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Movimento Estudantil | Um debate com o Afronte-PSOL sobre o papel do DCE da UFMG na luta contra Bolsonaro

Para que cada caloure, veteloure e cada estudante possa encontrar na nossa auto-organização, nos coletivos e entidades estudantis uma força para enfrentar as mazelas que nos assolam dia a dia, queremos discutir os desafios do nosso Diretório Central dos Estudantes

MaréProfessora designada na rede estadual de MG

Lina HamdanMestranda em Artes Visuais na UFMG

terça-feira 5 de abril de 2022 | Edição do dia

Foto: Samantha Jully | Acervo DCE-UFMG

Na última semana voltaram as aulas na UFMG. A alegria de poder nos rever, nos conhecer, conhecer os campi da universidade, estar mais perto de todo o conhecimento que ela contém, se mesclou com a indignação com as filas do bandejão, os enormes gastos com alimentação e transporte, a corrida de alguns que seguem sem ter onde morar, dentre tantos problemas de permanência estudantil.

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Mas, dessa vez, o período de recepção de caloures não é como os outros. Ineditamente, cinco "gerações" de ingressantes finalmente passaram a ter contato com o espaço da universidade de uma só vez, tendo a oportunidade de conhecer, dentre tantas coisas, o movimento estudantil. Para que cada caloure, veteloure e cada estudante possa encontrar na nossa auto-organização, nos coletivos e entidades estudantis uma força para enfrentar as mazelas que nos assolam dia a dia, queremos discutir os desafios do nosso Diretório Central dos Estudantes, dirigido principalmente pelo coletivo Afronte/PSOL, junto de outros coletivos como Rua/PSOL e Fogo no Pavio/MTST.

Não poderíamos começar a falar sobre como fortalecer o movimento estudantil na UFMG sem partir de reivindicar e nos solidarizar com as greves dos trabalhadores da educação estadual e municipal de MG e de Belo Horizonte, do metrô de BH, da UEMG e da Fundação Hospitalar do Estado de MG (Fhemig). Ao mesmo tempo que as universidades sofrem cortes e ataques do governo Bolsonaro e Mourão e da extrema direita que quer inclusive acabar com as cotas, quando nós estudantes temos dificuldades de pagar as contas para estudar e enfrentamos empregos precários e o desemprego, a luta dos trabalhadores é o mais importante ponto de apoio que podemos ter.

As greves da educação de MG precisam ser amplamente apoiadas na UFMG, inclusive fizemos chamados para incorporar esse tema como parte da recepção de caloures e fizemos atividades com grevistas, porque devemos travar uma mesma luta de estudantes, professores e demais trabalhadores das escolas e da universidade em defesa da educação pública. As pautas dessas greves (reajuste salarial por Zema e Kalil, plano de carreira por Kalil e a não aprovação do Regime de Recuperação Fiscal de Zema) é de interesse de toda a sociedade, afinal, é cada vez mais raro quem não tenha deixado itens essenciais na prateleira dos supermercados por falta de dinheiro, quem não sofra com os desmontes dos serviços públicos, entre outras consequências da crise capitalista.

No caso des universitários, em especial, se trata de defender o aumento também das nossas bolsas estudantis, com reajuste automático delas e dos salários conforme a inflação; é para defender os futuros empregos de muitos de nós, sem cargos precarizados e terceirizados e sim efetivos com plenos direitos; dentre outras demandas fundamentais para a educação pública e pelo nosso futuro. Também nos toca diretamente a greve no metrô que luta contra a privatização de Bolsonaro-Mourão com o apoio de Zema. Sentimos na pele todos os dias, ainda mais com o retorno presencial, o aumento da passagem, a precarização dos transportes e os interesses da máfia do transporte, que vem fechando linhas e diminuindo a circulação dos ônibus na cidade em nome de preservar seus lucros.

Entrevista: Estudantes em apoio aos trabalhadores da educação de MG

Esse tema é “a ponta do iceberg” de discussões profundas que precisam ser feitas entre o conjunto dos estudantes, com as entidades estudantis e os coletivos de esquerda. Em especial, queremos desenvolver o porquê consideramos que a política que o coletivo Afronte/PSOL leva à frente da nossa principal entidade estudantil - o DCE - e de alguns CAs e DAs é equivocada ao se adaptar à estratégia petista de canalizar nossas lutas para as vias eleitorais e institucionais.

O problema da estratégia meramente eleitoral não é um detalhe

Desde antes das eleições para o nosso Diretório Central dos Estudantes, em novembro do ano passado, viemos discutindo na UFMG e em todo o país como realmente derrotar Bolsonaro-Mourão e essa extrema direita machista, racista, LGBTQIA+fóbica, capacitista, xenofóbica e tantas outros adjetivos que se pode usar para descrever esse setor deplorável. No movimento estudantil há diferentes proposições de respostas para essa inquietação.

Há setores, como o próprio Afronte, que falam sobre “lutas nas urnas e nas ruas”. Mas na prática, apenas se vê uma defesa da política conciliatória do PT nas eleições, centrando forças na campanha Lula 2022, sem tirar lições do golpe institucional de 2016, levado a cabo pelo Congresso e pelo Judiciário junto dos setores mais reacionários do país com quem o PT havia se aliado durante todos seus governos anteriores. É importante lembrar que Michel Temer (MDB), o vampirão da PEC 55 do Teto de Gastos, da reforma do Ensino Médio e da reforma trabalhista, era vice do governo Dilma neste momento. Desde ali, a política do PT já era a de concentrar forças para as próximas eleições, quando ouvíamos o "Lula 2018", até que vimos Lula ser preso arbitrariamente pela Lava-Jato e a população ter seu direito de votar em quem quiser arrancado pelo regime golpista que abriu caminho ao reacionário governo Bolsonaro.

Agora, em 2022, o Afronte faz um pedido encarecido para que Lula deixe de ser o que sempre foi e de fazer o que sempre fez e que não vai deixar de fazer: conciliar com a direita e com os grandes empresários, latifundiários, igrejas etc. Mas, como viemos alertando, a defesa de Lula de ter Geraldo Alckmin na chapa presidencial é um aprofundamento da política de conciliação do PT, e diz muito sobre o próprio Lula e seus planos. Como ele mesmo diz, “ganhar as eleições é fácil, o difícil é governar”, e isso significa que seu projeto é governar para e com aqueles setores que deram o golpe institucional de 2016 e se beneficiaram dos ataques que o governo Bolsonaro levou a frente durante esses duros últimos anos.

Em Minas Gerais, o PT se prepara para fortalecer Alexandre Kalil (PSD), que demagogicamente se postulou como um grande defensor da vida e da ciência, mas até hoje não reverteu o corte de ponto das trabalhadoras da educação que fizeram greve sanitária em 2021 contra o retorno inseguro que o prefeito teceu junto aos empresários da educação privada. E, repetindo o autoritarismo dos governos Zema e Bolsonaro, Kalil mandou a guarda municipal reprimir as educadoras em greve em sua despedida da prefeitura, como já havia feito no início de seu mandato contra educadoras da educação infantil. Lembrando que Kalil é do centrão, do PSD, partido que foi e é base parlamentar para que Bolsonaro passe inúmeros ataques contra a população. Lembremos as inúmeras declarações machistas e LGBTQIA+fóbicas de Kalil. Como disse a professora em greve Flavia Valle, é com Alckmin e Kalil que vamos derrotar Bolsonaro? Nós e as professoras municipais temos certeza que não.

Enquanto isso, o PSOL faz uma federação com o “ecocapitalista” Rede, partido defensor do golpe institucional de 2016, financiado pelo Itaú e pela Natura, com um programa que tem a cara desses setores e passa muito longe de qualquer perspectiva socialista. O Afronte tem sido, no PSOL, um dos setores que mais se esforçam para conduzir a luta antibolsonarista para a armadilha da via eleitoral, e quer fazer o mesmo com a nossa principal entidade estudantil na UFMG.

Ou seja, no âmbito eleitoral a única “luta” que se vê é uma batalha para subordinar os setores da esquerda ao poço sem saída que é a subordinação ao PT. Mas basta olhar o último período no país e no mundo para ver o que realmente fez os políticos representantes dos capitalistas, como Bolsonaro, Mourão, Zema e Kalil, tremerem; basta olhar para as experiências de eleições no Chile, na Bolívia, no Peru e nos EUA para ver que a extrema direita não desaparece com a posse de outro presidente, e que os governos ditos progressistas, em tempos de crise, também a descarregam nas nossas costas. No Peru inclusive o Resistência/Afronte e outros grupos da esquerda defenderam a candidatura de Castillo, que no início deste ano estava literalmente tirando o chapéu para Bolsonaro.

Esse panorama explica porque nas ruas, nos locais de estudo e de trabalho, nos movimentos sociais, etc., o discurso “de luta” por parte dessa corrente é sempre subordinado às eleições e disputas institucionais. E para entender esse âmbito da discussão, queremos usar um exemplo concreto e recente: o Afronte, na direção do DCE da UFMG, se negou a organizar dentre es estudantes uma solidariedade às lutas em curso em MG que pudesse ser um respiro de ar fresco a serviço dos desafios colocados por essa realidade massacrante e miserável que vivemos.

As greves de trabalhadores em curso não podem ser tratadas com rotineirismo pelo Movimento Estudantil

Nós, da Juventude Faísca Revolucionária, temos batalhado para que as greves em curso e, principalmente, as da educação de MG sejam conhecidas e apoiadas na UFMG. Por isso, fizemos uma campanha de fotos que contou com centenas de apoiadores de diversas partes do país, e, nas entidades estudantis de que somos parte, propusemos aos estudantes que usássemos a recepção de caloures para esse mesmo objetivo. A programação da calourada do curso de Artes Visuais, que incluía atividades da e sobre a greve, por exemplo, foi parar em grupos de WhatsApp de grevistas da educação estadual, com trabalhadores e trabalhadoras comentando, moralizados, como os fortalece serem reconhecidos pelos estudantes da UFMG. Uma das atividades reuniu mais de 50 estudantes, além de algumas professoras em greve, para debater essa luta e sua ligação com o movimento estudantil.

Também entramos em contato com outras entidades estudantis e coletivos, dentre eles o próprio Afronte, para pensar iniciativas conjuntas de apoio às greves. Em uma reunião de organização da recepção de caloures da UFMG, levamos propostas concretas para isso: a organização dos estudantes para comparecerem aos espaços de mobilização com uma faixa escrito “estudantes da UFMG em apoio à greve da educação de MG”. Também propusemos que a campanha de fotos que já tínhamos iniciado fosse construída por cada coletivo e entidade. Além disso, batalhamos para que a primeira atividade do DCE na recepção de caloures fosse dedicada a discutir a importância da greve neste contexto político nacional e internacional, com convidados grevistas. Uma batalha que nessa reunião também se somaram es companheires da Juventude Vamos à Luta/PSOL, parte do DA IGC, defendendo nossas propostas e propondo a postagem de um vídeo conjunto e de uma nota pública nas redes do DCE em apoio. Diante da recusa do DCE de encampar essas propostas, esse vídeo foi gravado na assembleia da rede estadual do dia 16, contando também com a participação do coletivo Juntos!/PSOL desde o DA da FAFICH e o CA da Psicologia.

No entanto, a resposta do DCE a estas propostas foi que “haviam outras prioridades” e que a entidade não ajudaria a organizar uma atividade assim e nem disponibilizaria forças para levar es estudantes às atividades de greve. O que é no mínimo estranho, visto que até a carreta furacão foi mobilizada para a semana de recepção de caloures. Es militantes do Afronte argumentaram que iriam se orientar pela política segundo a qual foram eleitos, o que nos leva a perguntar duas coisas.

A primeira é: por que o apoio às lutas dos trabalhadores e a aliança do movimento estudantil com elas como método para conquistar nossas próprias demandas não faz parte, desde o início, da plataforma da gestão do Afronte? Mas, mais importante que isso: o que impede a direção de uma entidade estudantil de rever suas prioridades a qualquer momento quando isso é, indubitavelmente, em nome de fortalecer o apoio des estudantes a uma luta que se conecta profundamente com as suas demandas dentro e fora da universidade? Em que mundo o Afronte vive senão o Brasil de Bolsonaro e Mourão, da insegurança alimentar, inflação, precarização do trabalho, desemprego, perda do poder de compra… mazelas que afetam sobretudo as mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência e imigrantes?

A gestão do DCE argumenta que existem outras questões tão importantes quanto a greve da educação, por exemplo as questões que envolvem as opressões que atravessam es estudantes e a situação política do país. Mas de qual ângulo a esquerda e o movimento estudantil devem encarar essas questões tão fundamentais para todes nós, senão olhando desde baixo, pelos olhos das mulheres negras que trabalham na limpeza e nas cantinas e que param as escolas porque, no governo Bolsonaro e Mourão e de Zema, não recebem sequer um salário mínimo? Como não encarar a situação nacional pela voz de professores e professoras cuja profissão cruza inúmeras mazelas sociais, que são vistas na sala de aula em cada estudante jovem, mulher, LGBTQIA+, pobre, negro, periférico, filhos de trabalhadores…? Estudantes esses que em maioria sequer sonham entrar na universidade pública, barrados pelo filtro social e racial do vestibular e que veem mesmo seu direito à cota racial e a urgência das cotas trans serem questionadas por esses mesmos governos?

Consideramos que há uma resposta: tudo isso só se justifica por uma política eleitoralista, que alimenta ilusões na representatividade institucional e afasta es estudantes de um caminho em que possamos nós mesmos sermos sujeitos de nossas demandas e organização para derrotar esse governo e essa extrema direita inescrupulosa. Apostar na luta de classes para derrotar Bolsonaro é tudo que Lula e o PT não fazem, e a enorme adaptação do Afronte a esse partido é o que faz com que nas entidades que essa corrente dirige terminem por não dar centralidade pras lutas em curso. Esse papel é muito funcional à majoritária da UNE (UJS, PT e Levante) que sequer comenta sobre as greves em MG.

Mesmo os coletivos que são críticos à política do Afronte de subordinar o movimento estudantil aos objetivos eleitorais do PT, como o Correnteza/UP e o MUP/PCB, não colocaram a solidariedade às greves à frente de suas atividades de recepção e nas entidades que dirigem. Aliás, quase não vemos essas juventudes nas assembleias e atos de grevistas. Toda política deles consiste em construir abaixo-assinados pelos mais diversos temas, mas nunca fomentando a auto-organização desde a base para es estudantes serem sujeitos das suas demandas e reivindicações. Mesmo o Vamos à Luta, Juntos! e Rebeldia, que chegaram a participar das atividades da greve estadual, não colocam todas as suas forças a serviço de fortalecer dentro da UFMG uma forte campanha de solidariedade para unificar estudantes e trabalhadores.

As eleições refletem, de forma distorcida, a correlação de forças que existe no país desde já. Isso em si pode ser argumento suficiente para batalhar por não esperar outubro para derrotar Bolsonaro, inclusive porque, como já dissemos, a extrema direita seguirá existindo como força social no país independente do resultado das eleições. Mas quando os trabalhadores tomam em suas mãos a tarefa de conquistar seus direitos, desde os mais elementares, se torna possível mudar as aspirações da sociedade em geral, combater cada ataque em curso e desmascarar os patrões e os políticos e juízes que governam, legislam e atuam de acordo com seus interesses. Dessa forma é possível abrir caminho para propor uma organização social totalmente distinta da miséria que o capitalismo nos reserva. Porém, a lógica eleitoralista da conciliação de classes silencia e enfraquece nossas lutas para não incomodar as alianças com os inimigos dos trabalhadores e dos oprimidos.

Quais são os nossos desafios?

Nossa batalha consiste em ligar cada demanda des estudantes desde baixo, nos locais de trabalho e estudo, nas ruas, começando pelos inúmeros problemas da permanência estudantil, que estão muito evidentes com o retorno presencial e as filas gigantes no bandejão, obrigando es estudantes a literalmente escolher entre comer ou trabalhar. O DCE deveria estar na linha de frente de convocar junte a todas entidades estudantis da UFMG uma assembleia geral para que es estudantes possam debater como organizar essa demanda e impor que a reitoria garanta nossos direitos sem que isso signifique mais precarização do trabalho para os funcionários tercerizados dos bandejões. Se inspirando nas greves em curso e apontando um caminho de mobilização, sem confiança nas instituições, seja na reitoria ou naquelas que, em âmbito nacional como o Congresso e o Judiciário, diariamente atacam nosso direito de viver e de lutar.

Não podemos aceitar que o movimento estudantil seja um mero comitê de campanha eleitoral, porque queremos nos fortalecer para conquistar um mundo novo, liberto de toda opressão e exploração, o que só a unidade na luta de classes pode nos dar. Nós da Faísca Revolucionária chamamos todos os coletivos, entidades estudantis e estudantes independentes a estarem lado a lado das greves da educação, do metrô e da saúde a nível estadual, assim como da greve dos garis do Rio de Janeiro, construindo uma forte campanha de solidariedade dentro da UFMG.

Isso é parte da nossa construção por um movimento estudantil de luta, aliado aos trabalhadores, anticapitalista, independente do reformismo do PT e independente também dos mandos e desmandos da Reitoria da UFMG que limitam nossa atuação. Queremos debater, com todes que aceitam esse chamado, iniciativas que possamos construir juntes, para retornar à universidade construindo a força necessária para conquistar as nossas tantas demandas e batalhar por uma universidade a serviço dos trabalhadores e do povo.

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