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INTERNACIONAL | Trump, ’Pax Americana’ e a renovação militar da China e da Alemanha

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 22 de março de 2017 | Edição do dia

Ilustração: Ingram Pinn

Os primeiros 60 dias de Donald Trump no Salão Oval da Casa Branca ainda não significaram mudanças de proporções nos acordos militares estratégicos que os Estados Unidos mantém com seus aliados no ocidente. Em especial, apesar das ameaças de campanha, recuou da afirmação de que a OTAN era uma instituição antiquada. Entretanto, nem por isso o nacionalismo econômico agressivo de Trump deixou de marcar alterações na percepção do sistema mundial de segurança da ordem neoliberal.

Pelo contrário. Movimentações no ocidente e no oriente são indícios de que velhos imperialismos e emergentes potências regionais, em distintos ritmos, se afastam da idéia de “Pax Americana” e dos Estados Unidos como guardião militar da ordem neoliberal – algo que Trump fez questão de frisar.

Fricções com a China

A mensagem mais “estável” da nova administração Trump é de que a China não terá caminho livre para expandir seu poderio regional. Fez isso através do secretário de estado Rex Tillerson, que se referiu à construção de ilhas artificiais por parte da China em águas disputadas como equivalente à anexação da Criméia pela Rússia durante a crise da Ucrânia, e que não permitiria que Pequim utilizasse estas bases. Em outra oportunidade, após novos testes de mísseis balísticos por parte da Coréia do Norte (aliada de Pequim), os Estados Unidos junto a Coréia do Sul lançaram exercícios militares sem precedentes, com a participação de forças terrestres, aéreas e navais dos dois países, além do emprego de um sistema antimísseis de Defesa Aérea de Alta Altitude Terminal (THAAD) na Coréia do Sul.

Dessa maneira, Trump quer anunciar à China que na era do “America First”, os Estados Unidos irá considerar outros tipos de resposta militar contra a objeção de seus interesses. Obviamente não se trata de produzir conflitos sem cálculos – não é interesse de Washington iniciar uma conflagração contra a Coréia do Norte – mas opor a percepção de diversos países acerca do processo de declínio da hegemonia imperialista norteamericana.

Contra isso, Pequim não está de braços cruzados. O incremento do orçamento militar dos EUA teve seu correlato no também histórico incremento do orçamento bélico por parte da China, que veio desenvolvendo capacidades navais para disputar as águas do Mar do Sul da China.

Mas o mais importante são os crescentes laços militares entre a Rússia e a China. A Rússia confirmou a venda no valor de US$3 bilhões de seis sistemas de mísseis terra-ar S-400, dos mais sofisticados do mundo, enquanto os primeiros quatro jatos supersônicos Su-35 foram entregues pela Rússia à China em dezembro de 2016 (de um total de 24 que serão entregues).

S-400 russo

Ambos os armamentos russos são muito mais avançados do que qualquer coisa que possa ser hoje produzido na China, e segundo estudo do órgão US-China Economic and Security Review Commission, apontado pelo Congresso norteamericano, a cooperação militar Rússia-China, em seu ápice desde que os dois países normalizaram relações em 1989, “terá conseqüências significativas para os Estados Unidos”.

Pequim quer proteger seus interesses na Mar do Sul da China e na península coreana contra as ameaças dos EUA. Para isso, joga inteligentemente com a Rússia, desesperada por deixar seu isolamento internacional após a crise ucraniana e sedenta por convencer a China de uma oposição à OTAN.

Apesar de partir de um atraso militar inominável em comparação com a maior potência bélica do mundo, a China busca questionar o mantra dos Estados Unidos de manter sua superioridade sobre outros países pela margem de pelo menos uma geração inteira de tecnologia bélica.

Cooperação Grã-Bretanha e Alemanha na Europa

Esse é talvez o desenvolvimento mais inusitado até aqui. Inegáveis dependentes da proteção do Pentágono nas últimas décadas, a Grã-Bretanha e a Alemanha anunciarão um novo acordo de cooperação defensiva depois que o Reino Unido deixe a União Europeia (por conta do Brexit).

As áreas de cooperação devem abranger segurança cibernética, treinamento terrestre e patrulhas navais. Este ano, o novo helicóptero de combate britânico Wildcat será lançado desde uma fragata alemã no Mediterrâneo.

Embora se trate de uma maneira de maquiar a ruptura das costuras da União Europeia, a Alemanha conclui o acordo olhando para os Estados Unidos. O menosprezo de Trump pelas instituições multilaterais como a OTAN e a exigência de que Berlim se encarregue dos gastos com sua defesa, comprometendo pelo menos 2% do orçamento federal – parte das ameaças que Trump lançou à chanceler Angela Merkel no encontro desta semana – pressionam o imperialismo alemão a sair da zona de “expectativa cautelosa” (que explicamos aqui em relação à China).

Por ora a Alemanha é apenas o oitavo país que mais gasta com orçamento militar (equivalente a 1,2% do PIB, ou 1,8 trilhão de euros).

Mas não apenas para isso. Os capitalistas de Berlim estão assimilando a dura realidade que implica a demasiada dependência militar frente ao imperialismo norteamericano. Frente à crise da União Europeia, instrumento privilegiado de enriquecimento e saque do imperialismo alemão a toda a Europa, e às ameaças provenientes de Moscou após a crise ucraniana, os principais partidos políticos do establishment alemão começam a colocar no discurso o mesmo elemento do nacionalismo econômico agressivo que emerge do outro lado do Atlântico.

De conjunto, velhos imperialismos como a Inglaterra e a Alemanha partem de um patamar bélico notavelmente inferior ao dos Estados Unidos (nem falar de potências regionais emergentes como a China). Se a continuidade da crise econômica mundial deixa inscrita na situação a possibilidade de conflagrações econômicas, comerciais e mesmo militares entre as potências – o que nega mais uma vez as teses harmonicistas à maneira do reformista clássico Kautsky, e confirmam as teses revolucionárias de Lênin para nossa época – a chegada de Trump promoverá mudanças importantes, ainda que graduais, na estrutura militar da Europa e da Ásia.

Se as teorias de um harmonicismo da globalização estão debaixo d’água, a concepção pacificadora de um superimperialismo norteamericano, (ou seja, a ideia da ausência de conflitos de proporções baseada no forte desequilíbrio do poder presente dos Estados Unidos frente a outras potências), deixa passar a dinâmica do movimento da decadência hegemônica do imperialismo norteamericano.




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