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TRIBUNA ABERTA | Uma mente é uma coisa terrível a desperdiçar

Escrito e dirigido pelo comediante Jordan Peele, que faz uma pequena participação no filme, ao proferir a frase "A mind is a terrible thing to waste (Uma mente é uma coisa terrível a desperdiçar) ”, marca a estreia do ator na direção do longa Get Out! (2017). A trama inicial é apresentada a partir da insegurança de Chris, por ser negro, em viajar para conhecer a família da sua namorada branca, que vive em uma casa no interior.

segunda-feira 5 de junho de 2017 | Edição do dia

Cada interação aumenta o desconforto, ser tratado pelo pai da namorada como “meu homem”, perceber que todos os empregados da família são negros, culminando no momento da festa realizada pela família Armitage, onde Chris é exposto a várias atitudes racistas da família, como a hiperssexualização do corpo negro.

Nesse momento, nosso protagonista encontra um conhecido – Andrew, um jovem negro americano que havia desaparecido de forma misteriosa e tenta estabelecer contato, porém a tentativa de achar algum tipo de espaço amigável na festa é completamente frustrada. Andrew age e fala como se fosse um homem branco, além das vestimentas adotadas por ele que, causam estranhamento em Chris.

Marx & Engels salienta isso de forma clara, no livro Ideologia Alemã ao dizer que “as ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante”. Assim, a branquitude não é uma escolha, mas sim uma ideia imposta pela burguesia, que é em sua composição esmagadoramente branca.

Esse cenário de opressão não foi criado pelo povo negro, mas sim pelos brancos que, durante séculos, estruturaram tão bem a inferiorização do negro a ponto de ele mesmo se estigmatizar. Dessa forma, é possível que pessoas negras reproduzam o racismo, o que não se pode afirmar é que isso as tornaria racistas, pois afinal, não há relação de ganho ou de benefícios quando um negro oprime a si mesmo ou sua própria população.

A crítica ao racismo como algo estrutural da sociedade permeia todo o longa. No momento do ‘desaparecimento’ do personagem principal, o melhor amigo de Chris – Rod Williams, recorre a polícia para localizar o amigo desaparecido e é ridicularizado na delegacia por policiais negros.

A crítica aqui é evidente: por mais que haja policiais negro, a polícia continuará sendo uma instituição racista, continuará sendo o braço armado do Estado com fins de repressão e controle social, ou seja, uma ferramenta armada e coercitiva para manter os privilégios da classe dominante – portanto da burguesia.

O tom sarcástico do diretor em relação à polícia é direcionado ao genocídio dos jovens negros norte-americanos, que são tratados com descaso pela polícia, e que vem aumentando ano após ano nos Estados Unidos, desde o governo Obama. Jordan Peele, inclusive, escreveu o roteiro do filme durante o primeiro mandato desse presidente.

Mais de cem negros foram mortos por policiais nos EUA em 2016. O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) começou em 2012 depois que o segurança branco George Zimmerman foi absolvido pelo assassinato do jovem negro desarmado Trayvon Martin, em Sanford, na Flórida. A campanha ganhou projeção nacional depois das mortes de Michael Brown, em Ferguson em 2014, e de Freddie Gray, em Baltimore, em 2015.

O clima que era de otimismo com relação a questões ligadas aos direitos civis da população negra, com o passar do tempo foi mudando de tom, devido à proximidade da plataforma política adotada por Obama aos governos anteriores. Isso reacendeu o debate acerca da pauta da representatividade e seus limites.

Isso coloca o filme Get Out! Como crítico ao grupo que votou em Obama, e que se possível teria eleito ele para um terceiro mandato, se pudessem, como o pai de Rose – Dean Armitage, um representante da elite liberal branca. Obama não representou uma ameaça para os interesses dos grandes capitalistas, ao contrário havia influência de Wall Street sobre o conjunto da sua equipe econômica.

A crítica de ao governo de um homem negro com política para brancos, está aqui a grande maestria da obra de Peele. A família Armitage não corre risco ocupando corpos negros, para garantir a imortalidade dos seus membros, porque ela ocupará a consciência desses corpos.

Em uma das cenas mais grotesca do filme, O diálogo de Georgina – empregada da família, com Chris quando este tenta se aproximar dela e dividir experiências sobre o que significa ser negro. Neste momento Georgina passa por uma variação acentuada no humor, oscilando entre o choro e um sentimento de vazio para um período de bom humor.

Essa dualidade entre o sofrimento e o bem-estar, esta referenciado no fato de que a consciência de Georgina, que é uma mulher negra está sendo dominada pela avó dos Armitage, uma mulher branca. Essa cena nos mostra com toda a força o poder da Ideologia. Mesmo que esta seja uma obra de ficção, ela nos mostra de forma clara de que a manutenção de certos privilégios, poderá advir, por exemplo, do controle sobre nossas consciências.

Get out! Se apresenta como uma crítica ao gênero, não há mistérios, psicologismos ou suspenses desnecessários, o que assusta no thriller é a semelhança com o mundo real. O desconforto não advém do desconhecido, do metafisico ou coisa semelhante, ele advém do contexto histórico e contínuo vivenciado pela população negra. Quem foi ao cinema em busca de cenas sangrentas, psicopatas americanos, não encontrará nesse longa a receita de bolo dos filmes de terror americano. Mas sim, o terror vivenciado cotidianamente por ser negro.


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Racismo    Cinema    Cultura



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