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CRISE NA GRÉCIA | Uma ‘Frente pelo Não’ na Grécia é uma saída ao fracasso do Syriza?

O parlamento grego se reuniu para votar o acordo do terceiro memorando de ajustes entre Tsipras e a Troika, no valor de 86 bilhões de euros por três anos, sob condição de render aos bancos internacionais vastas áreas da política econômica e social da Grécia.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

sexta-feira 14 de agosto de 2015 | 00:00

Para trás ficam os debates de “se cruzamos as linhas vermelhas” ou “quais linhas cruzar” por parte do Syriza, ecos de um discurso encarcerado numa estratégia antiausteridade que, por não conter um átomo de um programa anticapitalista, se converteu em neoliberal.

O acordo destaca uma série de medidas antipopulares, como a modificação do regime fiscal agrário e a supressão das aposentadorias antecipadas, a remoção de isenções tributárias às ilhas gregas em 2016, a desregulamentação do mercado de energia e a criação de um fundo de ativos estatais no valor de 50 bilhões de euros a serem privatizados.

É curioso ver o alcance em que a guerra retórica “antiausteridade” de Alexis Tsipras e do Syriza preparava um resultado tão profundamente neoliberal e do agrado das altas cúpulas do Bundesbank alemão. A Deutsche Telekom, que havia ficado em 2008 com 20% da companhia telefônica estatal grega OTI, ficou com mais de 40% das ações no primeiro semestre de 2015. A Fraport AG Frankfurt Airport, companhia de aviação alemã, conseguiu em 2014 a concessão de 14 aeroportos regionais na Grécia, por 40 anos. A multinacional alemã Siemens é dona de praticamente todos os trens da Grécia, enquanto os bancos alemães ficam até com os prédios públicos de Atenas, batalhando para não deixar a China abocanhar o principal porto grego, o Pireu.

As reformas nas pensões e nas áreas da saúde, da educação, dos impostos e do orçamento, ditadas pela Alemanha, são a resultante política da estratégia de conciliação de classes do Syriza, que teve seu momento mais espetacular na transformação do rechaço massivo aos ajustes no referendo em um pacto neocolonial de entrega das riquezas nacionais por Tsipras, usando a repressão policial contra a primeira greve dos trabalhadores do setor público contra o governo.

A opção do “Não” no referendo se apoiava na hipótese de Tsipras de que era preciso voltar à mesa alemã para negociar uma austeridade mais moderada e manter a todo custo a Grécia dentro da zona do euro. Este programa austeritário do Syriza, a direção convocante do referendo, determinou o conteúdo político do “Não”. Não surpreende que o triunfo esmagador desta opção no referendo, ainda que expressasse a raiva legítima de setores de massas contra o ajuste, ao não estar ligado a uma alternativa política a Tsipras, a um combate anticapitalista real contra a burguesia grega e internacional que se apoiasse na atividade política independente dos trabalhadores, tenha primordialmente fortalecido uma direção disposta a pactuar um acordo pior do que o proposto pela Alemanha.

A saída é uma nova “frente pelo Não”?

Stathis Kouvelakis divulgou nas redes a nota oficial “Não ao memorando: chamado à luta e mobilização em todo o país”, por parte daquilo que chama “a constituição de uma ‘frente pelo NÃO até o final’ na Grécia”, que estaria encabeçado principalmente pela Plataforma de Esquerda do Syriza (Lafazanis), a DEA (corrente grega do Secretariado Unificado), e a ala direita da coalizão anticapitalista Antarsya (os althusserianos de ARAS e ARAN), apoiados por ex-parlamentares e ativistas do PASOK.

O objetivo seria reagrupar os dissidentes de Tsipras numa nova frente político-eleitoral antiausteridade contra o giro neoliberal de Tsipras e o 3º memorando, em nome da “democracia e da justiça social”. O instrumento para esta política seria a criação de “comitês pelo Não” através de todo o país.

Chamamos a constituição de um grande movimento nacional e pela criação de comitês de luta contra o memorando, contra a austeridade e a tutela do país, defendendo a aspiração popular por democracia e justiça social,dizo documento.

O que discutimos até aqui sobre o discurso “antiausteridade” separado de um programa anticapitalista encarnado em uma força material na classe trabalhadora já seria suficiente para alertar contra ilusões de um “Syriza 2.0” e sua democracia do ajuste.

Mas o comunicado "pelo NÃO" parece negar não a austeridade, mas sim “pelo NÃO” fazer a autocrítica até o final. Não parte de nenhum balanço de "qual direção e com qual programa” se levantou o NÃO no referendo, como dissemos acima, e cristalizam a política de “continuar o caminho do referendo de 5 de julho”.

A política do “Não” de Alexis Tsipras no referendo de 5 de julho levou ao aprofundamento da austeridade e da entrega nacional. Uma traição completa à rejeição dos ajustes pela ampla maioria dos trabalhadores e da juventude. Seguir este caminho cegamente, com uma política tão débil e ambígua, separada da construção de uma força social capaz de derrubar o capitalismo, por melhores que sejam as intenções só poderá levar a novas frustrações.

Tanto assim que inexiste no documento aquilo que o próprio Syriza (e a Plataforma de Esquerda) se esforçou por desorganizar e desmobilizar: os trabalhadores gregos. Não se fala da necessária disputa por arrancar o movimento operário grego e os sindicatos da influência nefasta da burocracia sindical do Partido Comunista, do PASOK e do Nova Democracia. Não faz menção a uma batalha contra as mediações políticas reformistas, mas se alia a elas. O papel autônomo da classe operária e de sua independência política frente a toda variante patronal e a estratégias conciliadoras se perde completamente neste projeto de reagrupamento que parece a reconstituição de um “novo Syriza”.

A FIT prova que é possível conquistar influência de massas com um programa independente dos trabalhadores

A saída política de uma “Frente pelo Não” agrupando alas internas do Syriza (Plataforma de Esquerda), organizações dissidentes do Syriza e o PASOK, que não discuta como atacar a burguesia, tem semelhanças com a política do Podemos no Estado espanhol que, para assumir o governo de cidades como Madri e Barcelona, se aliou à “casta” política do PSOE, devolvendo o favor ao ajudar o PSOE a formar governo em várias comunidades autônomas.

Recentemente o MES, corrente do PSOL, deu “todo apoio à política alternativa da Plataforma de Esquerda” para “ganhar as massas”. Dará também seu apoio a esta nova frente antiausteridade? Não admira que a política desvalorizadora de saída do euro que levanta a Plataforma, absolutamente separada de qualquer programa anticapitalista e que agravaria as penúrias do povo grego aumentando o nível de desemprego e a redução dos salários dos trabalhadores, como criticamos aqui, resulte na possível criação de um novo Syriza.

O vértice oposto destas experiências reformistas na Grécia e no Estado espanhol se encontra na Argentina, para o qual o PSOL e a esquerda brasileira insistem em fechar os olhos. O recente triunfo da chapa encabeçada pelo PTS na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores é uma conquista para a esquerda internacional e a vanguarda operária mundial, na medida em que, em pequena escala, mostrou a possibilidade de uma alternativa política anticapitalista e socialista sair da marginalidade e conquistar influência em setores amplos na luta contra qualquer conciliação política com a burguesia e a burocracia sindical.

Não se trata de uma experiência da escala do Syriza, que governa a Grécia desde janeiro, e sim de uma organização em transição a partido de vanguarda, que conquistou influência em setores avançados. Mas mostrou a capacidade de um programa anticapitalista se fundir com centenas de trabalhadores, mulheres e jovens que dão passos da luta sindical para a militância política, elaborando e batalhando por um programa independente dos trabalhadores nas fábricas, locais de trabalho e de estudo, colocando de pé uma nova força social na qual os próprios operários e operárias se assumem como sujeitos políticos.

Este exemplo contradiz a hipótese de um amplo arco de organizações que se reivindicam inclusive trotskistas que defendem que “para chegar às massas” é preciso fazer como o Syriza, uma esquerda que estabelece relações meramente eleitorais com os trabalhadores, secundarizando o elemento de construção de uma força material orgânica à classe trabalhadora.

Fechar os olhos a isso é sinal de que se aceita o ceticismo tremendo em relação à classe operária grega poder se constituir como sujeito político capaz de derrotar a austeridade. É negar a tarefa urgente de criar uma força política capaz de militar nos sindicatos dirigidos pelo PASOK, Nova Democracia, e inclusive pelo Syriza (além do PC), de disputar estes sindicatos e forjar dentro deles uma ala classista, anticapitalista e antiburocrática, em perspectiva revolucionária, que se ligue à juventude e que conquiste peso de massas na vida política nacional. E que não há problema no fato de que os inúmeros trabalhadores dos serviços públicos, da indústria naval e dos portos, professores, dos correios, dos transportes, continuarão sendo dirigidos por organizações da direita ou de conciliação de classes.

Esta nova frente antiausteridade aponta para isso. O sinônimo deste ceticismo é uma estratégia que, como diz Shakespeare, significa que “a glória do tempo é repetidamente acalmar os reis”.




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