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TRIBUNA ABERTA | Quando os números mentem: a estratégia do governo Bolsonaro em meio a crise sanitária

Longe de negarmos a importância dos métodos quantitativos, estatísticos e das fórmulas matemáticas utilizadas nos mais variados campos do conhecimento.

Kleiton NogueiraDoutorando em Ciências Sociais (PPGCS-UFCG)

terça-feira 16 de junho de 2020 | Edição do dia

Contudo, gostaríamos de chamar atenção às manobras utilizadas pelo governo Bolsonaro para tentar passar uma impressão de que o Brasil não vivencia uma verdadeira catástrofe (anunciada) relacionada a pandemia de COVID-19. O fato é que o governo tenta de todas as formas burlar informações concretas, inventando novas formas de apreciação dos dados, tudo com o objetivo de tentar mitigar a opinião pública em torno do caos que o Brasil vivencia com os inúmeros casos e óbitos.

Segundo matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo, a pasta da saúde tinha anunciado na semana passada que pretendia modificar a forma de cálculo dos números de casos e óbitos existentes no país. A lógica de cálculo seria informar o número de óbitos ocasionados nas últimas 24 horas. Contudo, o fato é que desde o início da pandemia, assim como os outros países, o cálculo é realizado com base na data da notificação. O que está em jogo nessa correlação é a falsa sensação de diminuição de casos diários, quando o governo passa a considerar apenas os dados das últimas 24 horas e não os notificados pelas secretarias Estaduais de Saúde, implica em uma considerável diminuição desses casos, dando a falsa impressão que estão morrendo menos pessoas no Brasil.

A Folha ilustra bem essa correlação, no início da pandemia, por volta de 14 de Abril, ainda sob administração de Mandetta, o Ministério da Saúde lançava dados que proporcionava a percepção de aumento diário dos casos. Com a saída de Mandetta e entrada de Nelson Teich sob tutela militar, esses números passam a diminuir, mesmo que novos óbitos fossem informados. Com a saída de Teiche e entrada Pazuello os números novos de casos e os óbitos tiveram menos destaque. Cabe destacar que no início de Junho o governo Bolsonaro provocou um verdadeiro apagão na divulgação dos dados, justamente para alterar a lógica de contagem e fornecimento de informações à sociedade. Dessa forma, no dia 5 de Julho o número total de mortes e óbitos sumiram da base de dados da pasta da saúde, este passava apenas a informar os casos diários.

A Folha de São Paulo realizou uma estimativa com base no Sistema de Vigilância da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) mostrando um total de 44% das mortes por Covid-19 até o dia 24 de Maio. Além disso, teríamos ainda o problema de que o resultado do diagnóstico do óbito fica pronto apenas após 24 horas da morte, implicando em mortes que não entrariam na lógica contábil do Ministério da Saúde se a base de cálculo utilizada for apenas os óbitos existentes nas últimas 24 horas. Ou seja, o governo pode deixar de contar aqueles casos em investigação, se atentando apenas para aqueles casos existentes em hospitais, desconsiderando uma variedade de situações, em um país de dimensão continental como o Brasil. Abaixo podemos observar um Gráfico organizado pelo Jornal, tomando como base as duas metodologias de contagem que falamos anteriormente:

De forma geral, consideramos que tais alterações promovem interpretações e percepções bastante distintas, principalmente no tocante ao objetivo da burguesia em retornar as atividades comerciais e sacrificar a vida da classe trabalhadora. No dia 12 de Maio o Brasil já possui um total superior a 40 mil óbitos, estando em segundo lugar, atrás apenas dos Estados Unidos em número de contaminação.

Em meio a essa manobra (elemento que não é o novo no Brasil, para um governo que estritamente possui quadros militares, basta recordarmos na ditadura militar como o governo tratou do surto de meningite que ocorreu no país), atores sem voto passam a disputar o poder político através dessa situação. Como exemplo dessa realidade citamos a pressão exercida pelo STF com determinação para a divulgação dos dados. Além disso, os governadores, juntamente com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) lançou um painel com dados da COVID-19, em uma clara manifestação de choque entre governo Federal e estaduais.

Concretamente, temos uma realidade no Brasil marcada por subnotificações, ausência de testes massivos e a fomentação por parte do governo de uma estratégia, para mascarar a realidade. Chamamos atenção ao nível de desrespeito às vidas e a própria forma como a pandemia vem sendo tratada pelo governo, assim como pelos governados, que apesar de em alguns momentos aparentarem contraposição ao governo, internamente reproduzem lógica semelhante, basta observarmos as medidas em São Paulo e Rio de Janeiro de retorno às atividades, aberturas de Shoppings, em um claro sinal de que o lucro capitalista deve ser garantido pela “institucionalidade estatal”.

Por isso defendemos a independência de classe dos trabalhadores e criticamos a perspectiva de uma frente ampla com os golpistas para o enfrentamento do governo Bolsonaro. Cair nesse conto da sereia implica apenas em formatar a ante-sala para futuros golpes que a burguesia certamente promoverá, tendo em vista que não se trata especificamente de uma “escolha” política, mas, do caráter constitutivo de classe existente no Brasil e sua correlação com um capitalismo dependente. Frente ao governo bolsonaro, só há uma saída clara: independência política e pressão para que o regime político se altere, com a realização de uma nova constituinte que de fato atenda as demandas dos setores oprimidos. Chamamos atenção de que tirar apenas Bolsonaro sem um plano estratégico de ação implica em um maior aprofundamento da camarilha bonapartista que se instalara no país, resultando assim, em mais ataques à classe trabalhadora e na degeneração das condições de vida, já precárias.




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