×

AOS 75 ANOS DO ASSASSINATO DE TROTSKY: | Trotskysmo em negros diálogos

Aos 75 anos do violento assassinato de Leon Trotsky, é preciso rememorar suas contribuições e trazer delas o que se constitui, ainda hoje e apesar das décadas que nos separam deste importante revolucionário, como tarefas latentes de todos os revolucionários e, principalmente, de toda a classe operária. A questão negra fez parte de toda a comunicação de Trotsky com os Partidos da Quarta Internacional, e é, ainda hoje, grande tema para reflexão e luta.

domingo 20 de agosto de 2017 | Edição do dia

As contribuições do Trotskysmo: da África do Sul e a Oposição de Esquerda...

Durante a década de 1930, Trotsky já estava consciente de que se fazia necessário um forte endurecimento da luta política interna a Terceira Internacional, que por políticas equivocadas (e, cada vez mais, diretamente traidoras), vinha levando a classe operária, internacionalmente, a uma sequência de duras derrotas. Uma delas, a ascensão de Hitler na Alemanha em 1933, consequência direta da política que se colocava contra a convocação de frentes únicas com partidos com forte base operária, mas vistos como “burgueses”, o que fez com que as eleições fossem vencidas pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Caso houvesse uma frente única entre o Partido Comunista Alemão e o Partido Social-Democrata Alemão na ação, a correlação de forças giraria à esquerda e impactaria politicamente o país, impedindo a votação recebida por Hitler, que teria como consequência se desenvolver uma elevação do nível de organização e permitir fazer política das massas contra o nazismo.

Em meio a uma luta política intensa, permeada por diversas calúnias, Trotsky considerou necessário que se reunissem como Oposição organizada todos os setores que concordavam com suas críticas e desenvolviam outras no mesmo sentido, de denunciar a degeneração estratégica a qual se submetia a Terceira Internacional pela influência de Stalin e todos os revisionistas que ocupavam espaço de direção no principal Partido, o Comunista Soviético. Em 1933, num diálogo com a organização Sul Africana, aliada à Oposição de Esquerda, Trotsky desenvolve a tese da autodeterminação, forte tema a ser debatido no seio de um continente que passava a viver suas primeiras demonstrações de força contra a elite branca colonial. Naquele momento, Trotsky diria aos seus correspondentes sul-africanos que, sendo uma organização majoritariamente branca:

“É possível que depois da vitória os negros achem necessário formar um Estado negro separado da África do Sul. Certamente nós não os forçaremos a estabelecer um Estado separado. Mas os deixaremos livres para decidir, com base em sua própria experiência, e não forçados pelo sjambok [chicote] dos brancos opressores. Os proletários revolucionários não devem nunca esquecer o direito das nacionalidades oprimidas de se auto-determinar, incluindo separação completa, e que o papel do proletariado de uma nação opressora é defender esse direito com armas se necessário.” (tradução nossa)
Carta aos Revolucionários Sul-Africanos (em inglês), Leon Trotsky, Abril de 1933.

No trecho destacado, uma série de debates vêm à tona, mas neste primeiro contato nos ateremos sobre dois deles. O primeiro e mais evidente deles, a transposição inédita que Trotsky faz da discussão sobre as nacionalidades – aprofundada durante a tomada do poder em 1917 no seio da Terceira Internacional – para o programa em torno da questão negra, esta entendida portanto como uma nacionalidade oprimida dentro de “suas” nações – roubadas pelo colonialismo – e também como nacionalidade que se constitui nos países para onde é levada sequestrada, concepção que se prova em seus debates posteriores com os membros norte-americanos da Quarta Internacional.

Trotsky desenvolveu com maior sistematicidade que qualquer marxista até então, debatendo com revolucionários negros e brancos das Américas e da África uma série de reflexões estratégicas, táticas e organizativas relativas à questão negra, partindo e avançando o que já havia sido debatido no 4º Congresso da III Internacional, o último que contou com sua ativa presença. Naquele Congresso havia sido apontada a necessidade de um movimento internacional dos negros e deixava apontada a questão a ser desenvolvida posteriormente como aplicar as "teses das nacionalidades" à questão negra. A 3ª Internacional já burocratizada nunca voltou a estas formulações estratégicas táticas e organizativas.

Na sua teoria da revolução permanente, Trotsky desenvolveu essa constatação e dela advém o único diálogo possível entre a classe operária branca e a negra em muitos países do mundo, ou seja, partindo os operários revolucionários brancos de reconhecerem que os operários negros foram roubados de um direito elementar teoricamente concedido pela democracia que é o direito a constituir sua própria nação, com sua própria língua. Essa postura por parte da classe operária branca é o que permite que ela consiga criar, a partir da solidarização com as demandas do povo negro, um mecanismo fundamental de unidade operária – sendo esta unidade fortemente afetada pelo racismo.

O segundo ponto levantado e de fundamental compreensão nos dias de hoje é o caráter internacional da luta dos negros, que por um lado implicam a solidariedade de todos os outros negros do mundo, mas também, e isso é o mais inovador de Trotsky, no fato de que a articulação internacional da luta dos negros em todo o mundo, inclusive com a responsabilidade dos operários revolucionários dos países opressores lutarem dentro de seu país pelo fim do jugo colonial e racista sobre os países que sua nação oprime, elevam a luta dos negros a um patamar que, quando associado a articulação que faz da luta negra em chave revolucionária de unidade das fileiras operárias e hegemonia proletária sobre o conjunto das demandas dos setores oprimidos, coloca os negros na posição de vanguarda da revolução internacional.

Isso significaria, concretamente, os trabalhadores do Brasil se levantarem decididamente contra a opressão militar imposta pelo nosso governo – pasmem, o PT – contra o povo Haitiano, reconhecendo que aí está drasticamente colocada uma forte opressão racial contra o país que realizou a única revolução negra vitoriosa de toda a nossa história. Ao fazer isso, nossos operários e jovens, mas principalmente os negros dentre eles, se veriam como aliados internacionais de seus irmãos explorados de classe e oprimidos de raça, e passariam a constituir uma aliança internacional baseada em combates contra o mesmo inimigo, agudizando o caráter de classe dessa aliança pela opressão racial histórica mutuamente sofrida, que de acordo com Trotsky, aumenta a contradição de classes, não anula.

... à IV Internacional e questão negra nos EUA

Com a convocação da construção da Quarta Internacional, congregam-se às fileiras da Oposição de Esquerda figuras importantes do comunismo mundial, dentre elas os que passariam, posteriormente, a dirigir o Socialist Workers Party, como James P. Cannon e CLR James. Existe uma importância fundamental no fato da fundação dessa seção trotskysta nos EUA para o desenvolvimento de teses de Trotsky sobre a questão negra, pois é a primeira vez que o marxismo revolucionário se via exposto a uma situação política onde as negras e negros eram um fator central na realidade nacional em um país economicamente e politicamente tão determinante para o rumo da revolução internacional.

É ali que Trotsky desenvolve a tese do direito à auto-determinação em solo “estrangeiro”, combatendo uma pressão em CLR James de que esse programa deve ser agitado pelos brancos ou proposto pelos partidos brancos, afirmando que a atitude do PC em fazer isso durante a década de 30 constituía-se em uma forte substituição e possível ofensa ao povo negro: “Era um caso em que os brancos diziam para os negros, ‘Vocês devem criar um gueto só de vocês’ (...) A única interpretação deles (dos negros) é possivelmente os brancos querem ficar separado deles”[1] (tradução nossa). Neste trecho, fica clara a concepção de Trotsky de que, aliada à auto-determinação está o fundamental protagonismo dos negros no que diz respeito a sua luta contra a opressão racial, levando a que, no caso dos revolucionários, esse espaço de debate e constituição ideológica do movimento negro seja de participação privilegiada do movimento negro.

A partir de outra sequência de reuniões e debates internos com o SWP, Trotsky afirma elementos fundamentais para o rumo organizativo do partido, partindo do pressuposto de que o SWP deveria, ao mesmo tempo, refletir a necessidade de organizar um movimento de negros e de ser ele também uma organização negra, fazendo com que a questão negra passasse a ser parte considerável de seu programa, de suas publicações, de sua prática política e de sua composição social. Isso significaria, por exemplo, elevar a tímida luta política contra o racismo a níveis muito agudos e ter o racismo como crivo de entrada para o partido, ou seja, para militar no SWP deveria importar mais se este ou aquele operário é contra o racismo e defende os negros e as demandas deles do que uma série de outros possíveis crivos ideológicos, que num país tão racista e opressor, tomam uma importância secundária na vida política cotidiana, enquanto que o racismo é questão latente na vida de qualquer operário[2] .

O conjunto dessas transcrições foi publicado em 1939 na Seção de título “Sobre a luta Negra” (“On the Negro Struggle”, no original), como um suplemento especial do jornal do SWP, o Fourth International. Essa publicação foi a primeira do marxismo dedicada exclusivamente a questão negra em todo o mundo, e se dava como parte de uma profunda luta política tanto com a ideia de que é possível acabar com o racismo dentro do capitalismo, quanto com a prática substitucionista, naquele momento, que levava a cabo o PC Americano no campo do programa de luta do povo negro.

Alguns (des)paralelos com o Brasil e os frutos da ausência do Trotskysmo

No Brasil, o movimento do Stalinismo se deu de maneira bastante diferente. Em lugar de pôr em prática uma política substitucionista como o fazia nos EUA, a década de 1930 e principalmente de 1940 foi marcada aqui por uma profunda ausência do debate e da prática sobre a luta negra em nosso país. A linha política para a literatura, por exemplo, o PC impunha uma linha editorial que levou a que escritores como Jorge Amado expressassem em suas obras uma visão do Brasil compatível com a tese da democracia racial, em consonância com o “modernismo” de Gilberto Freyre.

A tese da miscigenação foi corroborada pelo Partido Comunista Brasileiro naquele momento, tendo levado décadas para que, recentemente, após inclusive as décadas de reorganização do movimento negro (60 e 70), o PCB tenha assumido a tese de que o Brasil convive com o racismo e que é preciso organizar o movimento negro com suas pautas exclusivamente de luta contra o racismo, apesar de ter tido dentro de suas fileiras intelectuais como Clovis Moura que em muito contribuiu para abrir um caminho de questionamento à tese da democracia racial.

Essa visão de Brasil torna-se clara quando analisamos o rumo político que o Partido decidiu tomar no calor da luta de classes dos anos 20, 30 e 40. Abraçar a tese da miscigenação estava, naquele momento, totalmente ligado a proteger as relações profundas que mantinham com altos setores da burguesia nacional, que jamais conseguiria aceitar que o PCB dirigisse campanhas contra o racismo, já que ela mesma era (e é) herdeira da escravidão e se alimenta dos novos modelos de superexploração pela via da divisão da classe em raças com salários diferentes e direitos, gradativamente, ausentes. Assim, majoritariamente apoiado na linha da miscigenação, o PCB legitimava sua aliança com os setores que seguiam se beneficiando do racismo.

Entretanto, não foi apenas o PCB que deixou a questão negra de lado. Ao se buscar a trajetória de correntes políticas da mesma época, é possível ver que a própria LCI, apesar de reivindicar-se Trotskysta, não tinham nenhuma reflexão sobre a questão negra, e deixavam esse espaço ser ocupado por figuras absolutamente questionáveis, como a própria Frente Negra Brasileira, com uma de direita – que apesar de seus problemas políticos, carrega o triunfo de ter sido um dos primeiros momentos de organização aberta do povo negro após a abolição.

É provável que a existência de uma clareza política como a que colocava Trotsky à prova tivesse sido capaz de grandes proezas do movimento operário brasileiro, obviamente se somadas às críticas profundas sobre os rumos da Terceira Internacional, a começar pela tese do socialismo em um só país. Entretanto, apesar dos eventos passados nos ajudarem muito para pensar a política do futuro, devem servir apenas para isso, de fato. Não há sentido em tentar mudar as peças do quebra cabeça da história se não for para refletir como podemos fazer as coisas no presente, o que do ponto de vista da questão negra passa, obviamente, por uma recuperação das fundamentais contribuições de Trotsky para a existência de um forte e revolucionário partido de trabalhadores e de negros no Brasil, que coloque a frente a luta contra toda forma de opressão ao passo que convence, um a um, cada jovem estudante ou trabalhador negro que, afinal de contas, “não há capitalismo sem racismo” (Malcom X).


Notas

1 Self-Determination for the American Negroes, México, Abril de 1939. Constitui de uma transcrição da reunião entre Trotsky, Cannon e CLR James.
2 A Negro Organization




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias