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LUTA INDÍGENA | Tupinambás são expulsos de suas terras na Bahia e lideranças são presas

A Polícia Militar realizou ontem, 7/4, o despejo de Tupinambás habitantes da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, e prendeu suas lideranças, o Cacique Babau e seu irmão, Teity.

sexta-feira 8 de abril de 2016 | Edição do dia

Não é a primeira vez que os Tupinambá de Olivença se enfrentam com o estado na luta por suas terras. Prova disso é a reprodução do texto escrito em 27 de janeiro por Casé Angatu na página do Facebook “Campanha Tupinambá”, mas que reproduz quase exatamente a situação vivida ontem em Ilhéus, com os mesmos ataques feitos pela polícia e as mesmas lideranças sendo levadas para trás das grades.

Os interesses que movem a polícia e o estado para atacar as terras dos Tupinambá de Olivença são os das mineiradoras, ávidas por extrair os recursos naturais das terras indígenas. Um enredo que se repete há séculos, e que coloca os indígenas na situação de terem que lutar contra o estado brasileiro e suas forças repressivas pelo direito à terra e às suas vidas. E a declaração aprovada ontem durante o “Abril Indígena – UFBA 2016”, afirma claramente: “enquanto não ocorre a demarcação de nosso território, novas prisões e mortes vão ocorrer”.

Sob o nome da “reintegração de posse”, as mineradoras, o estado e sua polícia continuam fazendo o que há mais de 500 anos fazem: roubar as terras indígenas, desmatá-las, extrair suas riquezas, assassinar seus habitantes e perseguí-los e marginalizá-los impiedosamente. Em 2011, na mesma região, por resistirem à reintegração de posse, foram presos cinco índios da aldeia Gwarini Taba Atã, acusados de formação de quadrilha e desacato à autoridade. Um deles, vítima de um tiro da polícia, perdeu sua perna.

No ano passado ocorreu um novo acirramento dos ataques das mineradoras aos Tupinambá e ao território em que vivem, ao ser concedida uma autorização dos órgãos de licença ambiental para a exploração da área. Heroicamente, os Tupinambá enfrentaram a polícia e os pistoleiros que atiraram contra eles, e os expulsaram da região. Nenhum dos atiradores foi punido, apesar das denúncias feitas pelos Tupinambá com as balas que foram atiradas contra eles e imagens que registraram do ataque.

Ontem, a polícia invadiu a região para efetivar a reintegração de posse, prendendo mais uma vez o Cacique Babáu e Teity. A defesa dos Tupinambá é tanto de seu direito à terra quanto dos recursos minerais – areia – que são extraídos de forma predatória e ilegal para alimentar a sede de lucro das mineiradoras do capital nacional e estrangeiro.

O juiz Lincoln Pinheiro da Costa, o mesmo que concedeu a liminar para que a polícia efetivasse a reintegração de posse, já havia antes determinado que os policiais escoltassem os caminhões chamados “caçambeiros”, que estavam retirando a areia da região de forma ilegal e estavam sendo impedidos pelos Tupinambá.

Veja vídeo gravaddo pelos Tupinambá mostrando a polícia escoltando os caçambeiros: https://www.facebook.com/libertad.volant/videos/10153821203383168/

Ontem pela manhã, o comandante da PM que fazia a escolta dos caçambeiros, de acordo com a versão da própria polícia, ligou para o juiz Lincoln Pinheiro pedindo que ele emitisse uma ordem de prisão contra o Cacique Babau, pois ele estaria atirando pedras contra as viaturas que realizavam a escolta. O juiz teria respondido que não havia necessidade pois Babau já estava descumprindo a ordem judicial que permitia a retirada de areia do local, e poderia ser preso. Contudo, imagens gravadas pelos próprios indígenas contradizem essa versão, pois mostram que eles não estavam impedindo o trânsito dos caminhões, mas apenas documentando-o para denunciar a ação.

A polícia, após prender Babau e seu irmão, ainda alegou que eles estariam portando ilegalmente uma pistola de uso exclusivo da polícia e um revólver calibre 38, o que foi negado por ambos. A prática de plantar provas em presos já é bem conhecida dos movimentos sociais e aqueles que ousam desafiar a polícia e os poderosos, como ficou evidenciado, por exemplo, no famoso caso de Fábio Hideki, preso em São Paulo após atos contra a realização da Copa do Mundo e cuja soltura foi determinada pela evidente farsa que constituiu sua prisão. Só que a prisão de Hideki foi filmada, diferente da dos Tupinambá.

Zeno Tupinambá, presente na reintegração de posse efetivada ontem, declarou que a polícia chegou disparando suas armas contra os indígenas. Ao site da CIMI, declarou que: “Só vendo mesmo o tanto de tiros que deram contra a gente. Estamos aqui numa luta justa. Tão (mineradoras) acabando com tudo, com a Mata Atlântica, com as nascentes dos rios. Essa terra é nossa, tá em demarcação”.

A determinação que havia sido feita pelo juiz Lincoln Pinheiro, como “mediação” entre os Tupinambá e as mineiradoras, era que aqueles poderiam permanecer nas terras, desde que não inteferissem com a retirada da areia. No fim de março, o Cacique Babau declarou que: “O juiz não tem de fazer isso porque se trata de terra indígena em processo de demarcação. A lei é clara: o não-indígena não pode bulir com a terra. Outra coisa é que a gente não quer e não vai permitir a destruição da casa de nossos Encantados.”

O histórico abaixo, retirado do site do CIMI, retrata sumariamente a violência contra os Tupinambá que ocorreu nos últimos anos na região:

17 de abril de 2008
Primeira prisão do cacique Babau, acusado de liderar manifestação da comunidade contra o desvio de verbas federais destinadas a saúde. O cacique estava em Salvador no momento dos fatos.

23 de outubro de 2008
Ataque da PF na aldeia da Serra do Padeiro, com mais de 130 agentes, 2 helicópteros e 30 viaturas – para cumprimento de mandados judiciais suspensos no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região e contra orientação do Ministério da Justiça, resultando em 22 indígenas feridos a bala de borracha e intoxicação por bombas a gás, destruição de casas, veículos comunitários, alimentos e equipamento escolar.

27 de maio de 2009
Prisão preventiva do irmão do cacique Babau, por dirigir carro da Funasa carregando mantimentos. O Desembargador Cândido Ribeiro, do TRF da 1ª Região, não encontrou justificativa na ordem de prisão, da Justiça Federal de Ilhéus.

2 de junho de 2009
Cinco pessoas foram capturadas e torturadas por agentes da PF – spray de pimenta, socos, chutes, tapas, xingamentos e choque elétrico. Os laudos do IML/DF comprovaram a tortura, mas o inquérito concluiu o contrário.

10 de março de 2010
Cacique Babau é preso, durante a madrugada, em invasão da PF em sua casa, embora a versão dos agentes – comprovadamente falsa – informe que a prisão teria acontecido no horário permitido pela lei.

20 de março de 2010
Prisão do irmão do cacique Babau, por agentes da PF em plena via pública, enquanto levava um veículo de uso comunitário da aldeia para reparo.

16 de abril de 2010
Babau e seu irmão são transferidos para a penitenciária de segurança máxima em Mossoró (RN), por receio da PF de ver manifestações diante de sua carceragem em Salvador pela passagem do “Dia do Índio”, em desrespeito ao Estatuto do Índio.

3 de junho de 2010
A irmã de Babau e seu bebê de dois meses são presos na pista do aeroporto de Ilhéus pela PF, ao voltar de audiência com o presidente Lula, na Comissão Nacional de Política Indigenista, por decisão do juiz da comarca de Buerarema. Permanecem presos em Jequié por dois meses, até o próprio juiz resolver revogar a ordem de prisão.

5 de abril de 2011
Estanislau Luiz Cunha e Nerivaldo Nascimento Silva foram presos numa situação de “flagrante preparado” – prática considerada ilegal – num areal explorado por empresas, de dentro da Terra Indígena Tupinambá. Acusados de “extorsão” pela PF, Estanislau – que toma remédios controlados – e Nerivaldo – que teve a perna direita amputada, após ser baleado por agente da PF – respondem ainda por “tentativa de homicídio” contra policiais federais. Coincidentemente, a ação foi feita na véspera da chegada do Secretário de Justiça do estado da Bahia, à região. Após dois meses e meio presos, o TRF da 1ª Região lhes concedeu a liberdade por 3 x0 em julgamento de habeas corpus, em 20 de junho.

3 de fevereiro de 2011
Prisão da Cacique Maria Valdelice, após depor na Delegacia da Polícia Federal em Ilhéus, em cumprimento ao Mandado de Prisão expedido pelo Juiz Federal Pedro Alberto Calmon Holliday, acusada de “esbulho possessório”, “formação de quadrilha ou bando” e “exercício arbitrário das próprias razões”. A cacique foi libertada no final do mês de junho, após cumprir quatro meses em prisão domiciliar.

14 de abril de 2011
Por volta das 5h da manhã, fortemente armados e com mandado de busca e apreensão, vários agentes da PF vasculham a residência da cacique Valdelice, assustando toda a família – principalmente os muitos netos da cacique. Em Salvador, chegava para reuniões com autoridades locais a “Comissão Tupinambá” do CDDPH.

15 de abril de 2011
Fortemente armada, a PF acompanha oficiais de justiça em cumprimento de mandado de reintegração de posse. Indígenas e Funai não haviam sido previamente intimados do ato, que foi presenciado pelos membros do CDDPH, que testemunharam o despreparo de agentes e a presença de supostos fazendeiros que incitavam as autoridades contra os indígenas.

28 de abril de 2011
A Polícia Federal instaura o inquérito, intimando o procurador federal da AGU e os servidores da Funai a prestar depoimento sobre denúncia de “coação” contra a empresária Linda Souza, responsável pela exploração de um areal, situado na terra Tupinambá.

29 de abril de 2011
Prisão do cacique Gildo Amaral, Mauricio Souza Borges e Rubenildo Santos Souza, três dias antes da delegação composta por deputados federais da CDHM e membros do CDDPH/SDH visitarem novamente os povos indígenas da região por causa das violências que continuam a ser denunciadas.

5 de julho de 2011
Cinco Tupinambá são presos pela PF sob as acusações de “obstrução da justiça” e “exercício arbitrário das próprias razões”, “formação de quadrilha” e “esbulho possessório”.

18 de outubro de 2012
No Fórum de Itabuna (BA), cinco Tupinambá, vítimas de tortura cometidas por policias federais, prestaram depoimento ao juiz Federal em parte do procedimento da Ação Civil Pública por Dano Moral Coletivo e Individual movida pelo Ministério Público Federal (MPF) da Bahia contra a União. Os procuradores abriram inquérito também para apurar os responsáveis pela tortura, atestada e comprovada por laudos do Instituto Médico Legal (IML).

14 de agosto de 2013
Estudantes da Escola Estadual Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro foram vitimas de emboscada na estrada que liga Buerarema a Vila Brasil. O atentado ocorreu quando o caminhão (foto acima) que transportava os alunos do turno da noite para as suas localidades foi surpreendido por diversos tiros oriundos de um homem que se encontrava em cima de um barranco. Os tiros foram direcionados para a cabine do veículo, numa clara tentativa de atingir o motorista, que com certeza o atirador achava ser Gil, irmão do cacique Babau, pois o carro é de sua propriedade. Quem conduzia o carro era Luciano Tupinambá.

26 de agosto de 2013
No município de Buerarema, contíguo ao território tradicional Tupinambá, atos violentos promovidos por grupos ligados aos invasores da terra indígena. Indígenas foram roubados enquanto se dirigiam à feira e 28 casas foram queimadas até o início de 2014. O atendimento à saúde indígena foi suspenso e um carro da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foi queimado.

8 de novembro de 2013
Aurino Santos Calazans, 31 anos, Agenor de Souza Júnior, 30 anos, e Ademilson Vieira dos Santos, 36 anos, foram executados em emboscada quando regressavam da comunidade Cajueiro, por volta das 18 horas, na porção sul do território Tupinambá, quando foram emboscados por seis homens. Disparos de arma de fogo foram feitos contra os indígenas. Na sequência os assassinos praticaram torturas, dilaceraram os corpos com facões e com o que é chamado na região de “chicote de rabo de arraia”. Procuradores federais apontam assassinatos como parte do conflito pela terra.

28 de janeiro de 2014
Após realizar a reintegração de posse de duas fazendas localizadas na Serra do Padeiro, no município de Ilhéus, na Bahia, policiais federais e da Força Nacional montaram uma base policial na sede da fazenda Sempre Viva. Ataques com granadas contra os Tupinambá refugiados na mata.

2 de fevereiro de 2014
Durante invasão da Polícia Federal em aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, M.S.M, de 2 anos, em fuga para a mata, se desgarrou dos pais e acabou nas mãos dos policiais. O delegado Severino Moreira da Silva, depois da criança ter sido levada para Ilhéus pelos federais, a encaminhou para o Conselho Tutelar que, por sua vez, transferiu o menor para uma creche, onde ele segue longe dos pais e isolado por determinação da Vara da Infância e Juventude.

7 de abril de 2016
Reintegração de posse violenta contra a aldeia Gravatá termina com a prisão do cacique Babau Tupinambá e seu irmão Teity.

Cartuchos recolhidos pelos Tupinambás ontem, 7/4.

Foto capa: Sean Hawkey/CIMI




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