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Um mês da era Trump | Um primeiro mês caótico para Donald Trump

Os mandos e desmandos na política interna, o curso desastroso na política externa e as trocas de cargos de gabinete marcaram o início caótico da presidência de Trump nos Estados Unidos.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quarta-feira 22 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

Dossiê Um mês de la era Trump

O início do mandato de Trump está caótico. Os mandos e desmandos na política interna, o curso desastroso da política externa e as trocas de cargos de gabinete contradizem a afirmação do presidente de que seu governo é uma “máquina perfeitamente ajustada”.

Parafraseando um ex-presidente argentino, com Trump a Casa Branca não está em ordem. O que observamos é um cenário de disputa dentro da classe dominante e do aparato estatal norte-americano com dimensões e resultados ainda desconhecidos.
Está correto que um mês é pouco tempo para definir com precisão o curso de um mandato que, em teoria, poderá durar pelo menos quatro anos. Entretanto, se for verdade que “para bom entendedor meia palavra basta”, as quatro primeiras semanas da “era Trump” já apresentou vários indícios do que está por vir.

O conjunto de ações tomadas por Trump nas primeiras semanas gerou uma sensação de insatisfação que foi se generalizando no decorrer dos dias. Parece não haver dúvidas que, ao menos por ora, Trump é um presidente que atua como um franco-atirador, mas que na verdade os outros sujeitos políticos – estatal e corporativo – o colocam em cheque e obrigam a retroceder quando percebem que os excessos do presidente podem afetar seus interesses. Algo semelhante ocorre na política externa. O que vai carcomendo a autoridade e respeito que tenta construir.

Trata-se de um governo bonapartista débil como são em geral os governos que emergem fruto de uma popularização social e política sem precedentes, e que não tem força suficiente para construir um novo consenso interno.

Das tentativas falidas de Trump há duas que se sobressaem.

A primeira foi o rechaço da Corte da ordem executiva que proibia o ingresso de cidadãos de sete países de maioria mulçumana. Esta atuou em aliança com as grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício e os meios corporativos liberais que no momento são a direção política e ideológica da “frente anti Trump” até que o partido democrata se recupere da crise provocada pela derrota de Hillary Clinton.

A segunda foi a saída forçada de seu assessor de segurança nacional, Michael Flynn, que expressava mais diretamente a política de aproximação com a Rússia que, com gestos e tweets politicamente, Trump vem levantando desde quando era apenas candidato. A este fato soma-se à saída voluntária do então Secretário do Trabalho Andrew Puzder, Diretor Executivo de uma rede de restaurantes fast-food. Pela esquerda, a quase certeza de que faria desencadear protestos com altas possibilidade de êxito da campanha de salário mínimo de 15 dólares a hora, e, pela direita, sua posição ambígua sobre a imigração que colocava em dúvida a aprovação no senado (justamente sua firma é uma das que mais explora mão de obra imigrante) terminaram de convencer a este empresário que o melhor era recusar o convite.

O “affaire Flynn” é sem dúvida o golpe mais duro até agora que a administração republicana de Donald Trump recebeu. Nesta crise está envolvido o chamado “estado profundo” – esse aglomerado nebuloso de agências federais, espias e militares – cuja rivalidade levou a diversos escândalos. Isto colocou uma crise profunda na política externa norte americana. Por sua vez evidenciou uma fratura profunda dentro da política externa norte-americana.

É um segredo de bastidores como o diretor de inteligência militar sob o governo Obama, Michael Flynn boicotou a política oficial norte-americana na Síria de “armar os rebeldes” para derrubar o regime de Assad, executada pela CIA de acordo com a Turquia, Catar e Arábia Saudita. A linha do setor do Pentágono, onde se encontra Flynn, era fazer um acordo com a Rússia e colocar de pé uma “guerra contra o Estado Islâmico” para o qual compartilhou de maneira indireta inteligência militar com o regime Sírio.

Não é de se estranhar as publicações da imprensa, em particular o diário Washington Post, tais como, as conversar entre Flynn e o embaixador Russo nos Estados Unidos em que ele, ainda que futuro conselheiro da segurança nacional discutia como diminuir o impacto das sanções contra a Rússia que Obama acabava de impor.

Outra hipótese de conflito interno surgiu da economia. As grandes corporações, que apostaram em Hillary, vêm respondendo ao governo Trump com a posição nada original de aproveitar tudo o que as beneficiam – o recorde de impostos, as desregulamentações trabalhistas, financeiras e ambientais, as práticas antissindicais – e opor-se ao que vai contra os seus interesses. Este é o clima que por ora caracteriza a Wall Street que por enquanto está em alta.

No entanto, seria equivocado afirmar que os donos do grande capital norte-americano têm uma posição homogênea. Eles se garantiram no Tesouro norte-americano através dos diretores executivos da Goldman Sachs. As petroleiras e as mineradoras (setores em geral ligados a questão energética) também estão mais próximo do governo, como Rex Tillerson, ex-diretor executivo da Exxon Mobil, como secretário de Estado.

As montadoras estão adotando uma posição mais cautelosa que se baseiam na consideração de que por ora o “protecionismo” de Trump é negociável e que a mudança de concessões menores, como manter parte dos postos de trabalhos, poderiam obter (gerar?) importantes benefícios.

A oposição burguesa mais determinada contra Trump parece estar concentrada no Vale do Silício. Estas empresas podem beneficiar-se em um curto prazo, entretanto, estrategicamente está em confronto com a administração trumpista, já que elas são as principais beneficiadas pela atividade produtiva na China e em outros países que se apropriam de relações precárias de trabalho.

Trump deixou bem claro que o status quo terminou e que de agora em diante o mundo terá que se deparar com um Estados Unidos mais protecionista. Em um marco de incertezas generalizadas, o que podemos esperar é uma política comercial mais agressiva. Isto implica, por exemplo, firmar acordos comerciais com blocos ou regiões por meio de relações bilaterais que permitam a obtenção de vantagens qualitativas para o capital norte-americano que(neo)liberal. Isto coloca, obviamente, em uma primeira linha de fogo a China e outros aliados, como por exemplo, Japão, Alemanha e México.

Para além deste componente comercial da política externa, é evidente que o presidente não tem uma “grande estratégia”. Suas declarações amigáveis com a Rússia e com o presidente Putin assinalam um giro significativo da política de hostilidade que sustentaram as administrações republicanas e democratas nas últimas décadas. Porém, ainda não está claro o significado concreto. Alguns analistas especulam que ese flerte com a Rússia é de curto prazo e acontece para tentar resolver a situação na Síria e, por vez, romper a aliança da Rússia com o Irã. Outros, no entanto, apontam que é uma mudança estratégica e que tem a ver com inverter a relação estabelecida por Nixon a princípios da década de 1970 – aliar-se a China contra Rússia – e separar a Rússia do bloco em que converge com a China.

De qualquer maneira o incidente com Flynn mostra a grande resistência interna que encontrará se esta for a sua política.

Apesar de seu unilateralismo verbal grosseiro (por exemplo, considerar “obsoleta” a OTAN) em princípio parece ter como estratégia não se retirar dos acordos e sistemas de alianças dos Estados Unidos, embora se renegocie uma redistribuição dos encargos de financiamento e de orientação, que por ora recaem fundamentalmente nos Estados Unidos.

O método de amenizar e logo retroceder sem nada em troca que Trump ensaiou com China não parece ser idôneo para reverter a declinante hegemonia norte-americana. Esta política é taticamente explosiva, entretanto, sem um conteúdo estratégico claro está aumentando as tensões a nível internacional e pode levar a conflitos comerciais e, inclusive, militares de grande magnitude.

Trump é sem dúvida um governo burguês e anti-operário. Mas tem debilidades de principio para assentar-se como uma “saída cesarista”. Inclusive não se pode descartar que o que vá mais longe do que convém ao grande capital acabe voltando. Embora esta hipótese ainda seja prematura, não deveria chamar a atenção que desde o primeiro dia da presidência havia setores republicanos, como os que são liderados pelos irmãos Koch, trabalhando para condicionar o mais possível a Trump e construir uma liderança alternativa. E que nos meios liberais circule a ideia de “impeachment” como saída de emergência.

O mais interessante para aqueles que militam pelo fim do capitalismo é que esta instabilidade na burguesia e na política norte-america abre espaço para a luta dos setores explorados e oprimidos. Os trabalhadores não estão sozinhos. Ao seu lado estão as mulheres que tomaram Washington e as principais cidades no dia 21 de janeiro; os milhões de jovens que votarão pela esquerda em Sanders, os que tem se mobilizado contra as políticas anti-imigrantes de Trump e os explorados e oprimidos de todo o mundo, como os trabalhadores mexicanos que sofrem com a ofensiva imperialista. Neste cenário, o partido democrata está tentando capitalizar os setores que estão descontentes. É necessário se opor a essa alternativa e construir uma saída operária, anti-imperialista e anticapitalista.


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