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GREVE DAS ESTADUAIS PAULISTAS | USP novamente corta salário dos servidores em greve

Em 2014, a USP foi obrigada, pela justiça, a pagar os salários descontados. A medida tomada pela reitoria da USP fere o direito de greve e se configura como uma ilegal medida antissindical.

Mauro SalaCampinas

terça-feira 14 de junho de 2016 | Edição do dia

Essa semana, o Reitor da Universidade de São Paulo (USP) promoveu desconto nos salários dos servidores da Universidade devido à greve. Tal medida constitui uma arbitrariedade que atenta contra a subsistência dos trabalhadores e contra o exercício legítimo do direito de greve.

Antes de tudo, devemos dizer que a greve se iniciou, entre outros, pelo fato de a reitoria não ter cumprido com sua obrigação constitucional de conferir a revisão anual dos salários dos servidores e de apresentar uma proposta de diálogo e negociação. Essa revisão anual dos salários não é algo facultativo: é a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 37, X, que diz que ao servidor público é “assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índice”.

Assim, a reitoria se coloca na ilegalidade quando não revisa o salário de seus servidores, não apresentando nenhuma proposta concreta a ser negociada.

Mesmo assim, a reitoria da USP quer negar o direito de greve de seus trabalhadores mediante medidas coercitivas que configuram ataques ao direito de greve e organização sindical, como o corte do salário, os seguidos processos contra os trabalhadores que aderem ao movimento e a ação de retirada da sede do sindicato.

O direito de greve se inscreve como um direito social fundamental no nosso ordenamento constitucional. No Capítulo III, artigo 9o, da Constituição Federal, podemos ler que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Não cabe à reitoria dizer se a greve é oportuna ou não.

Entretanto, na falta de uma legislação específica que trate o direito de greve dos funcionários públicos, a justiça tem aplicado a Lei no 7.783, de 28 de junho de 1989, também para julgar casos referente às greves no funcionalismo. No seu artigo 6, § 2o, podemos ler que “é vetado às empresas [leia-se reitoria] adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho”.

O corte do salário certamente é uma forma de constranger os servidores a comparecerem ao trabalho, frustando, assim, o exercício do seu legítimo direito de greve.

Como nos diz o juiz do trabalho Jorge Luis Souto Maior, “a perda do salário só se justifica em caso de falta não justificada ao trabalho, e é mais que evidente que a ausência da execução do trabalho, decorrente do exercício do direito de greve, está justificada pelo próprio exercício do direito constitucional da greve”.

Legalmente, só poderia haver corte de salário se a greve fosse declarada ilegal. O que não é o caso.

Não tendo a greve sido julgada ilegal pela justiça, o corte dos salários torna-se uma arbitrariedade cometida pelo poder instituído, pois visa, de maneira arbitrária e unilateral, frustrar o exercício de um direito legítimo e coletivo.

Nem a chamada “lei antigreve”, promulgada pela ditadura civil-militar (1964-1985), propunha o corte do salário dos trabalhadores grevistas. No seu capítulo V, artigo 20, parágrafo único estava escrito: “A greve suspende o contrato de trabalho, assegurando aos grevistas o pagamento dos salários durante o período e o cômputo do tempo de paralisação como de trabalho efetivo, se deferidas, pelo empregador ou pela justiça do Trabalho, as reivindicações formuladas pelos empregados, total ou parcialmente”.

Também há pareceres e decisões do Supremo Tribunal Federal referente ao assunto:

Em 2012, julgando um Agravo de Instrumento (AI 853275) interposto pela Fundação de Apoio à Escola Técnica, sobre a possibilidade de desconto nos vencimentos dos servidores públicos dos dias não trabalhados em virtude de greve, o relator ministro Dias Tóffoli declarou a “ilegalidade do desconto”, reafirmando a decisão anterior do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Para o TJ-RJ “o desconto do salário do trabalhador grevista representa a negação do direito à greve, na medida que retira dos servidores seus meios de subsistência”. O STF reconheceu “repercussão geral” desta decisão, o que significa que a decisão proveniente dessa análise deve ser aplicada pelas instâncias inferiores.

Em outra decisão do STF, o ministro Luiz Fux suspendeu uma outra decisão do TJ-RJ que autorizou o governo do Estado do Rio de Janeiro a cortar o ponto dos professores estaduais em greve. Para o ministro, a suspensão do salário “desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeira garantia constitucional”.

Segundo a decisão do STF, o corte de ponto dos professores grevistas tem por objetivo “inviabilizar o exercício dessa liberdade básica do cidadão, compelindo os integrantes do movimento a voltarem às suas tarefas”, o que é vedado pelo artigo 6, § 2o da Lei no 7.783.

Numa ação julgada no STF, contra o corte do salário dos funcionários grevistas do município de Valparaíso – GO (Rcl: 11536 GO, Julgado em 13/03/2014), a ministra Carmen Lúcia assim se manifestou:

"É pacífico o entendimento de que se cuida de verba alimentar o vencimento do servidor, tanto quanto que o direito de greve não pode deixar de ser titularizado também pelos servidores públicos, não havendo como pretender a legitimidade do corte dos vencimentos sem que se fale em retaliação, punição, represália ou modo direto de reduzir a um nada o legítimo direito de greve consagrado na Constituição da República. Reconhecida, na ação principal, a não abusividade do movimento paredista, defeso [proibido] é o desconto dos dias paralisados.”

Para a ministra, o movimento grevista derivou da “inércia contumaz” da prefeitura, que “negava a composição dos interesses e direitos, de naturezas econômico-jurídicos” dos professores da rede pública municipal. Segundo seu relatório, “não se pode declarar abusiva uma greve que se arrima justamente na busca desses direitos negados e interesses desatendidos”. Não se reconhecendo a abusividade do movimento grevista, segue a ministra, “descabe o desconto dos dias não trabalhados".

A própria USP já foi alvo de contestação judicial por aplicar, de maneira unilateral e, portanto, abusiva, o corte dos salários dos servidores em greve. Em 2014, ela foi obrigada pelo TRT a pagar os salários descontados dos servidores que aderiram ao movimento paredista. Em despacho de 1 de setembro de 2014, emitido pela Juíza relatora Fernanda Oliva Cobra Valdívia, podemos ler que “a atitude do suscitante [reitoria da USP] em promover tais descontos e, ainda acenar com a possibilidade de novos, configura em prática antissindical negando o próprio direito de greve de seus empregados. Tal prática não pode ser agasalhada, sobretudo em razão do conflito estar “sub judice”, devendo o Suscitante aguardar decisão do Poder Judiciário sobre o pagamento ou não dos dias parados e não efetuar tais descontos de forma abrupta. Ao agir assim, incorre no quanto previsto no parágrafo 2o do artigo 6o da Lei 7783/89, praticando ato para constranger seus funcionários ao retorno ao trabalho”.

Assim, a USP foi condenada a pagar os salários descontados bem como foi impedida de fazer novos descontos, sob pena de multa diária de R$ 30.000,00.

A reitoria entrou com reclamação junto ao STF e teve seu pedido indeferido pelo Ministro Celso de Mello, tendo que efetuar o pagamento imediato dos salários descontados e se abster de fazer novos descontos.

Assim, podemos ver que a reitoria da USP sabe da ilegalidade de seus atos, pois que já foi condenada pela justiça em ato idêntico. O que ela quer fazer é abusar de seu poder buscando minar a força do movimento reivindicatório dos trabalhadores. Ela abusa e comete ilegalidade quando, tendo inclusive decisão anterior provocada por ela própria, corta o salário dos trabalhadores grevistas, atentando contra sua subsistência e contra o exercício legal e legítimo do direito constitucional de greve.




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