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GREVE DAS ESTADUAIS PAULISTAS NA MÍDIA | TV Bandeirantes faz vergonhosa campanha contra os que lutam em defesa da universidade pública

Em matéria veiculada no Jornal da Band, a emissora dá voz aos fura-greves e os coloca como vítimas, sem sequer dizer os motivos da mobilização de professores, funcionários e estudantes.

sexta-feira 24 de junho de 2016 | Edição do dia

São três minutos de matéria, uma imensidão de tempo para o jornalismo televisivo. A forma como o apresentador Ricardo Boechat introduz já diz tudo: “Há mais de um mês alunos são impedidos de estudar por funcionários e outros alunos em greve. Professores dizem que são perseguidos no campus e têm que driblar os piquetes, dando aulas escondidos ou pela internet.”

Notem: Boechat não diz que alunos são impedidos de estudar pela falta de oferecimento de matérias devido à política de (não) contratação da reitoria; ele não diz que mães são impedidas de estudar pelo fechamento das creches; ele não diz que crianças são impedidas de ser atendidas no Pronto Socorro do Hospital Universitário pelas demissões e corte de verbas; ele não diz que os negros são impedidos de entrar na universidade pelo vestibular; não diz que os trabalhadores são impedidos de exercer seu direito de greve ou de pagar suas contas pelo corte ilegal de salários feito pela reitoria.

Não. Para a Band e Boechat, quem é impedido na USP são os estudantes e professores que, contrariando a deliberação de greve das suas categorias, dão um jeito de furar a greve pela internet. A “democracia” da Band e dos fura-greves é aquela que se esconde para terminar o semestre, dando as costas para os debates coletivos sobre os rumos da universidade, para os que perdem empregos, para quem têm seu acesso negado. Nada mais condizente com a democracia de quem é dono de uma emissora de televisão e exerce a “democracia” de veicular apenas sua opinião nacionalmente, um direito concedido pelo seu capital e sua propriedade privada.

A omissão de que os professores também estão em greve não é acidental: para essa mentalidade reacionária, é mais difícil apresentar os docentes da “universidade de excelência” como baderneiros.

Mais fácil jogar a conta apenas sobre estudantes e trabalhadores (que eles insistem em tentar sempre pintar como minoritários). Para matar dois coelhos com uma só cajadada, a matéria abre com o repórter Gilberto Smaniotto entrevistando a diretora do Centro Acadêmico de Letras, Jéssica Antunes. “São cerca de cinco mil alunos, setecentos aderiram ao movimento”, diz o entrevistador, ressaltando o “setecentos” para deixar clara sua afirmação implícita de que os grevistas são minoritários, baseando-se no quórum das assembleias do curso. Assim, ele pode taxar de minoria radical e posa de democrático mostrando que está ouvindo “o outro lado” ao colocar a voz de Jéssica no ar. Para qualquer um que veja a matéria, fica nítido o corte abrupto de sua fala. O editor do jornal apenas veicula aquilo que, na visão da Band, corrobora sua opinião: as aulas estão paralisadas por uma minoria radical. Todo o restante que Jéssica tem a dizer não é relevante para a Band, e sua voz de "minoria violenta" é "democraticamente" calada pelo monopólio da informação exercido pelos proprietários da Bandeirantes.

Curiosamente, esse procedimento de dar ênfase na quantidade de pessoas não se repete quando ele vai falar com os contrários à greve, esses simrepresentantes de uma "minoria barulhenta" que tenta, com medidas autoritárias e sua "pirraça", ir contra um movimento democrático de milhares na USP, Unesp e Unicamp. Esse procedimento de usar seu alcance nacional para amplificar a voz de grupelhos descontentes com a greve não é uma invenção da Bandeirantes, mas uma prática recorrente das mídias patronais, como do Estado de S. Paulo, e uma arma na mão de reitorias e governos para tentar enfraquecer e atacar a greve.

Na extensa matéria, a emissora dá voz a diversos alunos que reclamam de suas aulas interrompidas, que suas provas não podem ser realizadas, como estão sendo injustiçados. O repórter, tentando de forma patética criar uma comoção em torno da situação de um “pobre aluno que só quer estudar”, chega a peguntar a ele: “Você não pode chegar perto dos professores, ir à biblioteca, você está preso?”. Preso. O estudante que quer furar a greve é quem está “preso” para a Bandeirantes, mas não se fala sobre os cinco estudantes que foram efetivamente presos pela polícia militar, que, num ato de verdadeiro terrorismo de estado, na semana passada despejou dezenas de bombas de gás, de efeito moral, de balas de borracha sobre a moradia estudantil para reprimir aqueles que tentavam retomar os antigos prédios da moradia, os blocos K e L, que foram transformados em prédios administrativos.

Contudo, com todo esse tempo dando voz a nada menos que dois estudantes desejosos de furar a greve, uma professora da Física que se orgulha de dar aulas escondida para boicotar o movimento e outro que realiza atividades acadêmicas por e-mail, a Band reservou apenas uma frase para falar dos motivos da greve, enquanto opunha isso aos “alunos que não querem deixar de estudar”. Para a Band a greve é feita por “funcionários e estudantes em greve, pedindo, entre outras coisas, a contratação de professores e mudanças no sistema de cotas.” Sim, a mudança no sistema de cotas que a greve exige é: que elas existam. Isso mesmo; apesar da lei federal implementando cotas, USP e Unicamp se recusam a aplicá-las com seus argumentos racistas. Isso, a Band não acha importante mencionar, nem as demais pautas da greve. Os estudantes em greve pararam suas aulas, entre outros motivos, porque “não querem deixar de estudar” por falta de professores, o que já está ocorrendo em diversos cursos.

A legenda na matéria diz que “estudantes brigam para ter aula”; mas não, eles não estão falando dos estudantes que se enfrentam com a reitoria, o governo e a polícia para ter uma universidade pública com professores e funcionários sem arrocho salarial, com política de permanência e acesso que garanta o direito universal à educação. Eles se referem aos estudantes que brigam para furar greve. E também apresentam o “drama” da professora Renata Zukanovich, do Instituto de Física, que fala como era difícil dar aulas escondida em outros prédios “sempre com medo de que esses alunos [em greve] pudessem seguir a gente.” Imagina então se a professora soubesse como é ser um estudante preso pela polícia por lutar pelo direito à moradia, tomando bomba e bala na cabeça; ou ser um trabalhador com salário cortado por meio de fraude em seu holerite por exercer o direito constitucional de greve; ou ser um dirigente sindical demitido ilegalmente por fazer greve; ou fazer parte de um sindicato que está tendo sua sede ameaçada de despejo. Esses dramas que ocorrem na USP ficaram de fora da matéria da Band.

O professor de engenharia mecânica Marcelo Alves considera as atitudes dos grevistas para exercer seu direito, como os piquetes de prédio, como “uma violência moral, uma violência de um ato de força”; já Zukanovich diz que é uma “violência contra os colegas, os próprio estudantes; violência contra os professores; violência contra os funcionários; violência contra todo mundo!”. A violência da reitoria, da polícia e do governo contra a universidade, comoo corte de R$ 370 milhões na USP ou o de R$ 40 milhões na Unicamp não foram denunciadas na reportagem da Band. Nem a violência da administração corrupta da universidade, envolvida em escândalos. Nem a violência contra os trabalhadores terceirizados, que recorrentemente tem salários e direitos atrasados, e agora sofrem cada dia mais com a sobrecarga de trabalho. Será que a Band considera “uma violência moral, uma violência de um ato de força” a situação de trabalho nos bandejões da USP, onde quase todos os trabalhadores têm diversas doenças ocupacionais pela sobrecarga de trabalho? Não se ouviu a voz de nenhum deles na matéria.

Aqui, no Esquerda Diário, as vozes que ouvimos são outras. A Band, ao lado de estudantes e professores fura-greve, luta para manter o sucateamento da universidade, o avanço da privatização e terceirização, o arrocho, a intimidação, os cortes de ponto, a desvinculação dos hospitais e fechamento das creches. E quer passar isso a seus telespectadores como uma cobertura "neutra e imparcial". Nós não: não há imparcialidade em nossa cobertura, tal qual não há na da Band; mas duas coisas nos distinguem fundamentalmente. A primeira é o lado em que estamos nessa luta: dos trabalhadores e estudantes que lutam em defesa da educação e da saúde pública, e diremos a verdade a nossos leitores sobre essa luta; a segunda é que não nos escondemos atrás da hipócrita máscara de uma "neutralidade" que não pode existir em uma sociedade marcada pela sua divisão em classes sociais.




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