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Medidas pró-mercado | Unificação monetária em Cuba: ajuste econômico e abertura

O golpe inflacionário é reforçado pelo aumento das taxas e outros itens. Foi também comunicado o fim da obrigação de maioria estatal no investimento estrangeiro.

quinta-feira 17 de dezembro de 2020 | Edição do dia

Em 10 de dezembro, o presidente Miguel Díaz-Canel, acompanhado por Raúl Castro, anunciou a saída de circulação do Peso Cubano Conversível (CUC) a partir de 1º de janeiro e a implementação de um câmbio único de 24 pesos (CUP) = 1 dólar o que significa uma grande desvalorização da moeda nacional de 2400%.

Um aumento geral de preços está descartado. Ele até foi "projetado" pelas autoridades como parte da "Tarefa de Ordenamento". O aumento das dificuldades para a maioria da população é cinicamente garantido. O que não está claro é se a burocracia será capaz de evitar uma corrida inflacionária. De fato, até agora em dezembro, o CUC desvalorizou 50% no mercado paralelo e uma desvalorização semelhante é esperada até 1º de janeiro.

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A “Tarefa de Ordenamento” é parte de um plano mais amplo que combina um ajuste rígido no bolso do povo com um novo avanço na abertura da economia ao investimento capitalista.

A eliminação do CUC ou "unificação monetária" é acompanhada por outras reformas complementares. Uma delas é no salário, que implica um forte aumento nominal dos salários com o duplo propósito de atenuar os efeitos da inflação projetada e compensar uma redução geral dos subsídios estatais. Esta última é a outra reforma complementar: redução, e em muitos casos eliminação direta, de subsídios "desnecessários" e gratificações "indevidas".

É assim que a burocracia do Partido Comunista Cubano qualifica hipocritamente as conquistas sociais, enquanto vive cheia de privilégios e muitos funcionários vivem da riqueza.

Ajuste às massas trabalhadoras

Estima-se que a inflação em produtos de consumo geral, especialmente os importados, poderia ficar em torno de 1200%, enquanto o aumento geral dos salários seria em torno de 800%. Manter parte dos subsídios na caderneta de racionamento faria com que esses produtos "regulamentados" aumentassem "apenas" 12%.

A isto deve ser adicionado um aumento nas taxas de serviços públicos como eletricidade e telefonia entre 300% e 600%, e da mesma forma no campo da cultura e recreação (museus, teatros, cinemas, etc.).

Essa é a inflação “projetada”, segundo a desonesta resolução da cúpula do PCC lida em 10 de dezembro pelo presidente Díaz-Canel junto com Raúl Castro, que decidiu descarregar mais uma vez a crise sobre os trabalhadores.

Economistas liberais como Carmelo Mesa-Lago da Universidade de Pittsburg (EUA) ou Pavel Vidal da Universidade Javeriana de Cali (Colômbia) saudaram a medida (eles a exigiam há anos) como "um passo no caminho certo" . Mas eles argumentam que para evitar uma escalada inflacionária, mais medidas devem ser tomadas para abrir a economia e "atrair investimentos" para abastecer a economia com dólares.

É a receita liberal clássica com a qual os profissionais a serviço da classe dominante procuram cobrir os olhos dos trabalhadores.

Na verdade, caso tal cenário de investimento pudesse ocorrer, a economia poderia “se estabilizar” relativamente e no curto prazo apenas ao preço de leiloar ativos estatais, ou seja, empresas públicas, de forma que a partir de milhares de fechamentos e demissões, os capitais estrangeiros encontram um nicho para fazer negócios.

Esses economistas, amplificados pelos meios de comunicação de massa, escondem a realidade das massas trabalhadoras e contribuem para criar a falsa consciência de que "ao libertar a economia" irão melhorar as condições gerais de vida. A única coisa que vai melhorar é a oportunidade de negócios para os empresários e para o alto escalão da burocracia do PCC a eles associada.

Maior abertura ao capital extrangeiro

Daí talvez a forte coincidência entre as medidas propostas pelos economistas liberais com as quais a burocracia vem implementando há 10 anos, embora não com o ritmo e a profundidade que os primeiros buscam.

Entre os dias 8 e 9 de dezembro, quase simultaneamente ao lançamento da Tarefa de Ordenamento, foi realizado em Havana o Fórum Empresarial Cuba 2020, evento que o governo organiza anualmente para promover o investimento estrangeiro e as exportações e conta com empresários de 90 países (principalmente da Índia, China, Rússia e Espanha).

Na inauguração, o Ministro do Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro, Rodrigo Malmierca, apresentou um ambicioso “portfólio de oportunidades” com mais de 500 projetos, principalmente em turismo e petróleo, por 12 bilhões de dólares. Mas o mais importante foi o anúncio do fim da obrigação de participação majoritária do Estado cubano nos investimentos em turismo, biotecnologia e comércio atacadista.

Até agora, apesar das reformas sancionadas na Lei de Investimento Estrangeiro de 2014 e na nova Constituição Nacional de 2019, a participação maioritária privada estava limitada à Zona Especial do porto de Mariel e às empresas venezuelanas. Desde a crise dos anos 90, a forma tradicional de abrir as portas ao capital transnacional eram as chamadas empresas mistas, com 51% da participação estatal.

É assim que avançou a associação entre os setores superiores da burocracia cubana, em particular a direção das Forças Armadas Revolucionárias que controla a holding GAESA, ou GECOMEX (filho direto do novo processo reformista), no setor do turismo e outros.

A maioria obrigatória do estado agora se limita à extração de recursos naturais e à prestação de serviços públicos, segundo Malmierca. Isso representa mais um passo muito significativo para o enfraquecimento da economia nacionalizada e se soma a outras medidas que foram aplicadas no meio do ano para descentralizar o comércio exterior.

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As reais consequências desta nova abertura não são claras. Na verdade, a burocracia vem de um grande fracasso com o megaprojeto do porto de Mariel onde se projetava atrair investimentos de 12 bilhões de dólares em 5 anos (desde sua reabertura em 2014) e apenas 1.100 bilhões foram concretizados.

Em 2020, segundo Malmierca, foram celebrados cerca de 30 acordos no valor de 900 milhões nos setores de turismo, construção e mineração. Ou seja, o investimento ainda é baixo e o contexto internacional não parece favorável a um boom de investimentos, que é o que a burocracia quer.

Além disso, muitos são os entraves que impedem o desenvolvimento do capital, como a contratação de mão de obra, a relação entre o atacado e o varejo, o comércio exterior e outras áreas ainda fortemente controladas por empresas estatais e pelo Estado. Assim, os economistas liberais não param de pedir mais flexibilizações e aberturas (além de ajustes).

Mas as referidas reformas da Constituição e da Lei do Investimento Estrangeiro, bem como as medidas concretas que estão a ser tomadas, fornecem o enquadramento legal e as condições necessárias para que ocorra um avanço significativo na restauração capitalista, portanto, tal cenário não pode ser descartado em um futuro próximo.

A restauração capitalista só trará mais sofrimento para as grandes maiorias

A continuidade e aprofundamento das reformas pró-mercado que estamos presenciando, além de alguma melhora parcial que pode ocorrer em algum setor por algum tempo, trará desemprego, perda de direitos trabalhistas e outras conquistas sociais. Mais cedo ou mais tarde, o declínio nas condições gerais de vida se fará sentir. Não podemos saber o quão sério será e quando acontecerá, mas toda a experiência histórica mostra que a classe trabalhadora pagará um alto custo.

Foi o que aconteceu na ex-URSS e nos países do Leste Europeu, com uma queda acentuada no padrão de vida das massas. E isso também é mostrado pela China e Vietnã, os símbolos sonhados tanto pelos economistas liberais quanto pela burocracia do PCC, onde os trabalhadores trabalham longas e extenuantes horas em condições precárias, existem bolsões gigantescos de pobreza e as condições do meio ambiente se deterioram a níveis nunca vistos antes. Isso é o melhor que o capitalismo tem a oferecer e dificilmente será assim em Cuba, que não tem as vantagens comparativas dos países asiáticos.

O povo cubano resistiu incólume por décadas a um bloqueio criminoso (literalmente, que incluía alimentos e remédios) e as consequências de uma liderança econômica desastrosa. No meio da desmoralização que têm causado em amplos setores que veem uma burocracia privilegiada e enriquecida que só sabe pedir mais sacrifícios na associação com o capital estrangeiro, hoje o maior perigo é que as massas não vejam que os avanços do mercado só podem agravar seus problemas.

Só uma nova intervenção revolucionária das massas pode travar o curso restauracionista, jogar fora a burocracia e acabar com seu regime de partido único, impondo um verdadeiro governo operário e popular baseado na democracia operária, que assuma o controle das grandes empresas e acabe com todas as concessões feitas ao capital, para reorientar a economia de acordo com os interesses da grande maioria e não do punhado de burocratas associados ao capital estrangeiro que procuram apoderar-se do patrimônio nacional.




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