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ESTADO ESPANHOL | Um governo “da mudança” liderado pelo PSOE?

O Podemos faz uma proposta de governo “da mudança” ao PSOE e à Izquierda Unida, cujo presidente seria Pedro Sánchez, do PSOE, e seu vice seria Pablo Iglesias, do Podemos, de modo que os ministérios seriam repartidos proporcionalmente entre os partidos. Sánchez disse estar disposto a negociar, enquanto Rajoy se recusou a lutar por sua investidura. À luz da experiência grega, e da promessa de novas frustrações, é necessário reativar a mobilização social e a luta para impor processos constituintes em todo o Estado.

Diego LotitoMadri | @diegolotito

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

quarta-feira 27 de janeiro de 2016 | 03:10
Pablo Iglesias en Twitter: "Hemos hecho una propuesta de gobierno seria y Rajoy ha dado un paso atrás. El cambio es posible. Espero que el PSOE esté a la altura"

A proposta que Pablo Iglesias contou a Felipe IV durante sua reunião na manhã do dia 20 de janeiro, chamando o PSOE a formar um “governo da mudança”, marca o terreno do debate político para os próximos dias, assim como coloca ao líder do PSOE, Pedro Sánchez, em um impasse ou cilada. Se rejeita a proposta, irá confiante às novas eleições, no entanto o Podemos seguirá com o “discurso unitário”.

“Hemos hecho una propuesta de gobierno seria y Rajoy ha dado un paso atrás. El cambio es posible. Espero que el PSOE esté a la altura”

— Pablo Iglesias (@Pablo_Iglesias_) 22 de Janeiro de 2016

Os setores do establishment político vêm clamando pela possibilidade de um governo PSOE-Podemos. O jornal El País publicou no seu editorial de capa de sexta defendendo sem ressalvas por que o Podemos não deveria seguir esse caminho, que se somou às várias declarações de imprensa da semana passada contra o Podemos.

Depois de receber Iglesias, o monarca recebeu Pedro Sánchez, a quem informou a proposta do líder do Podemos. Depois da coletiva de imprensa que realizou ao terminar a reunião, Sánchez não teve outra opção senão dar uma resposta ao Podemos. Fez isso colocando panos frios na proposta, dizendo que a negociação acabara de ser aberta e que esperará Rajoy tentar formar governo para, depois do seu fracasso, tentar fazer o mesmo. No entanto, ao mesmo tempo reconheceu que os eleitores socialistas não iriam entender que se frustrasse um governo com o Podemos.

A última das reuniões que o rei teve – após de uma semana de reuniões com os partidos – foi na sexta-feira (22) à tarde com Mariano Rajoy. Pouco depois, a Casa Real informou que Rajoy se negou a apresentar a sua investidura, de modo que se abrirá uma nova rodada de reuniões na próxima semana. Minutos mais tarde, o próprio Rajoy compareceu em uma coletiva de imprensa para dizer que “não retiraria a sua candidatura”... mas que ainda não teria apoios para mantê-la. Enfim.

Entre todo tipo de especulações, algumas somente quiseram ver uma “jogada inteligente” de Rajoy para aumentar a pressão sobre Pedro Sánchez, esperando que os barões do PSOE bloqueassem qualquer intenção de pactuar com o Podemos. Mas o fundamental é que a negativa de Rajoy a submeter-se às eleições soa mais como uma espécie de consumação da derrota do PP. Os números para formar governo não são atingidos e Rajoy não gostaria de se expor a uma votação negativa do Parlamento.

Dessa forma, a possibilidade de um “governo de esquerdas” está mais próxima, mas as coisas não são tão simples. Os números os aproximam, mas não são suficientes. A soma PP + Ciudadanos é de 162 deputados. A soma PSOE + Podemos + Izquierda Unida é de 161. Se prosperasse o acordo, levando à segunda votação para a posse de Sánchez – que necessitaria apenas de uma maioria simples para vencer -, a “coalizão progressista” necessitaria ainda do apoio de dois deputados e que ninguém mais votasse contra ele.

Porém, para chegar a isso, primeiramente seria necessário resolver as resistências dentro do próprio PSOE, cujos barões socialistas rangem os dentes e, alguns deles, por baixo, apostam inclusive em uma “grande coalizão” com o PP. Dirigentes do PSOE como Rubalcaba, Madina e outros, têm caracterizado a proposta de Pablo Iglesias como uma “tentativa de humilhação” e “insulto”.

As negociações seguirão nas próximas semanas, assim como a incerteza política. O cenário de novas eleições em abril ou maio não é descartável, mas agora a possibilidade de um “governo progressista”, ou “governo da mudança” com PSOE, Podemos e IU ocupa o centro do debate.

Governando com a casta

Pablo Iglesias convidou o PSOE a iniciar de imediato as negociações públicas para formar um governo “da mudança”: “A Espanha não permite esperar por Rajoy”, disse. “Vamos falar de governos, de equipes e tarefas, e nós não debatemos com linhas vermelhas”. “Um governo plural com uma composição proporcional aos resultados do 20D, os resultados do PSOE, do Podemos e suas confluências, e também da Izquierda Unida”, assegurou Iglesias.

Encorajado e sabendo que estava ditando o ritmo das negociações, Pablo Iglesias indicou sua proposta de governo. Em primeiro lugar, medidas urgentes para os 100 primeiros dias, “para impedir situações graves de emergência social, como os despejos sem alternativa habitacional, como os cortes de subsídios para os pobres, ou como os casos de mulheres vítimas de violência machista sem alternativa habitacional imediata. Ao mesmo tempo deve-se impedir que centenas de milhares de cidadãos espanhóis em situação de desemprego não possam obter nenhum crédito”.

Em segundo lugar, falou em “medidas de Estado para afrontar as mudanças constitucionais que são necessárias à nova transição que estamos vivendo”.

Analisadas a despeito do seu golpe de efeito, as propostas de Iglesias se reduzem a um conjunto de definições abstratas e de conteúdo social morno para abrir as negociações com o PSOE e mostrar-se disposto a negociar “sem linhas vermelhas” [marcos rígidos]. No entanto, a estratégia de “governo progressista”, seguindo o modelo português, é dizer, sob a liderança socialdemocrata – ainda que neste caso mais “radicalizado”: em Portugal, o Bloco apoiou a candidatura de Costas, mas não entrou no seu governo – é o oposto da luta para resolver as demandas democráticas e sociais mais básicas.

O PSOE, partido pilar do regime bipartidário de 78, que governou com Felipe González entre 1982-1996 e com Zapatero entre 2004-2011, não é nenhuma alternativa de “mudança” real para os trabalhadores e setores empobrecidos. Pelo contrário, é o partido que gerou grande parte da crise capitalista, iniciando o resgate dos bancos e descarregando a crise nas costas dos trabalhadores, tirando direitos sociais, aplicando cortes e demissões em massa. É o partido que nega o direito à autodeterminação e que tem como bandeiras principais a defesa da monarquia e da unidade da Espanha. Aquilo que o próprio Podemos estigmatizou como “a casta” junto ao PP. No entanto, isso foi antes. Agora as coisas então mudando e Pablo Iglesias tem se tornado um “homem de Estado”.

Com a sua proposta de governo, o Podemos chega à última estação do seu “giro ao centro” e seu abandono das demandas democráticas fundamentais que se expressaram com muita força no 15M, que identificava claramente o PP-PSOE como a “casta política”, ambos responsáveis pela crise, “políticos corruptos a serviço do mercado e dos bancos”.

Depois das eleições municipais de maio de 2015, o Podemos deu um passo importante em sua aproximação com o PSOE, apoiando a formação de governos socialistas em várias prefeituras em troca do apoio do PSOE em cidades como Madri e Barcelona. Porém, mantinha que não iria se integrar em governos presididos pelo PSOE. Agora, dá um passo maior em direção à integração ao regime, e pede para ser vice-presidente de Pedro Sánchez em um governo que não tem nada de “esquerdas”, mas, sim, muito de “restaurador”.

A experiência na Grécia, onde um “governo anti-austeridade” encabeçado pelo Syriza terminou aceitando todas as imposições da Troika para transformar-se em seu aplicador direto (http://www.izquierdadiario.es/Syriza-sigue-aplicando-recortes-y-los-sindicatos-preparan-tercera-huelga-general?id_rubrique=2653), deveria ser uma valiosa lição para o momento atual do Estado Espanhol (http://www.izquierdadiario.es/Grecia-Portugal-y-Estado-espanol-algunas-lecciones-politicas-sobre-los-gobiernos-antiausteridad?id_rubrique=2653). Mas quando, nesse caso, se tratava de um governo sem os socialdemocratas do PASOK: a proposta de Iglesias se localiza claramente à direita da de seu amigo Tsipras.

Mais de cinco milhões de pessoas deram o seu voto ao Podemos no 20D. Quase um milhão o fizeram à Izquierda Unida. Em sua maioria, a virada eleitoral em direção às “opções da mudança” expressou as ilusões de que pela via eleitoral-institucional poder-se-ia conquistar as reivindicações democráticas e sociais que ressoaram em cada uma das manifestações que têm percorrido o Estado desde o início da crise capitalista.

Podemos (e IU) ainda que não se tenham se prepararado para dar soluções a tais demandas, se predispuseram a repetir a experiência grega. Ou pior ainda, a emularam desde uma posição muito mais moderada, subordinada a um dos pilares do regime, atuando como verdadeiros médicos de cabeceira do capital. Como dizia Marx, a história se repete duas vezes, primeiro como tragédia e depois como farsa.

As negociações não terminaram e a crise política ainda está longe de se resolver. Porém, diante da promessa de um “governo de esquerdas” que somente pode trazer novas frustrações, se torna imprescindível a luta para reativar a mobilização social e impor verdadeiros processos constituintes no Estado Espanhol e nas nações onde se possa discutir tudo e resolver tudo.




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