×

MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO | Reforma do Ensino Médio: mais precarização para professores e alunos

quarta-feira 26 de agosto de 2015 | 11:56

Na última semana, o secretário de Educação de São Paulo, Herman Voorwald, deu entrevista à Folha de São Paulo publicada em edição do dia 22/08 sobre a proposta de reforma curricular do Ensino Médio. Parece que todo o eixo da entrevista (onde parece que escorrega mais que sabonete frente às perguntas do entrevistador) é dizer que o governo quer “dar as informações de que ele [aluno] precisa para, naquela rota, solucionar problemas”. O que isso quer dizer, afinal? Na entrevista fica tudo muito enevoado, mas para um professor da rede isso não é tão misterioso assim.

Nós professores conhecemos a atual realidade da escola pública, e conseguimos já vislumbrar o que virá com tal reforma apenas lendo as escorregadias respostas de Voorwald. É bem preocupante, no entanto, que já exista um projeto enviado ao Legislativo, como afirma o secretário, sem que ninguém tenha tido acesso ao conteúdo. Ainda que ele diga que irá “discutir com a rede”, sabemos que as práticas do PSDB são de impor seus projetos sem consulta alguma. Um projeto dessa magnitude, que começa de uma forma sombria e sem informações, só pode representar um ataque às condições já precárias do ensino público. E, por experiência, já podemos enxergá-las...

O governo alega que quer “dar autonomia ao aluno” pela escolha de suas matérias a partir dos assuntos que mais lhe chamam interesse. A princípio, parece uma ideia boa, para enriquecer a formação do aluno fisgando-o pelos seus gostos. Mas acaba sendo uma falácia, uma vez que na educação pública, precarizada e antidemocrática como é, nunca permitiu que o aluno desenvolvesse, com todo o suporte necessário, um interesse particular pelo seu estudo. A superlotação das salas, a aprovação automática, a precarização das condições de trabalho do professor, tudo isso gera uma falta constante de atendimento aos alunos nas suas particularidades, e, portanto, gera a realidade de um ensino em que o aluno mais “empurra com a barriga” do que cria um interesse real pelo seu estudo. O que na verdade essa proposta de alteração curricular esconde é a intenção de formar “solucionadores de problemas”, ou seja, trabalhadores precariamente formados para responder às funções empregatícias que lhe forem dadas no mercado de trabalho. As básicas.

A reforma viria pra aprofundar uma lógica de ensino que já vemos em curso. As ferramentas básicas de formação, para o governo, residem nas matérias de Língua Portuguesa e Matemática. Temos o exemplo das principais avaliações oficiais, como o Saresp (avaliação que gera os índices de rendimento do ensino público de SP), para as quais todo o esforço de formação está focado nessas duas disciplinas. Não à toa, no programa da reforma, essas seriam já com certeza as duas disciplinas “obrigatórias”. Pelos interesses do governo, a um trabalhador basta ensinar a ler e escrever o mínimo e resolver as operações básicas. Conhecimento para pensar e questionar o seu mundo? Claro que não.

E, além de aprofundar o projeto de ensino do governo, resolve questões imediatas de gasto do governo com a educação. Para os professores, significa mais precarização, maior desemprego. Como? O secretário diz, sem explicar como e o que seria exatamente, que outras disciplinas poderiam ser inseridas na grade, mas sem alterar a carga horária de aula. O que significa que, para isso ocorrer, as disciplinas que já existem passariam a ter menos aulas por semana, diminuindo a quantidade de aulas dadas por um mesmo professor em uma turma. E não serão todos os professores da rede que terão acesso a todos os alunos, pois alguns deles optarão por não ter aulas de uma determinada disciplina. A maioria dos professores, assim, sofrerá com a redução abrupta de salas a serem atendidas, e, portanto, para o professor completar sua jornada de trabalho, terá que buscar essas turmas em 3, 4, 5 escolas diferentes para poder manter seu salário, uma vez que ganhamos por aulas dadas – e com um salário extremamente defasado, como todo mundo sabe. O pior é que nossa realidade já é essa, por conta dos constantes fechamentos de sala que estão ocorrendo; a medida viria para piorar ainda mais. Além disso, nós professores sabemos que as matérias de exatas – Física, Química, Biologia – são as que menos têm o apreço dos alunos, também por serem as que possuem menos profissionais disponíveis. Muitos alunos sequer têm esses professores desde o início no curso, o que aumenta muito essa sensação de que “não gostam”. Ora, a opção por essas matérias estaria reduzida, resolvendo o problema do governo da falta de profissionais na área. Concluindo, poderia reduzir em geral o número de professores na rede, aumentando a carga de todos os já em exercício.

Como se não bastasse tudo isso, o acesso dos alunos do ensino público ao ensino superior público estaria ainda mais prejudicado. Para o professor que vive o cotidiano do sucateamento da educação básica, gera repulsa ler a resposta de Herman sobre o impacto da reforma curricular na participação dos alunos nos vestibulares: “Jamais faria alguma coisa irresponsável. A minha origem é o ensino superior. Eu sei exatamente quem é o jovem que estamos recebendo no ensino superior.” Nesse cinismo, esconde uma triste realidade que nós também sabemos: dificilmente ultrapassa os 25% o número de alunos no ensino superior público que advém da escola básica pública, como mostra em dados recentes da Universidade de São Paulo. Ou seja, com a reforma, que diminuiria a quantidade de aulas em algumas áreas do conhecimento, o aluno teria ainda menos recursos para competir nos vestibulares das principais instituições de ensino, que já são verdadeiros filtros sociais, onde em maioria só passam os jovens advindos de escolas privadas e cursinhos, extremamente caros e inacessíveis aos filhos da classe trabalhadora.

Demonstrando a quem interessa uma reforma como essa, vemos o superintendente do Instituto Unibanco prestar sua homenagem ao projeto também na Folha de São Paulo, em edição do dia 8 de agosto de 2015, dizendo que o único problema da reforma é não ser um projeto nacional, o que deveria ser superado com uma restruturação de todo o ensino público brasileiro.

Como vemos, é uma reforma que somente visa a precarizar ainda mais o ensino público, diminuindo os investimentos do estado, e atacando os que mais são envolvidos e são os principais atores da educação: professores e alunos.

Não achamos que o modelo educacional que temos é o ideal, muito pelo contrário.
Necessitaria realmente de uma transformação e de uma atualização aos anseios dos jovens e da classe trabalhadora nos dias de hoje. Mas não com o objetivo de cada vez mais servir aos interesses dos capitalistas e suas demandas por trabalhadores semiformados, e precarizando ainda mais o trabalho do professor. Para propor essa transformação, professores e alunos, junto aos pais e comunidade escolar, deveriam estar na linha de frente.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias