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VENEZUELA | Tensões no chavismo em meio à ressaca pós-6D

A contundente derrota eleitoral sofrida pelo chavismo pelas mãos da oposição de direita, ao perder a hegemonia parlamentar nos marcos da crise econômica que impera no país, começa a incidir no interior do chavismo, mostrando os primeiros elementos de uma crise interna que se avizinha, a qual poderia acelerar um ciclo de tensões e divisões do próprio chavismo.

Humberto ZavalaVenezuela | @1987_zavala

terça-feira 15 de dezembro de 2015 | 23:50

Os resultados do domingo (6/12) constituem uma das mais duras derrotas para o chavismo; 17 anos de uma quase completa invencibilidade eleitoral em uma vintena de eleições (excetuada apenas pela reforma constitucional de 2007) são interrompidos pela conquista de 2/3 de cadeiras parlamentares pelas mãos da direita. Apenas após uma semana, já podemos ver alguns sintomas dessa crise que começa a se manifestar, que vai da perda da hegemonia parlamentar à coesão interna do chavismo.

"A dança das cadeiras"

Ao saber oficialmente a composição total das 167 cadeiras parlamentares, o presidente Nicolás Maduro solicitou ao Conselho de Ministros, na noite da última terça-feira, dia 8, que colocasse seus cargos à disposição para "reestruturar" sua equipe de governo. A leitura dos resultados conteve um amargo sabor de afronta, mais o habitual chamado a "cerrar fileiras". Na quinta-feira passada, 10, Maduro já anunciava que "a direção nacional, as direções regionais colocaram seus cargos à disposição".

As "indiretas" começaram a ser transmitidas por parte de comunicadores sociais do chavismo mais apologético, que inclui o apresentador do programa "Cayendo y Corriendo" na televisão estatal VTV, Miguel A. Pérez Pirela, quando se fez notável sua troca de tom para questionamentos brandos, como o de "basta de dança das cadeiras!", frente às políticas de manobrar de um lugar a outro da direção do PSUV, ou maquiar-se com "caras novas".

Também Oswaldo Rivero, um dos apresentadores do programa "Zurda Konducta", que é transmitido à noite pelo mesmo canal, expressava em um ato não temer que o retirassem de seu programa, com microfone em mãos gritava: "Temos observado diferentes meios de comunicação, do comando de campanha querendo colocar a culpa no povo, que por culpa do povo as eleições foram perdidas", esquecendo-se de estender esse apontamento ao próprio Maduro.

É que Maduro, cinicamente, fez afirmações, em diversos discursos, nos quais atribui "a culpa ao povo", com o mesmo teor que também fez a burocracia sindical que o sustenta, como se vê nas lamentáveis declarações de Wills Rangel (CBST): "o povo tem memória curta. Não entendemos o Plano da Pátria, o plano de Chávez, não entendemos uns dos milhões de venezuelanos e venezuelanas".

Proteção de Cadeiras

Mas a "proteção de cadeiras" também primou nas declarações de alguns altos dirigentes do PSUV, como o governador Vielma Mora (Táchira): "Se as eleições tivessem sido apenas em Táchira, teriam culpado o governador, mas os resultados foram a nível nacional e indubitavelmente a situação econômica motivou o povo a votar contra a revolução e nossos candidatos".

Existem casos de eleitos como deputados à Assembleia Nacional por parte do PSUV que ocupam atualmente cargos como prefeitos que não exerceram suas funções como parlamentares. Um primeiro exemplo disso foi o do prefeito de Guanare (estado de Portuguesa), Rafael Calles (PSUV), que, em uma entrevista nesta quarta à rede de televisão regional de Portuguesa, declarou que a Junta Diretiva do partido desse estado, assim como havia sido "imposta" sua candidatura ao parlamento, surpreendentemente lhe foi exigido que renunciasse à cadeira na Assembleia e que o deixasse nas mãos de uma deputada suplente, o que acatou sem resistência e sem muita explicação.

Outro é o caso do prefeito de San Francisco (estado de Zulia), Omar Prieto (PSUV), que declarou que: "Tomei a decisão, das circunstâncias que se apresentaram nas eleições, de, por agora, não me incorporar à Assembleia Nacional, mas me manter como prefeito do município de San Francisco". Ação que tomou por vontade própria pelo impacto da derrota.

Rumores que se criam sobre as Forças Armadas

Na noite do domingo, durante a prolongada espera pelos resultados eleitorais, começaram a circular rumores e especulações sobre pressupostas discussões entre o Ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e o presidente da AN, Diosdado Cabello. Ainda que o rumor tenha sido iniciado pelo diário Nuevo Herald sem citar nenhuma fonte, o que lhe tirou credibilidade, o fato é que a dita especulação rapidamente foi replicada por diversos meios da direita. Não é necessário esclarecer que esse meio de Miami se caracteriza por levantar rumores com o objetivo de gerar matrizes de opiniões tendentes a criar confusão, muitas vezes sem sustentação.

Isso foi rapidamente desmentido pelo próprio Padrino López em uma entrevista à Telesur: "Querem gerar confusão sobre pressão dos militares para o reconhecimento dos resultados, isso é um desrespeito", enquanto durante o programa "En contacto con Maduro", Cabello afirmou que: "Quando ocorrer algo aqui, Vladimir Padrino e eu estaremos um ao lado do outro".

Não se sabe ao certo o que se passa no seio das Forças Armadas. Para além da especulação sensacionalista do porta-voz diário da direita, o fator das Forças Armadas e suas possíveis divisões internas no próximo período segue sendo uma incógnita, como o dissemos na declaração: "Forças Armadas que, pela mão do chavismo, avançaram a um grande posicionamento na vida econômica e política do país, localização desde a qual se desenvolveu toda uma série de interesses materiais e políticos que contam muito na hora de qualquer transição".

A "dissidência chavista" e a "Esquina caliente" travados no mesmo lado

Os questionamentos à direção política do chavismo também provêm daqueles que pertenceram a essa direção por anos, executando políticas que em parte hoje criticam. Assim, em uma roda de imprensa no Hotel Conde efetuada na última quarta, dia 9 de Dezembro, a seus convocantes, os ex-ministros Héctor Navarro e Jorge Giordani, "é catastrófico o que está acontecendo". Segundo essa leitura, não seria esse um triunfo da oposição, mas sim o "fracasso da direção do PSUV".

Essa roda de imprensa foi interrompida por grupos autodenominados "poder popular da Esquina Caliente", os quais irromperam no local acusando-os de "traidores" e outros insultos, os quais marcaram a retirada de jornalistas e ex-ministros através da cozinha do hotel, diante da negativa de proteção solicitada por estes à GNB.

Navarro e Giordani fizeram parte do grupo de ex-ministros que, ao sair da direção nacional do PSUV, conformou a chamada "dissidência vermelha", grupo de ex-funcionários dos governos de Chávez que se separava da direção sob o governo de Maduro.

Esse grupo apenas se limitou a denúncias à alta burocracia (evitando mencionar nomes e casos), e a sugerir ao governo um conjunto de medidas econômicas que estão longe de um equilíbrio completo do que fracassa no esquema econômico do chavismo. Mais longe está de ameaçar a propriedade privada capitalista e de solucionar a grande crise econômica do país, sua preocupação fundamental estava na queda dos níveis de aceitação do governo e sua proposta de "resgate" através de uma reestruturação da direção política do PSUV, que chamam de "golpe de Timón".

Aliados nessa tarefa, outros grupos minoritários como Marea Socialista defendem que "o governo tem sua cota de responsabilidade. Tratar de lhe atribuir a responsabilidade por uma guerra econômica é estar desconectado da realidade", disse Nicmer Evans em uma entrevista à Unión Radio. "Estamos mostrando o resultado de nossas debilidades" disse, por sua vez, Gonzalo Gómez, aludindo às debilidades do chavismo tanto no governo como na tímida dissidência que defendem grupos como esses, que pouco se distinguem da direção adversária, e a quem Diosdado Cabello, há mais de um ano, disse com sua peculiar imprudência caudilha: "Por acaso a crítica é mais importante do que a lealdade?".

Apenas o começo

Ainda que por hoje não tenham se expressado divisões a níveis do alto escalão, ou de figuras mais representativas, o certo é que já começam a serem sentidos os tremores no interior do chavismo. Assim, em uma Plenária Extraordinária do PSUV, realizada em Caracas nessa quinta, coma presença de Maduto, o questionamento, às vezes áspero, de dirigentes intermediários a ministros se fez presente, como foi o caso de dirigentes do estado de Amazonas que questionaram, alterados, à ministra Nicia Maldonado. Veremos qual dinâmica vai tomando, então, a situação interna do chavismo.

Mas o que é nítido é que o chavismo, com seu importante peso na política nacional, naturalmente tentará manobras para oxigenar suas forças, utilizando todos os meios de que dispõe para sua golpeada governabilidade. Porém, esses "sintomas", vistos na primeira semana após a derrota eleitoral do chavismo, são apenas premissa de um período conflituoso na transição do pós-chavismo. Como dissemos na declaração, abre-se "um período de tensões e enfrentamentos entre o poder Legislativo e o Executivo, de possíveis crises políticas de envergadura, ao mesmo tempo em que abre crise no interior do chavismo".




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