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Muitas amigas, amigos e familiares postaram em suas páginas no facebook a enorme indignação e revolta com a violência desumana praticada por mais de 30 homens contra uma menina de 16 anos. Compartilho esse sentimento e convido todos a transformar essa revolta em luta cotidiana contra a violência às mulheres, no trabalho, na escola, em casa ou nas ruas.

Babi DellatorreTrabalhadora do Hospital Universitário da USP, representante dos trabalhadores no Conselho Universitário

quarta-feira 1º de junho de 2016 | Edição do dia

Diversos textos e relatos exaltaram as ações cotidianas de machismo e a importância de cada homem tomar consciência da opressão que praticam contra as mulheres para, então, mudarem sua postura. Uma vez que se concorde que existe opressão de gênero, é verdade que uma parte da luta contra essa opressão é a decisão individual de se unir à esse combate. Entretanto, o combate não é individual e não se efetiva com a mudança de consciência, mas sim na relação entre a consciência e o combate para mudar as condições materiais que jogam as mulheres numa condição desigual.

As mulheres ganham salários menores nas mesmas funções, ocupam os postos de trabalho mais precários, são responsabilizadas pela criação dos filhos ao passo que as creches são insuficientes. Mesmo as que trabalham fora, estão confinadas à vida doméstica em seu tempo “livre”. A vida pública e política ainda permanece dominada pelos homens, até mesmo nos sindicatos dirigidos pela esquerda.

Está na moda dizer que devemos lutar pelo empoderamento das mulheres, ou seja, para que nós estejamos em cargos de poder nas empresas, nos Congressos. É um fato que as mulheres não estão ou são minoria nesses espaços e, no Brasil, essa situação se reforça com o governo golpista de Temer. Mas esse “empoderamento” não traz à tona a forma como as coisas funcionam, pois se tudo permanece como é não adianta ter uma mulher à frente. Passamos pelo governo de Dilma e as mulheres continuaram sem creches, ganhando salários menores, a copa ocorreu e o tráfico de sexo e pessoas também seguiu, houveram várias greves de trabalhadoras terceirizadas por falta de salário e os estupros não diminuíram.

A questão sobre como funcionam as coisas é fundamental. Vivemos sob o capitalismo onde o que importa é o lucro, esta é a lei do mercado e esta lei se impõe sobre nossas vidas, sobre a vida das mulheres. É muito lucrativo se apoiar na visão de que as mulheres são inferiores para poder relegar à esta metade da população os piores empregos e condições de vida. E ainda tem o bônus de poder contar com um costume bastante antigo e útil de que são elas que devem garantir a limpeza da casa, a comida e a criação dos filhos, ou seja, esse trabalho doméstico é feito gratuitamente pelas mulheres, nenhuma empresa ou Estado gastam com isso. Assim, os governos e empresas capitalistas lançam mão de tudo o que possuem, mídia, escolas, polícia, leis, para reforçar essa visão. O único limite que encontram são as lutas de resistência.

Justamente nessa questão sobre como as coisas funcionam é que a opressão se funde com a exploração e a luta pela libertação das mulheres se funde com a luta contra o capitalismo. Dizer isso, significa dizer que é preciso lutar pelas condições materiais onde todas as pessoas possam ser livres, onde cada um contribua com seu trabalho para a construção e manutenção da sociedade e da vida, onde não haja a exploração do trabalho de muitos em benefício de uns poucos. Pelas condições materiais de ser livre é que a luta das mulheres é contra o capitalismo e junto com a classe trabalhadora.

Alguns grupos de esquerda que se dizem anticapitalistas e/ou revolucionários como o MES, corrente do PSOL, apesar de afirmar que a luta das mulheres é contra o capitalismo, não colocam essa orientação estratégica na prática. Nós mulheres não estamos soltas no mundo, somos estudantes, trabalhadoras, mães. Na medida em que não colocam a luta em defesa dos direitos das mulheres ligada à luta de classes, às greves em curso, em particular onde tem peso de direção, separam essa demanda da luta das trabalhadoras e trabalhadores, levando ao absurdo de chamar por uma “greve de mulheres”, expresso no cartaz abaixo veiculado pelo coletivo Juntas no facebook. Onde poderia se dar uma greve de mulheres senão em base a nossa articulação em cada fábrica, cada escola, cada universidade? Nós mulheres estamos e sempre estivemos na linha e frente das lutas e greves, como as operárias russas em 1917, as trabalhadoras têxteis de Massachusetts (EUA) em 1908, em greve por "pão e rosas", e diversos outros acontecimentos revolucionários da história.

Ao desvincular a luta contra a opressão da luta contra o capitalismo, acaba por levar uma política reformista de empoderamento das mulheres dentro desse sistema, ou seja, sem mudar como as coisas funcionam. Terminam levantando bandeiras muitas vezes parecidas com as que empresas como a Avon levanta, empresa essa que vem se aproveitando da primavera das mulheres para fazer campanhas de empoderamento da mulheres ao mesmo tempo que aumenta ainda mais seus lucros sem deixar de lado a exploração de milhares de trabalhadoras pelo mundo. Pois sua estratégia de luta não representa nenhum risco a continuarem explorando e oprimindo mulheres.

Terminam se adaptando e fortalecendo uma perspectiva reformista que desliga as lutas pelos direitos mais elementares das mulheres de uma luta contra o estado capitalista, responsabilizando também o estado pela situação de violência às mulheres. Não poderíamos esperar algo diferente de uma organização que frente a crise política nacional venerou a Lava Jato como saída pros trabalhadores, o que somente contribui no fortalecimento do Poder Judiciário e da Polícia Federal como instituições do Estado que rapidamente se fortalecem pra se voltar contra os trabalhadores e também contra as mulheres, já que tanto a justiça quanto a polícia legitimam e reforçam a violência que vivemos.

Em 2014, durante a greve da USP, a Secretaria de Mulheres do Sintusp junto a várias trabalhadoras e trabalhadores organizaram debates sobre o machismo, a homofobia, o assédio moral e sexual onde muitos puderam se expressar e refletir coletivamente nos atrasos que essa ideologia nos impõe, avançando para que estas demandas sejam parte da luta da categoria de trabalhadores da USP. No ano seguinte, os trabalhadores da prefeitura do campus, unidade de maioria masculina, protagonizaram uma greve contra o assédio moral que as chefias praticavam contra trabalhadores homossexuais, mostrando com seus métodos de classe (greve e piquetes) que não aceitam que os patrões usem a opressão pra dividir, assediar e explorar os trabalhadores.

É com essa perspectiva de classe que convido a todos para lutarem por essa menina de 16 anos e por todas as mulheres que sofreram com o estupro e feminicidios, últimos elos na cadeia de violências institucionais e cotidianas pelas quais cada mulher passa em qualquer lugar do mundo.




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