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terça-feira 4 de agosto de 2015 | 08:54

Ano passado uma série de denúncias de estupros e trotes na Universidade de São Paulo vierem a tona escancarando o drama de diversos alunos que sofreram com a violência dentro dos campi. Mesmo após a abertura de uma CPI para investigar os casos nas três universidades paulistas, a impunidade permanece.

O Esquerda Diário entrevistou uma aluna da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMZV-USP) que foi estuprada por um colega de faculdade após uma festa em uma república. Mesmo após a sindicância aberta pela universidade ter apurado o ocorrido o agressor permanece impune e a jovem continua sua luta para não ter que estudar ao lado do estuprador.

Esquerda Diário: Numa sociedade machista como a nossa é sempre muito difícil para a mulher denunciar a violência sexual, o que te motivou a seguir em frente e não suportar calada a dor de ter sido estuprada?

R: Eu lembro que na época eu demorei pra ir fazer o BO porque eu sabia que ia ser difícil. A gente sabe que no Brasil raramente esse tipo de crime é sequer investigado, e eu ia ouvir muita besteira. Mas eu percebi que ia sofrer mais se não fizesse nada, porque aí eu não poderia dizer no futuro "bom, eu fiz a minha parte, fiz tudo o que podia". E também porque neste período que eu fiquei em dúvida, fiquei sabendo que o agressor havia tentado forçar outras meninas em outras festas, e que ele chegou a sugerir pros meninos de embebedar as meninas e levá-las pro centro acadêmico, porque ele sabia como obter a chave. Isso me deixou enojada.

ED: A FMVZ-USP abriu sindicância para apurar o seu caso. Mesmo após a conclusão do inquérito a faculdade segue sem punir o agressor.Que relação você vê com seu caso e a tentativa da reitoria em encobrir os casos da Medicina da USP?

R: Já haviam me avisado que com certeza vão tentar atenuar a pena ou engavetar o caso. A relação é total, a reitoria sempre foi inflexível e corrupta. Eles devem achar que bem feito pra gente, porque somos jovens inconsequentes que enchem a cara e tal. Imagino que sejam pessoas moralistas que acham que isso não acontece com seus parentes.

ED: Quais os motivos que, em sua opinião, levam a reitoria e a burocracia acadêmica a não dar uma resposta efetiva para os casos de violência dentro da universidade?

R: Incompetência, arrogância, desinteresse, conservadorismo... Tudo na USP é sem transparência. Um bando de velhos se reúnem de tempos em tempos pra discutir sei lá o que e não chegar a conclusão nenhuma. Eu realmente não entendo. A lentidão é igual a da justiça brasileira, parece que é de propósito, pra você desistir.

ED: Para além da expulsão e processo judicial, o que é necessário para garantir a permanência de mulheres vítimas de violência e estupro na universidade?

R: Precisamos de profissionais qualificadas para atender as vítimas. Tem que ter um contato próximo das alunas, talvez alguma professora interessada, que passe para um grupo específico, até chegar na comissão central da universidade. E é preciso conscientização, esses temas ainda são muito mal-entendidos pela sociedade brasileira. As próprias alunas que sofrem violência se consideram culpadas. O certo era essa conscientização acontecer na escola, no ensino médio ou algo assim, mas aí é querer demais da educação brasileira. Então que seja feito no ensino superior, fazer o quê.

ED: Qual o papel dos coletivos feministas da USP e a própria Frente Feminista cumpriram ou poderiam ter cumprido em relação a violência que você sofreu?

R: os coletivos são o melhor espaço. Elas te fornecem todas as informações necessárias, te acolhem, fazem tudo o que podem. Sinto falta de mais reuniões presenciais e mais foco, acho que ainda precisamos nos organizar melhor.

ED: Qual a mensagem que você deixa pra outras tantas mulheres vítimas de estupro dentro e fora da universidade?

R: Elas que sabem o que se sentem à vontade ou não em fazer. Eu acho que devemos sempre denunciar, porque se nem isso for feito, não poderemos ter sequer uma estatística. Mas se a mulher estiver em um contexto em que vai se sentir pior denunciando, que pelo menos busque apoio de pessoas de confiança ou procure coletivos feministas e terapeutas pra desabafar. Quando a gente acha que superou e pára de falar a respeito, parece que o trauma cresce e de repente você está mal de novo. A mulher precisa entender que por mais que ache que "deu motivo" pra alguma coisa, ser violentada não é o que ela queria, nem ninguém ia querer. É que nem culpar um cara distraído por ser assaltado ou sequestrado. Eu vou parabenizar o sequestrador e chamar a vítima de trouxa, ao invés de lutar por um mundo em que não tenhamos que se preocupar em ser sequestrados? Se não culpam em caso de roubo e outros crimes, e se não fariam isso se o estuprado fosse homem, por que a mulher tem que se sentir culpada? Temos o direito de andar livres e sermos tratadas como seres humanos. Outra mensagem que eu deixo é paciência e coragem.

Conforme o trauma vai passando, não esconda. E a gente sabe que no Brasil as coisas não andam, então vai demorar mesmo, tem que ser forte. Tem que saber que você não tem culpa de nada e qualquer estupidez que te falarem, e vão falar muito, ou você ignora e não se deixa abater, ou você responde com tudo. Aceite aproximação de pessoas que passaram pelo mesmo e afaste-se de pessoas que te magoam. Tenha orgulho de estar se expondo e denunciando. Exija respeito até o fim. Você já não devia ter tido que passar por nada disso. O mínimo que você merece é respeito.




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