×

Peru | Quem foi Abimael Guzmán, o fundador do Partido Sendero Luminoso no Peru?

Em 11 de setembro de 2021, faleceu Abimael Guzmán Reinoso, fundador e líder messiânico do grupo maoísta Sendero Luminoso, o mesmo grupo que implementou ações armadas durante os anos 1980 e início dos anos 1990 no Peru, dando origem a um conflito interno que, Segundo a Comissão da Verdade, causou 69.280 mortes, das quais 54% são atribuídas a esse grupo armado, 1,5% ao MRTA e o restante às forças repressivas do estado. Quem foi Abimael Guzmán? Qual foi a estratégia do Sendero Luminoso e como isso impactou a sociedade peruana e a esquerda? Estas são algumas das questões que tentaremos começar a responder na nota seguinte.

José RojasMilitante da Corriente Socialista de las y los Trabajadores "CST" do Peru

sexta-feira 8 de julho de 2022 | Edição do dia

O fundador do Sendero Luminoso morreu às 6h40 do sábado, 11 de setembro, em sua cela na Base Naval de Callao. Ele estava cumprindo uma sentença de prisão perpétua. Abimael Guzmán havia sido preso quase exatamente 29 anos antes, em 12 de setembro de 1992, no distrito de Surquillo, em Lima, ao lado de sua companheira e líder do partido, Elena Iparraguirre. Segundo as autoridades prisionais, a saúde de Guzmán vinha se deteriorando desde julho.

Abimael Guzmán Reinoso nasceu em 3 de dezembro de 1934, na cidade de Mollendo, na região de Arequipa, no Peru. Ele cresceu em Lima e Arequipa. Foi nesta última cidade que se formou em filosofia e direito na Universidade Nacional de San Augustine. Em 1962 começou a ensinar filosofia na Universidade San Cristobál de Huamanga em Ayacucho. A equipe da universidade incluía muitos professores que apoiavam ideias esquerdistas, especialmente de orientação stalinista ou maoísta. Foi aqui que Guzmán se alinhou com setores maoístas que lideraram a primeira grande cisão do Partido Comunista Peruano (PCP) em 1964. Isso deu origem ao Partido Comunista Peruano pró-soviético, liderado por Jorge del Prado, e o pró-chinês Partido Comunista Peruano – Bandeira Vermelha, liderado por Saturnino Paredes. Foi desta última facção que surgiu o Partido Comunista do Peru – Sendero Luminoso, fundado e liderado por Guzmán.

A estratégia política do Sendero Luminoso

Como muitas organizações de esquerda no Peru nas décadas de 1960 e 1970, o Sendero Luminoso adotou o maoísmo e olhou para a Revolução Chinesa de 1949 como modelo. Isso foi enquadrado dentro de uma visão dogmática, sectária e messiânica do trabalho político que é completamente alheia à teoria e prática marxistas. O Sendero Luminoso nunca propôs acabar com o capitalismo e avançar em direção a um governo dos trabalhadores baseado na auto-organização dos trabalhadores e dos oprimidos – como sempre foi o objetivo do marxismo revolucionário.

Apesar de sua retórica militante, o Sendero Luminoso não representava nada além de reformismo armado. Suas ações se deram dentro de uma estratégia política de revolução por etapas, desenvolvida por Stalin. De acordo com essa teoria, sociedades como o Peru precisavam primeiro realizar uma revolução democrático-burguesa. A possibilidade da revolução socialista foi deixada para um futuro indeterminado.

Os teóricos do Sendero Luminoso postularam que a sociedade peruana era semifeudal e semicolonial. Defendiam, portanto, que a revolução a ser realizada no Peru seria democrática e popular, sustentada por quatro classes: os camponeses, os intelectuais, a burguesia nacional e o proletariado. Seguindo mecanicamente a experiência chinesa, o Sendero Luminoso assumiu que a revolução começaria no campo e terminaria nas cidades por meio de uma prolongada guerra popular. Isso seria liderado por um partido altamente centralizado e militarizado sob o que eles chamavam de “liderança sábia” ou “Pensamento Gonzalo”. Em uma expressão extrema de obscurantismo messiânico, eles consideraram Guzmán – conhecido como Presidente Gonzalo – como “infalível”. De acordo com sua teoria, uma vez concluída a revolução, seu partido lideraria a construção de um novo Estado usando métodos verticais e militarizados, que negaria qualquer papel ativo aos trabalhadores, pobres e comunidades indígenas, ou à democracia operária.

O fracasso da estratégia de Guzmán

O Sendero Luminoso iniciou sua luta armada em 1980 na cidade de Chuschi, e continuou até 1992. Segundo estimativas oficiais, até 70.000 pessoas foram mortas durante a guerra – cerca de metade pelas forças do estado e metade pela guerrilha. A lógica militarista do Sendero Luminoso os levou a realizar ações terroristas contra a classe trabalhadora e os pobres, incluindo massacres em aldeias e bombardeios em cidades. Estes foram usados, por sua vez, pelos governos capitalistas e suas forças repressivas para justificar a repressão brutal contra trabalhadores e pobres, e também para desacreditar as ideias marxistas e comunistas.

Quando Guzmán foi preso em 1992, a primeira coisa que fez foi fazer um pacto com o governo de direita de Alberto Fujimori. Guzmán e o que restou do comitê central do Sendero Luminoso acabaram fazendo campanha a favor da fraudulenta assembleia constituinte imposta por Fujimori e seu chefe de inteligência, Vladimiro Montesinos. Esta assembleia aprovou a constituição neoliberal de 1993, que permitiu ao imperialismo e à burguesia nacional saquear o país e atacar os direitos dos trabalhadores.

A estratégia etapista e militarista do Sendero Luminoso era completamente estranha à classe trabalhadora e seus métodos de luta. A visão messiânica da política do grupo era diametralmente oposta ao marxismo revolucionário que liderou a Revolução Russa de 1917. Hoje, o Sendero Luminoso não existe mais como partido. A maioria dos seguidores restantes de Guzmán criou o Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (MOVADEF) e a Frente pela Unidade e Defesa do Povo Peruano (FUDEP). Estas organizações abandonaram qualquer perspectiva de transformação social, limitando-se a apelar a uma anistia geral e reconciliação nacional. Eles exigem liberdade não apenas para seus líderes, mas também para prisioneiros de direita, incluindo Fujimori, Montesinos e figuras militares e paramilitares que compartilham a responsabilidade pelas quase 70.000 mortes durante o conflito interno dos anos 1980.

Hoje, a principal aspiração dos seguidores de Guzmán é assimilar-se à democracia burguesa, a fim de garantir a libertação de seus líderes, que consideram indispensáveis. Essa é a política central que realizam nos setores sociais onde ainda estão presentes. Ao mesmo tempo, há também uma facção do Sendero Luminoso chamada Proseguir, que na década de 1990 questionou o acordo de paz assinado entre Guzmán e Fujimori. Eles dizem que têm alguma presença na selva, mas na prática eles se tornaram um braço armado de gangues de narcotraficantes que operam na área.

O fantasma do Sendero Luminoso tem sido muito útil para governos e políticos de direita. Isso os ajuda a justificar a repressão e criminalizar os movimentos sociais. Eles usam acusações de “terrorismo” para minar qualquer alternativa de esquerda – especialmente aquelas que questionam seriamente o atual sistema econômico e político, que é baseado na exploração e opressão.

Para avançar na construção de uma esquerda revolucionária no Peru, consideramos necessário destacar os limites profundos da estratégia do Sendero Luminoso. O problema do “Pensamento Gonzalo” não era ser radical ou militante. Guzmán procurou confrontar o estado capitalista enquanto rejeitava o papel central da classe trabalhadora e seus métodos de luta, incluindo protestos em massa, greves gerais e insurreições. Em vez disso, ele atribuiu o papel central a uma pequena elite militar. Como resultado, o Sendero Luminoso nunca teve como objetivo construir o socialismo, mas sim uma “nova democracia” baseada na colaboração de classes com setores da burguesia. Embora Guzmán seja lembrado por sua defesa da violência extrema – incluindo a violência contra trabalhadores e camponeses – seu programa político não era muito radical.

Um balanço dessa experiência é necessário para recuperar as tradições do marxismo revolucionário, que se baseia nas contribuições de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, bem como de Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci e José Carlos Mariátegui. Na realidade, o comunismo não tem nada a ver com as caricaturas criadas pelo stalinismo, maoísmo ou Sendero Luminoso. Para Marx, o comunismo significa lutar por uma nova sociedade “de indivíduos livres, realizando seu trabalho com os meios de produção em comum, na qual a força de trabalho de todos os diferentes indivíduos seja conscientemente aplicada como a força de trabalho combinada da comunidade”.

Deste ponto de vista, o comunismo não é um estado que pode ser estabelecido coercitivamente por uma burocracia autoritária e militarizada. De fato, o comunismo significa o desaparecimento de qualquer tipo de Estado, junto com o desaparecimento das classes sociais. A construção do socialismo só pode ser produto da ação consciente das próprias massas. A única maneira de avançar para o comunismo é desenvolver a mais ampla democracia operária com órgãos de auto-organização, como os sovietes da Revolução Russa. Isso levará à extinção do Estado e, portanto, de todas as formas de exploração humana.

Tradução de João Paulo de Lima
Artigo original traduzido do Left Voice




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias