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DEBATE | Teoria marxista da acumulação e a tese do estancamento secular

sexta-feira 8 de janeiro de 2016 | 00:00

A crise econômica que vivemos desde o final de 2007 e que já pode ser vista como uma das mais longas da história do capitalismo, com todos as sua mudanças conjunturais, reaviva e retoma uma série de debates importantes no campo da economia política. Derrubando de uma vez por todas o triunfalismos burguês que se erigiu após a queda do muro de Berlin - aquele mesmo que ébrio de sua vitória dizia que a história tinha acabado e que não haviam alternativas, que as crises tinham sido superadas e o trabalho era coisa do passado - leva os economistas a serviço do capital a buscarem explicações para a profundidade e gravidade, a extensão espacial e temporal, da presente crise econômica.

Uma das teses centrais apresentadas pela economia vulgar burguesa moderna, por alguns de seus apologetas mais conhecidos, é a tese do estancamento secular, cujo principal formulador é o ex-secretário do tesouro estadunidense Lawrence Summers. A tese central do economista estadunidense é que uma das chaves para entendermos a presente crise e o fato de que ela tem seu epicentro nos países imperialistas centrais, diferente de todas as crises anteriores do capitalismo desde a queda do muro, que tiveram como centro os países periféricos do capitalismo – crise mexicana, russa, tigres asiáticos, brasileira- (existe o caso especial da crise das novas tecnologias, na virada do século, que afetou principalmente a economia estadunidense, mas sobre suas particularidades não entraremos aqui) é o baixo crescimento vegetativo da população nos países imperialistas, o que impediria a formação da mão de obra necessária para dar base ao crescimento econômico.

Como se buscará mostrar nos limites desse pequeno artigo para jornal o economista estadunidense se move como se moveram antes dele todos os representantes da economia vulgar burguesa, que após o momento de desenvolvimento clássico desse campo científico a partir do ponto de vista da classe dominante, nas mãos de Adam Smith e David Ricardo, passou a tratar apenas dos elementos fenomênicos mais imediatos, mais superficiais.

Com isso queremos dizer que Summers expressa de forma relativamente correta uma primeira aproximação com o problema sem poder se aprofundar nele e entendê-lo a fundo, preso que está aos prejuízos e preconceitos de uma visão reificada, que não pode ultrapassar o estreito ponto de vista da produção burguesa, que vê ainda o capitalismo como o melhor dos mundos possíveis e insuperável forma da produção de riqueza e das relações humanas.

Para termos as bases fundamentais para entendermos a presente crise econômica temos que partir dos pressupostos corretos, o primeiro sendo que essa não é uma crise da produção em geral, da forma humana da geração da riqueza, mas uma crise gerada pelas contradições próprias do desenvolvimento das relações de produção capitalistas, crise essa que mais uma vez atualiza a ideia de que o limite da produção capitalista é o próprio capital.

Os pressupostos da acumulação ampliada do capital

Para entendermos os limites da produção capitalista temos antes que compreender os pressupostos para a reprodução ampliada do capital; para isso partiremos aqui tanto dos esquemas de reprodução formulados por Marx no livro II d´O Capital´ quanto de sua crítica às teorias da reprodução de Adam Smith e David Ricardo em ´Teorias da Mais –Valia. Para focarmos melhor no debate central a ser levantado com Larry Summers e facilitar a exposição e compreensão do argumento faremos abstração de alguns elementos importantes na acumulação ampliada do capital como o aumento na composição orgânica do capital ou a queda tendencial na taxa de lucro que dela provem (apesar de esse ser um dos fatores fundamentais que explicam as crises capitalistas aqui quero me ater a outro fator que vejo como essencial); com a continuação do debate e seu aprofundamento essas variáveis poderiam ser colocadas sem prejuízo para o argumento de fundo.

Nesse sentido, quais são os pressupostos básicos para que o capitalista inicie o processo de produção? Que ele encontre sobre a forma de mercadorias os elementos fundamentais que são necessários ao engajamento do processo produtivo; é necessário que ele possa adquirir, sob a forma de mercadoria, tanto os pressupostos objetivos para a produção, as instalações, as máquinas (capital fixo), os insumos e matérias primas (capital circulante), que juntos formam o que Marx denomina capital constante, quanto seus pressupostos subjetivos, ativos, os trabalhadores, com sua capacidade de trabalhar, sua força de trabalho, também transformada em mercadoria, capital variável.

Assim como para iniciar o primeiro ciclo produtivo é necessário ao capital contar com esses pressupostos, para cada novo ciclo produtivo esses pressupostos tem que ser renovados e recriados. Decorre do dito acima que se o próximo ciclo produtivo se dá de forma ampliada em relação ao anterior, se ocorre uma acumulação ampliada do capital, os pressupostos para sua reprodução tem que ser reproduzidos de forma ampliada.

Exemplo: se num primeiro ciclo produtivo o total investido pelo capitalista é de $ 9.000,00, sendo $ 6.000,00 investidos em capital constante e $ 3.000,00 em capital variável e partindo do pressuposto que cada trabalhador recebe $ 10,00 por cada ciclo produtivo, teríamos um total de 300 trabalhadores que teriam que estar com suas forças de trabalho disponíveis no mercado de trabalho para o início do primeiro ciclo produtivo (nesse primeiro momento abstrairemos também o exército industrial de reserva, absorvendo esse fator no debate logo abaixo).

Partindo de uma taxa de mais-valia de 100% e considerando que o capitalista consumisse para seus próprios fins pessoais uma sexta parte dessa mais-valia, iniciaríamos o segundo ciclo produtivo com um valor de $ 2.500,00 para ser reinvestido na produção. Partindo ainda do pressuposto que a divisão desse valor a ser reinvestido respeitaria as mesmas proporções anteriores (posto que como assumido anteriormente mantem-se a mesma composição orgânica do capital) teríamos a seguinte distribuição do capital investido entre constante (CC) e variável (CV): CC=$ 1666,66, CV=$ 833,33. Esse montante de valor em capital variável representaria um novo contingente de 83 trabalhadores (aproximadamente) a serem encontrados disponíveis no mercado de trabalho.

Onde encontraria o capitalista esse novo montante de mão de obra disponível no mercado de trabalho? Num primeiro momento no exército industrial de reserva, população excedente de trabalhadores cujo uma das funções essenciais para a reprodução do capital é ser essa fonte permanente de mão de ora disponível para a acumulação ampliada. Mas com a utilização cada vez maior desse reservatório de mão de obra em cada novo ciclo produtivo capitalista ele vai cada vez mais diminuindo, posto ser uma fonte limitada de nova mão de obra.

Com a diminuição do exército industrial de reserva e uma relação de oferta e procura da mercadoria força de trabalho mais favorável aos trabalhadores o preço (e em alguns casos o valor mesmo) dessa mercadoria tende a subir, o que cada vez mais vai se tornando um empecilho para a acumulação ampliada do capital.

Exemplo: se no novo ciclo produtivo o capitalista tem um valor de $ 1.500,00 que lhe permitiria dentro da configuração anterior do mercado de trabalho contratar 150 trabalhadores, agora com uma mão de obra mais escassa no mercado os trabalhadores podem exigir um novo salário de $ 15,00 por ciclo produtivo, o que permite ao capitalista com esse valor contratar apenas 100 trabalhadores e não os 150 anteriormente previstos. A acumulação ampliada do capital fica assim limitada pelos limites da capacidade de os capitalistas expandirem o mercado de trabalho dentro de suas necessidades.

Cada época histórica tem suas próprias leis de população

Vemos assim que o problema levantado por Summers reflete um limite real do capital e de sua reprodução ampliada; o grande problema é que o economista estadunidense quer fazer de um problema histórico determinado expresso em relações de produção específicas um problema da própria produção de riquezas, um problema de uma abstrata economia em geral.

Os capitalistas para a reprodução ampliada do capital necessitam uma permanente reprodução ampliada de seus pressupostos, no entanto, enquanto os capitalistas controlam e podem reproduzir de forma semi-consciente e relativamente planejada os pressupostos materiais da produção (o capital apesar de administrar e planejar de forma cada vez mais profunda a produção nunca supera a anarquia da produção) seus pressupostos subjetivos, os trabalhadores, são muito menos passiveis de controle análogo (apesar de tentativas de controle como o fordismo, por exemplo).

A questão é que para produzir um mercado de trabalho adaptado as suas necessidades de reprodução ampliada o capital nunca contou apenas e nem principalmente com o crescimento vegetativo de sua população trabalhadora nacional. Uma das formas fundamentais através das quais o capital historicamente buscou ampliar a massa de trabalhadores a serem explorados foi a expansão de seu espaço econômico através da exportação de capitais, um dos traços fundamentais do imperialismo, tal qual formulado por Lenin.

É através da exportação das relações capitalistas para espaços econômicos ainda não totalmente submetidos as relações diretamente burguesas, com populações ainda não diretamente assalariadas, que ainda tem uma relação direta, por mais que precária, com seus meios de produção, através da submissão e proletarização dessas populações, num processo que o geografo e economista britânico David Harvey irá chamar de acumulação por despossesão, que o capitalismo busca superar essa que é uma das barreiras fundamentais à sua existência.

A relação metabólica entre o capital e os modos de produção pré-capitalistas

Apesar dos erros importantes em sua teoria da acumulação e das crises o mérito fundamental da obra de Rosa Luxemburgo ´A Acumulação do Capital` é ter mostrado a necessidade permanente de o capitalismo estabelecer relações metabólicas, de apropriação, com espaços econômicos não capitalistas.

É através dessa continua destruição das antigas relações de produção e transformação delas em relações burguesas que o capital busca superar suas contradições internas, sempre as tornando mais profundas e difíceis de serem superadas num momento posterior.

Um dos limites fundamentais da expansão e reprodução ampliada do capital, portanto, é sua incapacidade em superar as resistências a essa continua expansão. Como se buscou demostrar um dos elementos fundamentais para que o capital possa criar um mercado de trabalho adaptado as necessidades de sua acumulação ampliada é a proletarização permanente do contigente populacional nas diversas regiões do globo que ainda não está submetido ao trabalho assalariado.

Dessa forma o capital pode sempre ampliar a massa de trabalhadores disponíveis, tanto de forma direta quanto aumentando o exercito industrial de reserva. Não por um acaso a revista inglesa The Economist vê com bons olhos a leva de refugiados que adentra hoje a Europa, vendo nesse contingente populacional parte da resolução do problema de escassez de mão de obra que afeta o continente. Mão de obra barata e dócil, é isso que precisam os patrões para continuar a expandir sua produção.

Conclusão

A presente crise não é expressão dos limites da expansão populacional nas sociedades maduras, de capitalismo desenvolvido, como tentam se esquivar do problema os economistas que escrevem como defensores e apologetas do capital, mas reflexo dos limites do regime de acumulação determinado que se construiu após a queda do muro de Berlin, regime de acumulação esse que tinha como finalidade superar a crise estrutural por que passava o capitalismo desde a década de 70.

Esse novo regime de acumulação se baseava tanto na liberalização econômica, na hiper-financeirização, quanto na exportação de capitais e apropriação das riquezas naturais dos países do leste europeu e China, agora absorvidos para dentro do espaço econômico capitalista, juntando a esses fatores a exportação de capitais para os países do sudeste asiático conhecidos como tigres asiáticos.

As primeiras demonstrações dos limites desse novo regime de acumulação se deram com as crises capitalistas que atravessaram toda a década de 90 (as principais sendo as crises Asiática e Russa). Primeira tentativa de o imperialismo superar os limites desse novo regime de acumulação foi a invasão do Iraque por parte do governo Bush, que permitiria uma intervenção mais profunda e uma colonização direta dos países periféricos do capitalismo, aumentando a capacidade de lucro das principais empresas capitalistas.

Com a derrota dessa estratégia de superação de seus limites a saída encontrada pelo imperialismo, principalmente estadunidense, foi o aumento da financeirização da economia, alcançado patamares nunca antes vistos e o incremento da exportação de capitais para o leste asiático, principalmente China, que aprofundava sua integração ao capitalismo com sua entrada na OCDE no começo do século.

É essa relação simbiótica entre uma gigantesca financeirização da economia estadunidense e a economia chinesa como “fábrica do mundo” que entre numa crise profunda a partir de 2008, de forma desigual e combinada, tanto temporal quanto geograficamente.

Será necessário para o imperialismo encontrar um novo regime de acumulação, que não mais poderá partir de relações simbióticas entre China e EUA, mas que ao contrário tende a levar a relações cada vez mais conflituosas entre esses países. Isso por que dentro do ponto de vista imperialista a forma fundamental para superar a crise é submetendo mais aguda e diretamente o imenso mercado de trabalho chinês a suas necessidades de expansão ampliada. Outra forma ainda é conseguindo matérias primas mais baratas, o que explica tanto os movimentos mais agressivos do imperialismo no oriente médio e os maiores conflitos com a Rússia.

São essas as bases econômicas para os conflitos entre o ocidente e a Rússia em relação a Ucrânia e Síria, por exemplo e a escalada de rusgas entre EUA e China.

Ao mesmo tempo que esses conflitos podem levar a consequências catastróficas se se agudizam a crise dos de cima cada vez mais abre espaço para saídas alternativas, que só podem ser dirigidas pelos trabalhadores associados.


Temas

Economia



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