 de maio, a uma "grande jornada nacional de mudança, retificação e renovação revolucionária". Algo que parecia mais pour la gallerie do que com outro objetivo real e, por acaso, algo impraticável se quiser chamar de "grande jornada", a menos que seja uma reunião do seu próprio partido, o PSUV, sobre algo certamente já tramado nos bastidores.

Apenas 48 horas depois, no dia 2 de maio, que Maduro voltou a aparecer junto a todos os militares que o “juravam lealdade”, o que são muitas horas, quando era de costume que tais declarações fossem ipso facto em face de acontecimentos semelhantes ou até mesmo menores. Talvez tais situações respondam a possíveis fissuras; o certo é que um Maduro mais condicionado apareceu em cena em um regime político abalado onde as Forças Armadas aparecem como claros fatores de poder na balança política.

O fracasso do 30A e um imperialismo mais ofensivo

Leopoldo López, já refugiado na embaixada do Estado Espanhol, buscou dar força ao discurso da Casa Branca, declarando que “durante mais de três semanas me reuni com comandantes, ali [na sua casa, sob prisão domiciliar] me reuni com generais, ali me reuni com representantes dos distintos componentes das Forças Armadas e de distintos organismos policiais”. Acrescentou que “claro que virão mais movimentações no setor militar. Espero que sejam semanas para a cessação da usurpação”. Para dar mais força à ação golpista do 30A, declarou: “nos preparamos para isso, não é improvisado”.

Embora tudo isso não seja muito claro pelo caráter sigiloso das movimentações, o fato é que apareceria envolvido na movimentação do 30A o general Manuel Ricardo Cristopher Figuera, diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN), junto com outros generais de carreira, dariam força à declaração de Lopez, independentemente de tais reuniões terem ocorrido em sua casa ou não, ou através de outros emissários. Embora sejam generais sem comando de tropas, no caso do diretor da SEBIN, mostram, por um lado, os rachas entre forças do Estado -entre a Inteligência, por exemplo, e os quartéis-, e por outro lado, o nível de penetração da oposição, LEASE do imperialismo. Tudo isso é produto dos diferentes jogos que são articulados a partir de Miraflores, na contraposição de forças para as administração das panelinhas do governo.

Mas o que é evidente desde o início é que o resultado dos acontecimentos não foi o que esperavam Guaidó e os EUA: não houve um racha dentro da FAN e os comandantes com poder de fogo permaneceram na linha do governo.
É provavelmente por isso que os Estados Unidos se apressou em seus movimentos políticos. De um lado, para Cuba e, de outro, para a Rússia. Fracassada a tentativa de golpe, Trump avisou Cuba que aplicaria severas sanções se não parasse de intervir na Venezuela, assim como executou na quinta-feira a aplicação da lei Helms-Burton em sua totalidade. Hipocrisia dos Estados Unidos a parte - já que são eles que estão avassalando a soberania venezuelana com sua interferência direta e as ameaças de uma intervenção militar-, o que eles realmente buscaram mostrar e fazer valer é a forte pressão sobre a ilha e um salto na belicosidade.

Após o que foi anunciado na quarta-feira pela Casa Branca em uma reunião entre Washington e Moscou, após a conversa telefônica entre o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, com o ministro do Exterior russo, Sergey Lavrov, pela situação na Venezuela, Trump falou diretamente com Vladimir Putin na sexta-feira, que além da Venezuela teria abordado questões como a Ucrânia, entre outros. Uma conversa telefônica que ocorreu enquanto Mike Pompeo e John Bolton visitavam o Pentágono para "estudar possíveis opções militares na Venezuela", como ocorreu na imprensa.
Washington sabe que, para Moscou, a situação na Venezuela é uma vantagem política e a usa para melhorar sua posição em sua disputa com os Estados Unidos (pela sua posição geográfica e do ponto de vista geopolítico), sendo o país/ uma ficha no tabuleiro internacional. Ninguém esconde que, para a Rússia, o significado político da Venezuela - além de sua proximidade com os Estados Unidos - está em seus recursos naturais e na oportunidade de obter lucros nos negócios realizados no país, como vem fazendo no setor de petróleo. Portanto, tudo é negociável se certas concessões da Casa Branca forem mais favoráveis a Moscou.

Apesar da situação ter se tornado tão aguda, continua sendo pouco provável uma intervenção militar aberta, além dos discursos que geralmente vêm de Washington. O isolamento político e o estrangulamento econômico, bem como a forte pressão sobre as forças armadas, continuam sendo a opção mais provável de ser encaminhada pelos Estados Unidos. Enquanto isso, Guaidó voltou a convocar novas manifestações neste sábado para o quartel, como fez em outras ocasiões, que acabaram sem os resultados esperados.

Neste marco está a direita regional; com as diretrizes claras de redobrar e acompanhar o intervencionismo dos Estados Unidos, foi realizado nesta sexta-feira um encontro do Grupo Lima no Peru, a pedido da Colômbia, onde uma das novidades foi o chamado a que Cuba “participe da busca de uma solução a crise venezuelana”. Logo, da reunião em Lima se espera um novo encontro na Costa Rica, o 6 e 7 de maio, para a III Reunião Ministerial do Grumo Internacional de Contato para a Venezuela, conformado pela União Europeia e doze países da Europa e da América Latina, nas quais se buscam “saídas” negociadas.

Cenários tensos em uma situação imprevisível

A incerteza é o que mais reina na Venezuela, sobretudo pelas múltiplas variáveis na equação política carregada de muitas incógnitas, e os cenários, qualquer um deles, se prefiguram abertos.

A verdade é que o governo de Maduro está cada vez mais fraco, assolado pela maior catástrofe da história do país e sua principal comitiva, as Forças Armadas, erguendo-se com um poder cada vez maior. Como sabemos, após a morte de Chávez, o bonapartismo começou a ser jogado pelas facções dominantes que cerravam as fileiras contra o ataque da direita e as próprias crises internas. À medida que a catástrofe avança para níveis inesperados, as Forças Armadas se tornam fundamentais na consolidação do giro bonapartista do governo, se transformam na sustentação da imposição da fraudulenta “Assembleia Constituinte” como poder “plenipotenciário” e supraconstitucional com a qual o governo tem vindo governando. Tudo funcional aos interesses de tais comitivas bonapartistas.

Não fica muito claro como se deu a relação do Maduro com as Forças Armadas, que por enquanto e publicamente, se mantêm unidos, mas sem saber os níveis de precariedade de tal união ou os acordos preestabelecidos.

Acusado aos níveis que aponta os EUA, com influência belicosa com os aliados de Maduro, e com as Forças Armadas que resistem ao ponto de manter seus privilégios, não se descarta que os militares tirem o tapete de Maduro, procurando estabelecer-se como eixos de uma transição, na medida em que consigam manter a ordem nos quarteis e todo o poder de fogo. Isso somado a grandes pactos e acordos.

A direita, sobretudo a mais firme, busca uma caída mais abrupta, e nisto a acompanham o imperialismo rançoso, tal como parece ser a cara mais visível, Marco Rubio, e outros que clamam abertamente por uma intervenção militar. A linha de Leopoldo López e de Guaidó apontam nesta direção. Mas todas as leis orquestradas, como a de anistia, vêm sendo determinadas por Washington, tal como foi incluso a nomeação de Guaidó como “presidente encargado”. O objetivo dos Estados Unidos é um plano de recolonizar a Venezuela sem meias medidas, mas de lá para uma aventura militar há uma certa distância. Ele acha que a fragmentação pode ser obtida por meios que não são tão arriscados.

A sobrevivência de Maduro vai depender muito mais de seus aliados e que os militares continuem o sustentando. Depende menos de um apoio de massas, muito deteriorado desde que a catástrofe caiu sobre ela com ferocidade. Com a indústria petroleira no chão pela forte caída dos níveis de produção e a falta de investimento que o dificulta inclusive a aproveitar qualquer aumento no petróleo, mas sobrecarregado mais ainda pelo embargo petroleiro dos Estados Unidos, que alcançou o impedimento de envios a Cuba; com outas indústrias em situação de colapso elétrico (que além da tese do governo de sabotagem, a verdade é que não precisa de um grande esforço para sabotar um parque elétrico fortemente deteriorado durante os anos), seria um governo sustentando-se com maior dependência e submetido a um maior entreguíssimo a aliados como a Rússia e, em certa medida, com a China, com quem tem dividas sobrecarregadas.

Redobrar as energias na Venezuela e na América Latina para enfrentar o imperialismo e qualquer tipo de golpismo

Como vemos, estamos em uma grande armadilha para o movimento de massas. Mas tudo isso não deve fazer-nos perder de vista, em nenhum momento, que a questão de primeira ordem é a situação é opor-se energeticamente a todo tipo de intervenção imperialista assim como qualquer tentativa golpista, e mais ainda de de uma ameaça de intervenção militar. Tudo isso sem dar apoio político ou algum tipo de aval ao governo de Maduro. A oposição férrea a todo plano de vassalagem e recolonizarão, assim como a qualquer golpismo, é uma grande tarefa democrática, que não implica tampouco a deixar de lutar em nenhum momento contra as misérias a que nos submete Maduro. Por isso é que todo plano emergencial da classe trabalhadora e popular frente a catástrofe tem entrelaçadas as tarefas anti-imperialistas.

Porém, nesta situação é fundamental alertar também sobre as Forças Armadas com seu papel cada vez mais preponderante na crise nacional. O destino do povo não pode cair nas mãos desta casta privilegiada e reacionária. Por isso não podemos depositar nenhuma confiança nas Forças Armadas; a luta contra o golpismo e o imperialismo deve ser com total independência política, com uma política própria dos trabalhadores, na perspectiva de fortalecer-nos também na luta contra a miséria a que somos submetidos e o autoritarismo do governo. Uma derrota do golpismo pro imperialista com nossos próprios métodos de luta e levantando um programa com estas características, nos colocaria em melhores condições para enfrentar também o próprio Maduro, ou qualquer tentativa de “transição” reacionária com as Forças Armadas como “árbitro”.

Neste sentido, para os trabalhadores, a juventude, as mulheres da América Latina e de outras partes do mundo, sobretudo para aqueles que residem nos países imperialistas, opor-se a esta agressão e intervenção imperialista, assim como a qualquer tentativa golpista, é uma tarefa de primeira ordem. Uma avançada do imperialismo com a imposição de um governo fantoche semelhante aos seus interesses não fará mais que aumentar as cadeias ou redobrar a ofensiva nos demais países. Governos como o de Macri na Argentina ou o de Bolsonaro no Brasil, para mencionar alguns exemplos, não farão mais que fortalecer-se. Mas uma derrota por parte do movimento de massas aumentará as energias das massas no nosso continente para enfrentar e derrotar esses governos entreguistas.




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