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OPINIÃO | Secundaristas nos ombros de gigantes

A luta contra a reorganização, as lições do passado e as perspectivas para uma nova educação.

terça-feira 15 de dezembro de 2015 | 00:05

Ao longo do tempo, e principalmente nos últimos séculos, foram elaboradas diversas teorias sobre a educação, que se aproximam ou divergem em relação a que papel cumprem seus sujeitos, ao que deve ser ensinado, ao espaço escolar (desde sua estrutura física até seus símbolos).

Já muito se discutiu, se elaborou, e se pensou sobre tirar o foco do professor e colocá-lo no aluno, sobre definir áreas de interesse para a partir delas realizar projetos para abarcar as diferentes áreas de conhecimento... No entanto, o que essas teorias têm em comum é que foram pensadas por gestores ou educadores, e a participação dos educandos sempre foi mínima ou nula.

Mas a história da educação não é apenas a história das teorias sobre a educação. Na prática, a educação foi feita nas lutas, pelas exceções, por aqueles que nadaram contra a corrente. A educação, por mais que fosse uma forma de difundir e reproduzir os interesses das classes dominantes, que fosse elitizada, que fosse voltada à formação de mão de obra, ainda pôde ser uma ferramenta de ascensão social. Além disso, a informação e o conhecimento sempre foram formas de despertar questionamentos em relação às desigualdades. Muitos educadores se apoiaram nesses dois pontos para oferecer alternativas a seus alunos, se tornando referências às gerações futuras.

Essas iniciativas, no entanto, nunca obtiveram força social suficiente para irem além de ações pontuais e se tornarem modelos hegemônicos na educação. Por isso, hoje em dia impera uma lógica construída a partir das ideias dominantes da educação no passado. Uma educação baseada na formação para os exames vestibulares, na qual a escola é responsável por transmitir conteúdos propositalmente opacos, desconectados da realidade, desprovidos de contexto. Tal concepção, ligada à precarização sistemática da rede pública e à priorização de políticas que beneficiam as redes privadas durante décadas, levou cada vez mais a um cenário em que as escolas públicas não são um espaço valorizado socialmente, e cujos egressos têm de competir em situação de desvantagem, como se disputassem uma corrida de obstáculos em que fossem os únicos que precisam saltar sobre as barreiras, enquanto os que vêm do ensino privado podem dar a volta ou têm seus obstáculos removidos.

Para piorar, recentemente o governo do Estado de São Paulo decidiu, unilateralmente, implementar um plano de reorganização escolar, que fecharia de início cerca de uma centena de escolas, impactando diretamente as vidas de professores, funcionários, alunos e suas famílias, e indiretamente as dos moradores das zonas próximas às escolas que fechariam e às que receberiam os alunos (ou seja, de toda a região metropolitana e das principais cidades do interior).

Para aqueles que sempre se viram em situação inferior, mais esse golpe, mais essa desvantagem, foi a gota d’água. Os estudantes se colocaram firmemente contra o projeto, inicialmente se mobilizando em atos de rua, e culminando com a ocupação de mais de duzentas escolas em todo o estado. Nesse processo, se colocaram como nunca na posição de sujeitos com voz ativa na construção de um modelo de educação que seja feito por eles (e não apenas para eles ou com eles). Assim, não foi só o modelo dominante do passado que se reformou e evoluiu para tomar a forma que tem hoje, mas as sementes plantadas por aqueles que propuseram e implementaram práticas que fugiam do lugar-comum hoje também dão frutos.

Questionando a lógica que vem regendo o sistema educacional, os alunos secundaristas vêm pensando, e em muitos lugares já pondo em prática, um formato de educação que não sirva apenas como preparação para o futuro e acúmulo de conhecimentos abstratos, mas no qual as atividades estejam relacionadas ao seu cotidiano, sejam de fato interessantes, possam levar a reflexões e discussões sobre as bases sobre as quais o mundo se sustenta. Além disso, questionam também a forma de gestão do ensino, em que as decisões partem dos níveis mais altos (MEC, Secretarias estaduais e municipais, conselhos federal e estaduais...) aos mais baixos (diretorias de ensino, diretores e coordenadores nas escolas...), mas sem levar em consideração pais, alunos, funcionários e professores. Estão colocando na prática um sistema onde as decisões são tomadas após serem discutidas coletivamente, e onde os próprios alunos se revezam para a manutenção do espaço, para as tarefas diárias de limpeza e alimentação, etc.

Essa mobilização impôs o recuo do governo do estado, que aceitou adiar em um ano o fechamento das escolas, e os alunos definitivamente provaram que seu compromisso é com a qualidade da educação, pois não esmoreceram e mantiveram seu espírito de luta e a maioria de suas ocupações, mesmo depois do final do que seria o ano letivo, reivindicando muito mais do que as coisas se mantenham como eram antes. Não basta não piorar, é necessário melhorar. É com essa força que se construirá uma nova educação; é com esse ímpeto que se poderá criar uma nova sociedade.




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