Logo Ideias de Esquerda

Logo La Izquierda Diario

SEMANÁRIO

Um debate com PSTU sobre autodefesa, auto-organização e armamento nos dias de hoje, à luz da tradição revolucionária

Vitória Camargo

Elizabeth Yang

Um debate com PSTU sobre autodefesa, auto-organização e armamento nos dias de hoje, à luz da tradição revolucionária

Vitória Camargo

Elizabeth Yang

Diante de uma situação marcada pela polarização no Brasil, com um governo de extrema-direita e em um cenário em que Lula segue liderando nas pesquisas e prima a passividade das massas, o debate quanto ao avanço bonapartista do regime, da violência policial e também de ataques bolsonaristas tem sido muito presente. Junto a isso, apresenta-se o tema da autodefesa da classe trabalhadora. Queremos nesta nota debater, a partir da tradição do marxismo revolucionário, com a visão que o PSTU vem apresentando acerca dessa questão.

Como viemos elaborando, Bolsonaro dá corpo a um projeto de país ultraneoliberal, a serviço de que o grande capital aja livremente, avançando mais ofensivamente contra a classe trabalhadora, os setores oprimidos e o meio ambiente. É a expressão de uma ala de ultradireita do regime nascido do golpe institucional. Para isso, conta com uma base social dos setores mais reacionários, como as forças repressivas do Estado, as Igrejas e o agronegócio. Ainda assim, o cenário estratégico atual brasileiro não apresenta condições para que Bolsonaro e os militares implementem um golpe militar ou medidas de força suficientes para impedir que se reconheça o resultado das eleições, como quer indicar com sua retórica golpista. O recado do último 7 de Setembro, quando Bolsonaro estava mais fortalecido, ainda foi de rechaço às ameaças golpistas por parte da burguesia nacional e do imperialismo também.

Ao mesmo tempo, é preciso enfrentar seriamente tudo o que representam o bolsonarismo e o regime do golpe institucional que o fortaleceu, com seu caráter misógino, racista e LGBTfóbico, que tem avançado para ataques isolados pelo país, como vimos em universidades como a Unicamp e a UFRN, que podem se intensificar até as eleições e precisam ser respondidos à altura. Junto a isso, diante de um “encorajamento” das bases bolsonaristas, a polícia tem incrementado sua violência. Uma expressão contundente disto foi o escandaloso caso de Genivaldo, trabalhador assassinado em uma espécie de "câmara de gás" dentro de uma viatura da PRF de Sergipe, que foi antecedida por uma chacina de 26 pessoas no Rio de Janeiro, na Vila Cruzeiro. Apenas é possível enfrentar essa barbárie na luta de classes. Neste sentido é que debatemos com o PSTU sobre a questão da autodefesa, com quem viemos construindo o Polo Socialista e Revolucionário.

Este debate está centrado nas posições que o PSTU vem colocando sobre a autodefesa e o armamento das massas. Faz isso utilizando distintas formulações que misturam concepções liberais com o marxismo, secundarizando as tarefas estratégicas para que a classe trabalhadora se coloque como sujeito hegemônico, e alimentando ilusões, até mesmo, nas forças repressivas do Estado, adaptando-se, por essa via, ao regime político. Para nós, a questão da autodefesa perpassa o problema da independência política da classe trabalhadora, sua auto-organização, contra toda concepção "cidadã", para enfrentar a extrema direita na luta de classes e inclusive desarmá-los. Vejamos os argumentos do PSTU.

Armamento para autodefesa é tarefa individual ou da classe organizada?

Zé Maria, dirigente nacional dessa corrente, em entrevista ao Esquerda em Debate com Diana Assunção, quando perguntado justamente sobre esta defesa do armamento individual, ressaltou que “o problema da autodefesa, para nós, é uma tarefa coletiva, não é individual, outra coisa é o problema do armamento”. Depois, acerca deste último, define que se trata de uma conquista da revolução burguesa, citando que “um cidadão sem arma não é um cidadão livre, porque um cidadão sem arma em um Estado que é armado está submetido àquele Estado”, que, por sua vez, atende aos interesses dos ricos e poderosos. Conclui, no tema do armamento, que “se a população não se arma, não tem como se defender, e o primeiro passo para isso é a autodefesa, organizada e de forma coletiva”. Já Altino, candidato pelo PSTU, diz à Folha de São Paulo, em sabatina: “a ideia nossa é que os trabalhadores se armem individualmente e coletivamente [1]. Vera Lúcia, pré-candidata à presidência pelo PSTU, também na Folha, quando perguntada insistentemente sobre se seu governo no Brasil distribuiria armas, diz “arma não vai ser para quem pode comprar, é para que todas as pessoas possam elas mesmas se protegerem, sim, e de forma organizada, com a população organizada, ninguém está obrigado a ter uma arma, mas as pessoas precisam saber que, elas querendo (...), elas podem ter”. Por fim, Eduardo Almeida questiona em artigo: “Por que não assegurar o direito coletivo dos trabalhadores ao armamento? Por que não assegurar o direito individual da população brasileira ao armamento, como na Constituição norte-americana? Por que o movimento não pode se defender da polícia, dos jagunços da burguesia e da ultradireita? Por que o povo não pode se defender nas comunidades pobres, tanto dos bandidos como da polícia? Contra o armamentismo bolsonarista, nós defendemos o direito democrático do povo pobre ao armamento”.

Assim, o PSTU vem agitando a necessidade do armamento em seus principais materiais, inclusive na mídia burguesa, e, embora Zé Maria busque situar os temas do armamento e da autodefesa como problemas diferentes, fica claro, em sua própria argumentação e também na de Eduardo Almeida, que esses aspectos estão relacionados. Para eles, trata-se de um “direito individual e coletivo” ao armamento, necessário à autodefesa. A questão é que, ao argumentar, utilizando o enfoque liberal, que o direito democrático às armas é, em si mesmo, ponto de partida para que o cidadão armado não esteja “submetido ao Estado”, e que, sem o direito ao armamento, “não tem como se defender”, termina ancorado na legalidade e no reconhecimento do Estado burguês, e secundariza, o caráter de classe do problema estratégico da autodefesa. Isso não se trata de um equívoco menor da visão do PSTU, que depois se desdobra em problemas maiores.

Primeiramente, é evidente que, diante do Estado, que é “organização coercitiva [2], segundo Trótski, contando com a polícia, os militares e suas instituições, é completamente impotente a autodefesa individual da classe trabalhadora. É uma contradição em termos, diante de uma força organizada. Pelo contrário, não é à toa que o próprio bolsonarismo mobiliza o tema da posse de armas (“um povo armado jamais será escravizado”) como forma de disseminar ideologicamente a reacionária “justiça com as próprias mãos” contra a criminalidade, inclusive em camadas da classe trabalhadora e mesmo em setores precários.

O caso dos Estados Unidos é realmente chamativo. A Segunda Emenda da Constituição norte-americana garante aos cidadãos o direito à posse de armas. Esse direito provém da Guerra da Independência (1775-83), na qual as chamadas “milícias” tiveram um papel fundamental. Hoje esse direito ao mesmo tempo impulsiona uma indústria que faz circular cerca de 310 milhões de armas de fogo no país. Mas esse direito não significa que justamente os setores mais assolados possam enfrentar a violência capitalista, como a candidata a presidente pelo PSTU, a companheira Vera Lúcia, disse na sabatina realizada pelo Correio Braziliense: "Se a população tivesse direito à autodefesa, a polícia, as milícias entrariam nessas comunidades atirando a torto e a direito?" [3]. Claro que sim, poderíamos responder. Só olhar para os EUA, que mantêm um alto nível de violência contra os negros, os trabalhadores e os mais oprimidos. A Segunda Emenda garante o direito individual, o qual também é usado para assegurar armas a aqueles que têm dinheiro para comprar e com qualquer objetivo, inclusive de grupos racistas e fascistas. Na proposta da Vera Lúcia, consistiria em estender esse direito para pessoas pobres, garantindo, além de comida, uma arma para se defender, sem resolver o problema da violência de classe.

A questão é que, desse ponto de vista, o debate na sociedade estadunidense passa a ser polarizado entre o trumpismo, que defende a posse de armas para sua base de extrema direita, como faz Bolsonaro, e a demagogia de Biden que, contra ataques recorrentes, defende o controle estatal, com sua polícia, sobre a posse de armas, que nem chega a levar adiante, inclusive porque seria se enfrentar com uma indústria bastante lucrativa. Trata-se de duas políticas burguesas das alas do regime imperialista, enquanto o PSTU, ao invés de promover clareza política, termina com sua política permitindo que se confunda com a ala da extrema direita bolsonarista, como aponta, infelizmente, o jornalista da Folha, ao qual Vera Lúcia responde que “Bolsonaro não defende arma para todo mundo. Bolsonaro defende ditadura e armas para quem pode comprar. [...] senão teria armas e munições baratíssimas [4]. Em um eventual governo dela, uma pessoa vai ter o direito e se ela quiser comprar uma arma “esse valor vai ser popular” [5].

Nenhuma dessas alas, obviamente, responde à insegurança sentida pelos negros, latinos, trabalhadores, pois tem sua raiz no Estado burguês que usa sua própria violência para oprimir. Não à toa, a fúria negra irrompeu a cena, junto a massas brancas, no Black Lives Matter, sacudindo o coração do império e lançando luz a um sentido correto no debate: organização dos oprimidos, luta de massas nas ruas e dissolução da instituição policial.

Ademais, na concepção do PSTU, o Estado burguês termina por ser o único fiador possível de reconhecer o armamento da classe, e seu problema se resume no direito a comprar armas como afirmam nas citações anteriores Zé Maria e Eduardo Almeida. Pelo contrário, Trótski afirma em outro texto: “se os operários chegam a entender realmente que é um problema de vida ou morte, conseguirão as armas (...). De onde conseguir as armas? Em primeiro lugar, dos fascistas. O desarmamento dos fascistas é uma consigna vergonhosa quando é dirigida à polícia burguesa. O desarmamento dos fascistas é uma consigna excelente quando é dirigida aos operários revolucionários. Mas os arsenais fascistas não são a única fonte de fornecimento. (...) Não devemos esquecer que são os operários, e somente eles, aqueles que fabricam com suas próprias mãos as armas de toda classe [6]. Mas hoje os operários não acham que esse é realmente um problema de vida ou morte, já que, não somente uma parcela significativa deposita ilusões que a resposta à extrema direita virá das eleições, com a chapa Lula-Alckmin “restabelecendo a democracia”, mas também a parcela que vê esse programa com bons olhos está majoritariamente influenciada pelo bolsonarismo e sua ideologia reacionária. Quando o PSTU mistura posições liberais de direitos individuais e outras coletivas gerais, está longe das tarefas centrais da organização da defesa da classe trabalhadora e dos oprimidos contra os ataques e atentados da extrema direita, ainda mais para este momento em que prima a passividade no Brasil, como trataremos adiante.

Frente única, auto-organização e autodefesa

Neste momento, no Brasil, ao mesmo tempo em que o petismo e setores da esquerda denunciam um governo fascista no Brasil a ser derrotado nas urnas (algo que só é possível na luta de classes), mesmo diante de uma atrocidade como uma sessão de “tortura a céu aberto”, definição do sobrinho de Genivaldo, as centrais sindicais e as principais entidades estudantis não se moveram para organizar a classe trabalhadora e a juventude, para responder a algo que remete às próprias câmaras de gás nazistas. A população de Sergipe mostrou o caminho com sua resposta nas ruas. Mas as direções de massas estão voltadas à campanha eleitoral para entregar o poder do país a uma chapa com um repressor da classe trabalhadora e do povo negro, como Alckmin.

Diante disso, o que propõe o PSTU? Escreve: “é preciso discutir e organizar nossa autodefesa contra a burguesia, o agronegócio e a direita. Não adianta ficarmos só com notas de denúncia e repúdio. É passada a hora dos movimentos negros, sindicais e populares organizarem comitês de autodefesa para impedirem e pararem esse projeto genocida de embranquecimento. Por fim, precisamos destruir o capitalismo e construir a revolução socialista (...)”. É chamativo que o PSTU não exija, nem denuncie, que neste momento as centrais sindicais como a CUT e CTB deveriam estar construindo assembleias nas fábricas, nos locais de trabalho, junto aos movimentos negros, estudantis e populares majoritários, junto a organizações de direitos humanos, artistas, também com personalidades públicas democráticas e intelectuais, para discutir como se organizar para se defender dos ataques e atentados isolados de tipo fascista e o aprofundamento da violência policial que estamos sofrendo no país, assim como organizar um plano de lutas contra os ataques econômicos dos capitalistas que aprofundam a miséria da classe trabalhadora brasileira. Foi com essa perspectiva que participamos da reunião da Coordenação Nacional da CSP Conlutas, como pode ser visto aqui.

Como disse Felipe Guarnieri, “no último período, companheiros, o bolsonarismo aumentou seu tom em relação às ameaças de golpe, o que eu não acho, sinceramente, que é parte da correlação de forças hoje, pelos fatores políticos e econômicos de dar um golpe. Mas é um discurso que está no sentido de legitimar ações da extrema direita, como aconteceu na Unicamp. E o petismo, inclusive, que faz alarde muito de que vai ter golpe, vai lá e faz uma atividade eleitoral. Mas na hora que tem essas ações, ao invés de colocar suas centrais sindicais, as organizações estudantis, para combater e neutralizar as forças da extrema direita, não o fazem. E é nesse sentido que a gente tem que encarar a questão da autodefesa, porque ela é vinculada a uma luta coletiva da auto-organização, não está no sentido da gente conseguir ganhar setores das forças repressivas. Está no sentido justamente de colocar a autodefesa vinculada à auto-organização operária e à independência de classe, unificando cada luta que a burocracia não fez porque faz parte da estratégia petista desviar e canalizar a angústia das massas nas eleições que vão ter aqui e não organizar e unificar as lutas”.

Nesta reunião, foi aprovada a seguinte: resolução: “autodefesa é uma necessidade para os trabalhadores se defenderem dos ataques da patronal e do Estado através da auto-organização coletiva da nossa classe”. Falta nessa resolução a necessária exigência e denúncia às direções de massas, CUT e CTB, para avançar na unidade na luta e desmascarar as burocracias. Já nos sindicatos dirigidos pela Conlutas, faz-se fundamental avançar com assembleias e reuniões de base para a organização da autodefesa e de um plano de luta, votando também a exigência às centrais majoritárias a seguir o exemplo.

Em momentos muito diferentes dos atuais, de intensa luta de classes, Trótski propõe, no Programa de Transição, que “os piquetes de greve são as células fundamentais do exército do proletariado”, como ponto de partida fundamental. Abordando a luta contra o fascismo, que “começa não na redação de um jornal liberal, mas na fábrica e termina na rua”. Nossa tradição revolucionária defende que “por ocasião de cada greve e de cada manifestação de rua, é necessário propagar a ideia da necessidade da criação de destacamentos operários de auto defesa”. Nesse quadro, lança a palavra de ordem das milícias operárias [7]. São passagens que deixam claro como o debate da autodefesa está subordinado aos métodos da luta de classes e ao desenvolvimento da classe trabalhadora como sujeito. Há uma engrenagem que une auto-organização, frente única operária, isto é, unidade na ação entre as direções da classe trabalhadora, e autodefesa, que o PSTU ignora, quando formula sua política.

Na realidade, quando coloca em primeiro plano o "direito ao armamento do povo pobre", com comitês de autodefesa por fora da exigência aos organismos de direção da classe trabalhadora e até envolvendo as forças policiais, como trataremos, o PSTU tenta dar ares combativos e enfrentados a uma política que é profundamente adaptada às forças repressivas do Estado e às burocracias sindicais e dos movimentos, ou seja, ao regime democrático-burguês. Ao mesmo tempo, não apresenta nenhum programa democrático-radical que acompanhe a experiência das massas e faça a ponte entre a confiança atual nas instituições da democracia burguesa, cada vez mais degradada, e a revolução socialista. O que propõe atualmente é defender “eleições limpas” em um regime marcado pelo peso dos militares e pelo autoritarismo judiciário, o que acaba por semear ilusões na democracia burguesa como se fosse possível que as eleições fossem limpas neste regime. O mesmo pode ser visto nos últimos anos, na luta contra o governo Bolsonaro, em que o PSTU foi parte dos que defenderam o impeachment, que significaria entregar a vontade de derrotar Bolsonaro de setores de massas ao Congresso nacional do Centrão e da direita ajustadora, ao passo que o poder terminaria com o general Mourão. Desse ponto de vista, ao mesmo tempo que estivemos na linha de frente contra o golpe institucional e a prisão arbitrária de Lula, que capturaram o direito elementar ao sufrágio universal de massas a serviço de aprofundar ajustes contra a classe trabalhadora, participando das eleições também com esse objetivo no centro, levantamos a necessidade de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, para dialogar com as ilusões existentes na democracia burguesa, mas a serviço de demandas e dos interesses das maiorias populares que se chocam com as elites burguesas. Para nós, revolucionários, esse processo estaria a serviço de impulsionar a auto-organização da classe trabalhadora e, nesse confronto, avançar para um governo de trabalhadores em ruptura com o capitalismo. O PSTU, por sua vez, estabelece um programa em que existem somente consignas democráticas mínimas e a revolução socialista, adaptando-se, por essa via, às ilusões no regime político.

Defender-se da polícia junto à polícia?

Entretanto, o PSTU dá um passo além. Toda sua retórica contra o monopólio estatal das armas, em prol do “direito democrático ao armamento para o povo pobre” contra a violência policial, o tráfico e as milícias, com a qual debatemos, está a serviço de sustentar uma concepção de autodefesa que envolve… ninguém menos do que a própria polícia! Na sabatina da Folha, Vera Lúcia levanta: “que essa organização dessa autodefesa seja feita pelo conjunto da classe trabalhadora, envolvendo o conjunto das polícias em uma mesma polícia unificada, que essa mesma polícia tenha o direito de se organizar, de eleger os seus chefes, seus comandantes, coisa que não é vista hoje”. Já na sabatina ao Correio Braziliense, Vera Lúcia diz: “a autodefesa é coletiva, é planejada, é preciso também que acabe com essa forma de polícia, que a polícia também seja eleita, tenha seus superiores eleitos, que ela também tenha o direito de se organizar e que ela possa se organizar inclusive junto à população, desmilitarizada”. Então, será que o PSTU não hierarquiza a organização da autodefesa com as organizações da classe operária porque na verdade tem pensado em fazê-lo com a polícia? Na verdade, é muito difícil conceber a ideia de se organizar junto às instituições de repressão do Estado, com os assassinos de Genivaldo, responsáveis pelas inúmeras chacinas, e um longo etcétera.

Em relação à polícia, há aqui uma importante discussão de longa data sobre o caráter dessa instituição, na qual nós do MRT, ao contrário do PSTU, não defendemos que esta seja parte da classe trabalhadora e deva ter melhores condições para reprimir os trabalhadores e o conjunto dos oprimidos. Ainda assim, o que propõe o PSTU não alcança nem mesmo esse debate. Tomemos o exemplo dos autodenominados “Policiais Antifascistas”, supostas alas críticas da polícia. Eles nem têm o programa mínimo democrático de exigir punição para os policiais que cometeram assassinatos, chacinas e têm suas mãos sujas de sangue negro. Mas também nem é com eles especificamente que o PSTU propõe organizar a autodefesa da classe trabalhadora. O PSTU levanta uma autodefesa que envolva “o conjunto das polícias”, desmilitarizada (o que não significa desarmada) e democrática (como se fosse possível) para a escolha de seus comandantes, fazendo parecer que o problema da repressão policial é somente de quem assume seus postos de comando, e não a serviço de quais objetivos e do caráter da instituição que dirige. Também nos EUA, os xerifes são eleitos pela população em 48 dos 50 estados, uma forma de vincular a polícia com a população, mas de novo, isto nao resolveu nem um pouco o problema da violência da polícia contra os negros, os trabalhadores e os mais oprimidos. Além do mais, não são os policiais da “base” também responsáveis por muitos dos assassinatos do povo negro, empunhando suas armas e puxando o gatilho? Mais uma vez, o que faria o PSTU se estivesse nos Estados Unidos diante da irrupção massiva da população no Black Lives Matter questionando essa instituição e expulsando os policiais de seus organismos de luta, como os sindicatos?

É preciso enfatizar que esse programa defendido nas sabatinas não é nem o programa completo proposto pelo PSTU ao Polo Socialista e Revolucionário, que diz:“denunciamos e exigimos a punição dos crimes cometidos contra a população por membros de forças policiais e militares. Defendemos o desmantelamento completo de todo o aparato repressivo contra o povo e a revogação das leis repressivas”. Por que Vera Lúcia não defende esse programa na grande mídia? Desmilitarização e democratização estão longe de ser o mesmo que “desmantelamento completo de todo o aparato repressivo contra o povo”. E nos perguntamos, por que o PSTU busca um discurso político-eleitoral que se confunde com o que diz Bolsonaro, que é tido com estranheza até pelos jornalistas que lhe fazem a mesma pergunta em todos os meios?

Mas Zé Maria situa esse debate em “qual política ter para os setores armados da sociedade”. Segundo ele, “a classe trabalhadora precisa, além de se auto-organizar de forma independente dos patrões e do Estado que aí está, de constituir os seus destacamentos de defesa, precisa ter política para dividir essas forças armadas que o Estado utiliza para reprimir a classe trabalhadora”. Evidentemente, é muito importante ter política para dividir as forças do inimigo, mas não será possível só com propaganda e ainda menos eleitoral. Do que se trata é de ter organizada a autodefesa armada a partir das organizações de massas da classe operária, que tenha a suficiente força destrutiva para que as forças armadas burguesas duvidem de quem vai triunfar no enfrentamento militar.

Para dividir os setores armados da sociedade, é fundamental, em primeiro lugar, diferenciá-los. Na História da Revolução Russa, Trótski sustenta que “a polícia não tardou a desaparecer completamente do mapa; isto é, se escondeu e começou a manobrar por debaixo do tapete. (...) Os gendarmes são o inimigo cruel, irreconciliável, odiado. Não se pode nem pensar em ganhá-los para a causa. O Exército já é outra coisa. [8] Neste caso, a polícia era o destacamento profissional do Estado e o Exército, além da composição majoritariamente camponesa, vivia tempos de guerra e alistamento compulsório, com inchaço, diferentemente de como é hoje no Brasil, mais próximo de uma força profissional. Desse ponto de vista, na Rússia, a polícia foi destruída na revolução e o exército se dividiu, fruto da combinação entre a força material da mobilização revolucionária dos trabalhadores e a confluência política com as massas de soldados-camponeses que se rebelavam para não morrer no campo de batalha da guerra imperialista.

Assim, em primeiro lugar, não se trata aqui unicamente da origem de classe do “setor armado”, como argumenta Zé Maria, enfatizando que os policiais são muitas vezes filhos dos trabalhadores, mas sim do papel objetivo que cumpre quanto à repressão da classe trabalhadora e dos setores oprimidos. O PSTU acredita que “dividirá os setores armados da sociedade”, chamando a polícia a se organizar com a classe trabalhadora e o povo pobre, em organismos comuns, e chamando a que "não reprimam os trabalhadores" em uma agitação político-eleitoral. Alguém poderia dizer que até que essas condições aconteçam, é possível fazer propaganda dessa política nas eleições. Mas é uma política equivocada até para a propaganda, porque as forças burguesas criadas para a repressão só poderiam se dividir se fossem ameaçadas pelo proletariado organizado e armado, e não com propostas mais parecidas com a confraternização e união do que com o confronto.

Um exemplo importante na nossa história da classe operária latino-americana foi quando os mineiros bolivianos, armados com dinamites, protagonizaram, junto às massas, em 1952, um processo revolucionário que derrotou e desarmou o Exército, armando-se eles mesmos. No 9 de abril de 1952, é um fato conhecido que os mineiros organizados decidiram em assembleia assaltar com suas próprias dinamites o trem que transportava armas e munições antes que chegasse a El Alto. Atacaram o comboio derrotando o exército. A classe operária boliviana venceu regimentos perfeitamente equipados. A partir desse momento, não existia mais o velho Estado, a única força armada nesse momento eram as milícias operárias. No livro de Liborio Justo, há uma nota de jornal que diz: “as forças rendidas do Exército desfilaram pela cidade sob custódia das milícias revolucionárias que o ‘Comando Obrero’ encabeçava [9] . Embora esse processo depois tenha sido traído e desarmado por uma política de conciliação de classes, é elucidativo para demonstrar como, na luta de classes, é fundamental erguer seus próprios destacamentos operários armados para derrotar e dividir as forças do Estado, e não se misturar a elas. As lições da luta de classes e ainda mais das revoluções são muito importantes para se ter em conta no momento de pensar as políticas para o presente.

Por isso, enfatizamos a importância desse debate na esquerda e no Polo Socialista e Revolucionário, não somente diante da necessidade de avançar em eixos de agitação político-eleitoral comuns, em particular para as candidaturas majoritárias, esclarecendo as diferenças entre as organizações componentes e seguindo os debates em nossos jornais, como fazemos agora sobre essa questão do armamento, considerando que é o método correto para aprofundar acordos e esclarecer as diferenças na vanguarda. Mas principalmente porque a atualização da etapa de crises, guerras e revoluções que vivemos no mundo, sob o signo atual da Guerra na Ucrânia, reforça a necessidade de nos debruçarmos seriamente sobre os desafios de se construir uma força, ancorada na classe trabalhadora, consciente das tarefas e dos desafios da estratégia revolucionária, a serviço da tomada do poder pela classe trabalhadora, derrotando o Estado burguês e suas forças repressivas, em base ao rico arsenal que herdamos do marxismo revolucionário e das experiências da classe trabalhadora internacional na luta de classes.


veja todos os artigos desta edição
FOOTNOTES

[1Isso pode ser visto no final do minuto 2 do vídeo linkado.

[2Sobre a questão da autodefesa operária, ver León Trótski em: https://ceip.org.ar/Sobre-la-cuestion-de-la-autodefensa-obrera.

[3Isso pode ser visto no final do minuto 3 do vídeo linkado.

[4Isso pode ser visto no minuto 2 do vídeo já linkado da sabatina na Folha de São Paulo

[5Isso pode ser visto ao final do minuto 4.

[6A guerra e a Quarta Internacional, ver León Trótski em https://ceip.org.ar/La-guerra-y-la-Cuarta-Internacional,136, no ponto 64.

[7Na tradição revolucionária, sempre se utilizou o termo milícia para se referir a destacamentos armados, não se refere ao que se popularizou chamar de milícia atualmente no Brasil.

[8León Trótski, História da Revolução Russa, Tomo I.

[9“La revolución del 9 de Abril de 1952”, de Jorge Valdivia Altamirano, La nación, La Paz, 9 de Abril de 1953, citado por Liborio Justo em “Bolívia: La Revolución Derrotada”.
CATEGORÍAS

[Polo Socialista Revolucionário (PSR)]   /   [Brutalidade policial]   /   [Armamento da população ]   /   [PSTU]   /   [Teoria]

Vitória Camargo

Elizabeth Yang

Comentários