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Trotskismo e militância cultural

A militância cultural revolucionária não estrutura-se a partir do aliciamento mas sim através da descentralização que deve atrair os mais variados artistas e intelectuais que reconhecem o processo de putrefação da cultura no capitalismo. O artista militante, que integra-se analogamente ao conjunto das atividades culturais da esquerda, não usa a arte como desculpa ideológica para professar o comunismo.

domingo 24 de maio de 2015 | 00:00

Não é apenas uma estratégia correta que deve ser colocada para a política cultural da esquerda, mas a própria definição da militância no campo da cultura. Leon Trotski refletiu com propriedade, e sem cair em pedantismo, sobre aquilo que na União Soviética do início dos anos vinte denominava-se “militantismo cultural". Definitivamente Trotski estava longe de ser um burocrata diletante: tratando-se de arte em especial, podemos afirmar que o cara entendia do riscado. O general do Exército vermelho fez uso do marxismo não para enquadrar, subordinar ou menosprezar os movimentos artísticos revolucionários, mas para refletir sobre a colaboração original que estes podem apresentar para a construção do socialismo.

Todas aquelas bobagens em torno da “arte proletária", do populismo e das tendências artísticas contaminadas pela intelectualidade burguesa foram implacavelmente criticadas por Trotski. Visto que erros teóricos, surtos acadêmicos, sectarismo, despreparo e histerismo intelectual ainda são realidades na vida cultural da esquerda brasileira, o trotskismo é mão na roda na hora de corrigir e problematizar as formas de ação no campo da cultura. A orientação cultural em torno do “permanentismo" é uma alternativa política atual para que a ação do artista, do escritor e do esteta seja pensada não enquanto mera correia de transmissão de um centro de poder político, mas como parte de um movimento plural que integra, de modo independente, o combate contra os frutos da cultura dominante; que aliás não só apodreceram como estão caindo do pé.

A maneira como a arte e a literatura trabalham para desestabilizar o equilíbrio e os costumes vigentes deve ser pensada a partir de uma verdade irremediável: sem as experiências estéticas revolucionárias a emancipação humana ficaria a meio mastro. Existindo caminhos para a arte que se pretende revolucionária, não dá para conformar a reflexão estética marxista dentro de uma forminha de bolo. Se o dirigismo só acarreta em desastres, receituários artísticos não apenas dão no saco como estão longe de atrair aqueles que criam a arte inconformista do nosso tempo. Não é de se espantar que vários artistas rebeldes fogem do marxismo como o diabo da cruz: ao invés de estimular a criatividade, a ousadia e a originalidade, alguns militantes de esquerda portadores de uma leitura empobrecida (e diga-se de passagem, mecanicista) do marxismo, querem converter artistas em escoteiros. Armar teoricamente um artista não envolve apenas uma formação no âmbito da Economia Política (o que é vital) mas sim cavar um contexto em que obras de arte e diferentes movimentos artísticos sejam debatidos e problematizados de acordo com as suas especificidades.

O que precisa ser sepultado de vez é aquela velha caricatura da (falsa) aplicação marxista aos problemas da arte. Ninguém aguenta mais aquelas figuras “realistas“ (quando não estilizadas ao gosto hollywoodiano ou da telenovela) com a chaminé de uma fábrica ao fundo. Sem dúvida que a imagem da chaminé de uma fábrica, assim como as imagens da exploração capitalista, podem ser trabalhadas pelo artista que almeja acertar um cruzado de esquerda no gosto burguês (a denúncia é fundamental em matéria de arte). Porém, a compreensão que o artista faz da sociedade atual (e só o marxismo pode fornecer um entendimento histórico, preciso, desta sociedade) não pode se confundir com a dinâmica específica da criação e da militância cultural. Para o trotskismo, a reflexão e a criação artística realizadas na imprensa operária e em casas de cultura, não tem por objetivo promover “mantras do materialismo dialético", mas sim disseminar ideias e manifestações que contribuem com a ruína da civilização burguesa. O debate estético não é um mero momento de “recreação" mas um contexto para definir as complexas relações entre arte e revolução.

Trotski afirmou em seu clássico “Literatura e Revolução" que as particularidades artísticas e psicológicas da forma devem ser levadas em conta, pois elas podem abrir um caminho para a percepção do mundo. A própria técnica precisa ser aprimorada, estudada pelo artista revolucionário. Ou seja, se a criação artística é fruto de uma necessidade, é preciso que a militância cultural seja disseminadora de práticas, estudos e debates que armem intelectualmente os artistas tomados pelo desejo de ruptura com a ordem existente. A militância cultural revolucionária não estrutura-se a partir do aliciamento mas sim através da descentralização que deve atrair os mais variados artistas e intelectuais que reconhecem o processo de putrefação da cultura no capitalismo. O artista militante, que integra-se analogamente ao conjunto das atividades culturais da esquerda, não usa a arte como desculpa ideológica para professar o comunismo. O fato da arte e da ideologia serem inseparáveis, não escraviza o artista, pois a criação verdadeiramente livre acena para a ideologia revolucionária que se faz sentir no plano da obra.

Mesmo quando evoca ou exprime a luta revolucionária, a arte não é a revolução em si. Mas a revolução depende da arte. Uma redefinição do que é militância cultural está por vir; e o trotskismo possui a chave histórica para a sua realização.




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