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Estamos vivendo uma crise terrível, temos direito à tristeza mas também o dever da solidariedade.

Nora Buich Professora da Escola Técnica do Estaleiro Río Santiago, na Argentina

segunda-feira 13 de abril de 2020 | Edição do dia

Texto originalmente publicado no Esquerda Diário Argentina

Na sexta-feira, mamãe, que tem 81 anos, veio me dizer: Como o mundo está chato e silencioso. Seu rosto estava cheio de preocupação. Mais tarde via a dois trabalhadores do frigorífico Penta com suas feridas de bala de borracha e me doíam como se fossem em mim, como aquelas que recebemos os e as trabalhadoras de Astillero há dois anos. Sábado fez dois meses que Mau morreu. Minha irmã me disse no outro dia: como sinto falta dele. E não pude ir abraçá-la.

Uma amiga me contou que teve uma crise de pânico, pesadelos a noite e que depois passou o dia angustiada e sem vontade de fazer nada. Outra amiga me contou que sua mãe, que vive na região da Patagônia, é trabalhadora precarizada e as donas das casas que limpava não a chamaram mais. Está sozinha. Na noite passada acordou porque um ex, bêbado, forçou a porta dos fundos da sua casa e apareceu no seu quarto. Conseguiu expulsá-lo, mas ficou apavorada. Ligou para sua filha para pedir ajuda, mas estão a quilômetros de distância uma da outra. Minha amiga está na cama, fazendo uma rede virtual de apoio para sua mãe com vizinhas que estão perto da sua casa. Me contou isso soluçando, se sente impotente.

Um amigo me mandou uma crônica onde narra todo seu dia, lutando contra as deprimentes notícias dos jornais, e matando a saudade de sua família por vídeo-chamadas. Madonna saiu em um vídeo do Instagram contando abatida, que três pessoas a sua volta morreram pela pandemia no mesmo dia.

Sole, que está com seu noivo Gonzáles Catán, me enviou um áudio de Wathspp contando como é passar a quarentena em um bairro onde a polícia é mais agressiva e duas das três mercearias que vendiam pão e leite foram fechadas. E agora é preciso caminhar muito mais para conseguir cada dia algo para comer. Seu namorado tinha uma bolsa de auxílio, mas esse mês não depositaram.

Meu filho acorda cada vez mais tarde e mais nervoso. Sua forma de suportar tudo isso é com raiva, porem as vezes arruma tudo o que pode em casa e isso é uma forma de dizer que nos ama e de lidar com isso junto comigo e sua avó.

Hoje resolvi ler muitas notícias internacionais e a primeira que vejo diz que a Disney (dona da metade do mundo, mais ou menos) suspendeu 43.000 trabalhadores de seus parques sem manter seus salários. Agora escrevo enquanto escuto um linda canção na voz de Pedro Aznar para não sofrer tanto.

Os memes, as piadas, os desafios, os jogos, os sites de filmes grátis, nos chegam o dia todo. Aulas de cozinhar, de yoga, os shows gratuitos de grandes artistas, tudo isso é legal. Porém só para alguns e algumas, porque tem milhões de pessoas que não tem nem água, muito menos wi-fi. Ainda assim, nós que temos tudo isso, sentimos em alguns momentos angústia e tristeza. E está bem.

Porém também temos que dizer a todo mundo que antes da pandemia já era terrível. Nos últimos quatro meses no nosso país morreram onze crianças de fome... O mundo anterior já tinha milhões de pobres e um meio ambiente destruído pela ganância.

Hoje a distância nos dói como doem as barrigas dos pobres e a solidão nos golpeia como a tristeza dos desamparados. Por isso, reivindiquemos o direito de estar tristes. Porque estamos perdendo entes queridos pela COVID-19 ou por outras doenças que hoje não podem receber atendimento porque o sistema de saúde, em crise já há anos, não nos atende. E nem sequer podemos nos despedir...

A vida hoje não é um aula de zumba com um treinador que nos diz: vamos! Sem preguiça, movimentando, sem desanimar!

A vida hoje é terrível. Apenas começou a pior crise mundial que superará a de 1930. Observar o vôo de uma borboleta ou escutar os pássaros que tomaram o céu de assalto – agora que a poluição não os envenena -, não é suficiente. Porém, assim como devemos dar espaço para a tristeza, devemos assumir que temos que fazer algo, que ficar em casa eternamente não vai nos salvar de nada.

É necessário mais máscaras, mais leitos, mais testes, mais roupas de proteção para os trabalhadores da saúde, mais respiradores, mais hospitais. Uma alimentação mais adequada com alimentos nutritivos.

O que vem sendo feito em algumas fábricas autogestionadas como Madygraf, ou o que está sendo feito na UTN sede La Plata mostra onde podemos chegar. Astilllero Santiago, o lugar onde trabalho, tem oficinas enormes, maquinas e mais de 3.000 pessoas que podem ajudar muito. No refeitório poderiam ser preparados alimentos, além das camas que hoje já estão fazendo para PAMI. Porém, até hoje, só um pequeno grupo de trabalhadores foram convocados.

Somos muitos e muitas mais com mãos pra produzir para nossas enfermeiras, técnicos, médicas e médicos, e para setores mais pobres da população. Essa população que marchou conosco e nos ajudou tanto quando lutamos para que a fábrica não fechasse.

Assim como a tristeza nos aperta o coração a solidariedade tem que nos arrancar da comodidade que possuímos alguns de nós. Temos também o dever de ser solidários. Solidariedade de classe, amor. “Ser teu pão, ser tua comida, todo amor que houver nessa vida e algum remédio que nos dê alegria”...




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