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ANÁLISE | Tensões sem precedentes entre EUA e Rússia

A humilhação que a queda de Aleppo significaria para os Estados Unidos não descarta totalmente um enfrentamento, ainda que a um custo enorme. Uma perspectiva reacionária que enche de incertezas o cenário mundial.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

sexta-feira 14 de outubro de 2016 | Edição do dia

O colapso do acordo de cessar-fogo de Kerry-Lavrov e os avanços do exército Sírio em Aleppo estão colocando a Guerra na Síria diante de um ponto de mudança. Diante da quase certa queda desta cidade estratégica, que definiria decisivamente o curso da guerra, EUA está diante de uma opção difícil: ou aceita uma humilhante derrota ou, caso contrário, deve escalar militarmente.

A provável queda de Aleppo e as opções dos Estados Unidos

Embora ainda não esteja decidido, EUA poderia enviar mais armas para o campo da oposição, incluindo a variante local da Al Qaeda. Esse envio de armas poderia compreender até MANPADS (sigla em inglês para sistema de defesa aérea portátil), TOWs (mísseis guiados antitanque) e Javelins (um míssil antitanque e portátil desenvolvido pelos EUA). O MANPADS é uma ameaça para os aviões de apoio próximo e helicópteros, porque é fácil escondê-los ou exibi-los, enquanto o TOW produzido atualmente pode penetrar qualquer blindagem conhecida de tanque. No entanto, levando em conta que os aviões russos voam a mais de 5.000 metros, ou seja, fora do alcance dos MANPADS, seu efeito poderia ser marginal. E ainda que essa arma possa afetar os helicópteros de combate russos, além da forte capacidade de neutralizá-los, a principal fonte de poder de fogo em apoio ao Exército Sírio seguem sendo os aviões russos.

Se essa resposta não funciona – questão altamente provável –, a última carta que resta aos EUA é estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre a Síria. Mas no avanço dessa jogada, o Pentágono está consciente de que há o risco de uma guerra contra a Rússia. Nesse momento, essas duas opções, segundo informantes, foram descartadas pela administração de Obama, a primeira porque essas armas podiam cair nas mãos do Estado Islâmico ou milícias ligadas à Al Qaeda e a segunda por ser julgada como “muito arriscada”.

Mas, considerando que uma derrota na Síria seria muito dispendioso para as perspectivas norte-americanas na região, e em geral, sobre a percepção da hegemonia norte-americana a nível mundial, o estado maior russo faz tudo o possível para aumentar os eventuais custos dessa opção extrema. Dado que a relação global de forças é favorável aos EUA e seus aliados da OTAM, a Rússia tenta adiar o confronto, mantendo o nível mais baixo de escalada (depois do ataque norte-americano “por engano” contra as forças sírias, várias relatórios de ações militares indicariam que a Rússia vem respondendo provocando a morte de vários espiões ocidentais que estão no campo rebelde sírio, tudo isso sob o absoluto sigilo em ambos os lados), aumentar a pressão sobre os aliados europeus, em especial a Alemanha, enquanto tenta criar as condições no terreno (Aleppo) que tornem inútil o ataque norte-americano. Essas são apenas especulações, e isso demonstra a firmeza da atitude russa que depois de 6 de outubro anunciou a implantação do modelo S300V4 "Anteys-2500" do sistema S300 em suas bases na Síria, ou seja, uma versão muito avançada que pode interceptar e destruir os mísseis de cruzeiro – dispositivo militar essencial que os EUA tem utilizado de forma abusiva e impune em suas intervenções militares nas últimas décadas.

Repetimos, ainda que os riscos pareçam completamente fora de proporção em relação aos potenciais benefícios, o que torna difícil acreditar que os EUA possa iniciar esse caminho belicista, e diante de uma eventual vitória de Hillary Clinton que reforçaria novamente a politica neocon (que teve seu auge e fracasso durante a presidência de Bush filho), não se pode descartar 100%, mas considerando também a mensagem que significaria para o mundo que os russos consigam que os EUA saiam de sua frente na Síria. Se agora um presidente como o filipino se atreve a tratar Obama como “filho da...” e, em seguida, diz aos EUA que vá pro inferno, imaginemos o que esse cenário sombrio significaria para as perspectivas da hegemonia norte-americana em decadência.

Apesar do improvável, o mundo inteiro se prepara

Mas, apesar da improbabilidade de um cenário tão extremo, o mundo inteiro começou a considerar a degradação perigosa da situação internacional. Muitas autoridades ocidentais dizem que não se trata de um blefe e argumentam que o mundo nunca esteve tão perto do que alguns chamam de uma terceira guerra mundial. Esse é o caso do Ministro de Assuntos Exteriores Alemão, Frank-Walter Steinmeier, que disse essa semana em uma declaração ao jornal Bild que o atual período é “mais perigoso” do que a velha Guerra Fria. “Os tempos atuais são diferente, mais perigosos”, disse o chanceler alemão no jornal mais lido do país. “O perigo de um confronto militar é considerável”, afirmou o ex-diplomata alemão Wolfgang Ischinger, que foi mediador da OSCE para a Ucrania, citado no mesmo artigo. “Esse perigo nunca foi tão importante durante décadas e a confiança entro o Ocidente e o Oriente nunca esteve tão baixa”.

É que, ao contrário da Guerra Fria, cujas tensões estavam circunscritas ao acordo de partilha do mundo assinado em Yalta – que que apesar dos atritos e tensões foi cumprido pelas duas superpotências da época, como provou, por exemplo, a aquiescência dos EUA ao esmagamento russo à revolução húngara – da que se cumprem em data próxima 60 anos –, a esfera atual da rivalidade entre os EUA e a Rússia toca um interesse vital deste último país: seus interesses nacionais no espaço pós-soviético. É essa nova característica que dá uma forte incerteza sobre o desenlace do conflito, assim enfatiza o especialista russo Eduard Popov, quando diz pessimista que “Em toda probabilidade o mundo está caminhando sobriamente a uma nova Crise dos Mísseis de Cuba de 1962, mas com uma diferença notável. Em 1962, os EUA tinham a sua frente um líder forte, responsável, com espirito independente, John F. Kennedy; hoje, o país é liderado por Obama, que nem seque tem autoridade suficiente para controlar seu próprio exército (...) [Mas] é pouco provável que cheguemos a uma Terceira Guerra Mundial com o uso pleno das armas nucleares estratégicas, mas é mais provável que cheguemos a um determinado número de conflitos locais e periféricos. Síria será o principal desses conflitos...”.

Uma forte amostra do envenenamento da situação, é que a Rússia de Putin é tratada pelos meios de comunicação ocidentais da mesma forma que foram velhos adversários dos Estados Unidos – desde Slobodan Milosevic da Sérvia a Saddam Hussein do Iraque, ou Muammar Gaddafi da Líbia. Como disse Boris Johnson, ministro de Assuntos Exteriores do Reino Unido, a Rússia está em perigo de se tornar um “Estado pária” (“rogue state”), Enquanto isso, na Europa Oriental, ocorrem celebrações para que os aviões de combate norte-americanos se deem aos russos e ganhem.

Alarmante o suficiente para que o último líder da União Soviética, Mijail Gorbachov tenha declarado na última terça-feira, para pedir um sinal de desescalada urgente. “Creio que o mundo está se aproximando perigosamente da zona vermelha”, declarou Gorbachov à agencia de notícias russa RIA Novosti.

Conclusão: os dirigentes das principais potencias imperialistas não apenas estão despejando a crise econômica sobre as massas do mundo, como essa última está se tornando rapidamente uma crise geopolítica, aumentando as probabilidades de guerras inclusive entre as grandes potencias, em um horizonte por si já perigoso. Eles devem ser parados.

Tradução: Pammella Teixeira




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