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OPINIÃO | Quais são os desafios na conjuntura que se abre após o 30 de junho?

Como mostramos na cobertura do Esquerda Diário, apesar do esforço da grande mídia em construir a narrativa de um 30 de junho “normalizado”, de norte a sul do país setores importantes da classe trabalhadora interromperam o cotidiano e repercutiram o repúdio da ampla maioria da população às reformas de Temer.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 5 de julho de 2017 | Edição do dia

Metalúrgicos, trabalhadores da saúde e da educação, petroleiros, bancários, protagonizaram paralisações e bloqueios junto à população, dando expansão à vontade de uma saída alternativa a que propõem os capitalistas.

É evidente que se as centrais sindicais majoritárias não houvessem boicotado a organização e preparação da greve geral – em primeiro lugar a Força Sindical, cuja traição contou com a cumplicidade da CUT e da CTB, centrais ligadas ao PT – a jornada do 30J poderia ser ainda maior que a poderosa demonstração de forças do 28 de abril, em particular no setor de transportes das grandes capitais. Havia disposição de luta dos trabalhadores, e por isso a campanha do MRT e do Esquerda Diário “Tomar a greve geral nas nossas mãos” e a política “Eu apoio os metroviários de SP na greve geral” foram tão bem acolhidos pelos trabalhadores e a população.

Juruna, secretário-geral da Força Sindical, deixou explícito (veja aqui) que todos os trabalhadores que tinham grande expectativa em paralisar o país num forte greve geral contra as reformas auxiliam os ataques da direita. Para esconder a traição aberta, sentiu-se obrigado a dizer que “Enganam-se aqueles que concluem que o dia 30 de junho foi esvaziado devido a acordos com o governo”. Em verdade, essa burocracia sindical – pilar inegável da contenção da luta de classes contra os golpistas do Congresso e do governo – negociou com Temer seus enormes privilégios em troca de enfraquecer a luta contra as reformas, com a cumplicidade da CUT e da CTB.

Do ponto de vista político, esse boicote das centrais teve um efeito aliviador para Temer. Na mesma semana, o governo golpista havia tido outras duas boas notícias: a soltura do ex-assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures, o que diminuiu a pressão para que fizesse alguma denúncia ao governo; e a absolvição de Aécio Neves pelo STF, permitindo que voltasse ao Senado como portavoz da permanência do PSDB na base governista.

Nenhum destes fatores, entretanto, “fecha a partida”: são insuficientes para reverter por ora os elementos pré-revolucionários da conjuntura. As fissuras dos “de cima” seguem motorizando o vazio de governo. Temer não conseguiu aprovar nada de importância para a burguesia nas últimas semanas.

O Senado aprovou regime de urgência para aprovação da reforma trabalhista até dia 11/7. Se esta cova de bandidos a aprova, não deixa de ser um trunfo de Temer. Isso, entretanto, está longe de significar a recomposição definitiva do governo. Ricardo Ferraço, tucano relator da trabalhista no Senado, disse que esta reforma anti-operária será aprovada, mas que depois “pára tudo”, já que “Temer não tem mais condições de cuidar da administração pública” (visto neste link). A reforma da Previdência, ataque estratégico para a burguesia, está por ora longe do alcance de Temer.

Judicialmente, ainda que o Congresso barre a primeira denúncia, Temer ainda se enfrentará com as demais denúncias do Procurador-Geral Rodrigo Janot, que está contra o relógio para derrubar Temer antes que deixe a cadeira da Procuradoria em setembro.

Na frente econômica, apesar de ter diminuído a inflação e a taxa básica de juros, o desemprego segue galopante, atingindo 14 milhões de trabalhadores. Se a Confederação Nacional da Indústria ainda apoia Temer para “acabar com a turbulência”, não é esse o sentimento do capital financeiro internacional. Segundo o Financial Times, a permanência de Temer fará seguir a crise política e extinguir a recuperação econômica (ou seja, a aplicação dos ajustes contra os trabalhadores).

O principal fator, entretanto, vem da luta de classes: a classe trabalhadora não esgotou suas forças (sequer as testou), e portanto não sofreu nenhuma derrota decisiva ainda, apesar da traição e controle das burocracias sindicais da CUT, CTB e da Força Sindical. A relação de forças entre as classes precisa ser testada no combate real. A reação dos trabalhadores diante da eventual aprovação da reforma trabalhista (sua radicalização, ódio antiburocrático, vontade de auto-organizar-se com um programa independente) será importante para estabelecer uma nova relação de forças.

À busca de um Macron brasileiro

Importantes porta-vozes da elite empresarial do país, como Fernando Henrique Cardoso, se mostram à procura da versão brasileira do presidente francês, Emmanuel Macron. Banqueiro e ex-ministro da economia de Hollande, Macron representa o que as finanças estrangeiras qualificam como “populismo de centro”, que se afasta das alternativas à direita e à esquerda do chamado “consenso neoliberal”, profundamente golpeado pela crise de hegemonia dos partidos tradicionais da classe dominante, preservando o centro político com um discurso “renovado”.

Macron venceu as eleições presidenciais com sólida margem de votos contra Marine Le Pen, freou momentaneamente o perigo de ruptura da União Europeia e conseguiu ampla maioria parlamentar na França para aplicar uma dura reforma que flexibiliza os direitos trabalhistas. Banhado pela legitimidade das urnas, não encontra por ora a resistência às reformas, como encontrou seu predecessor. É neste exemplo que se inspira FHC para defender a proposta de que Temer renuncie e antecipe eleições diretas (o “Diretas Já”, defendido por um espectro que vai desde o PT até amplos setores da esquerda).

Um plano mais fácil desejar que tornar real. As últimas pesquisas mostram a ausência de um Macron brasileiro, enorme desprestígio de toda a “casta política” do Congresso e dos partidos tradicionais, sem uma figura que restaure a hegemonia do regime político. De fato, Lula é o político mais bem posicionado nas pesquisas para 2018, e o PT atingiu a sua maior popularidade desde a segunda posse, sendo o partido favorito de 18% da população segundo Datafolha (PSDB e PMDB empatam com apenas 5%).

Por isso, Lula e o PT fazem o possível para controlar o movimento de massas, bloquear qualquer alternativa política independente à sua esquerda e conter a luta dos trabalhadores, usando a campanha “Diretas Já” para promover o “Lula 2018”. Como não podia deixar de ser, esse projeto estratégico está a serviço de recompor o regime político burguês e o pacto com a direita golpista, tudo em função da institucionalidade e governabilidade sempre asseguradas pelo PT.

As organizações que defendem as Diretas, como o PSOL e correntes como o MAIS, contribuem para a reestruturação deste mesmo regime político, que buscará a chancela das urnas (à la Macron) para se “auto-reformar”, usando as eleições diretas como válvula de escape para realização dos ajustes. No caso de organizações que se colocam no campo revolucionário, é ainda mais urgente rever essa política, que é uma adaptação vergonhosa à campanha do PT.

É possível derrubar o governo e suas reformas

Os trabalhadores não sofreram nenhuma derrota decisiva, exercitaram seus métodos de classe e adquiriram confiança nas suas forças. A entrada em cena dos principais centros da classe trabalhadora é estratégica para impor que os capitalistas paguem pela crise. Isso implica combater a paralisia e traição das burocracias sindicais, contribuindo para a auto-organização pela base, com comitês por local de trabalho que reúnam milhares em todo o país para coordenar um plano comum de luta.

Um plano de emergência contra os empresários e banqueiros precisa ser levantado: o não pagamento da dívida pública para destinar a aposentadoria; a proibição das demissões; a estatização da JBS e da Odebrecht sob controle dos trabalhadores; a redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, tendo como base o salário mínimo do DIEESE; fim do trabalho precário e a efetivação de todos os terceirizados sem concurso ou processo seletivo; igualdade salarial entre mulheres e homens e entre negros e brancos. Todas estas consignas programáticas se enquadram na ideia de que nossas vidas valem mais que os lucros deles, e que devemos desenvolver os elementos pré-revolucionários na conjuntura e fazer com que sejam os capitalistas que paguem pela crise.

A CSP-Conlutas, o MTST, o PSOL e as organizações de massas dirigidas pela esquerda devem exigir das centrais sindicais um plano de luta consequente para barrar as reformas (e não negociá-las) e aplicar este programa na realidade. Essas forças que se colocam no campo independente do PT e da burocracia sindical precisam batalhar para colocar de pé um pólo que seja capaz de fazer frente à política que impõe as direções das grandes centrais, como ficou novamente demonstrado no 30 de junho. Para isso, seria importante que fossem organizadas articulações independentes, como poderiam ser Encontros regionais ou nacional com esse objetivo.

Seguimos nossa batalha por uma resposta política independente para a crise

É uma falsa retórica considerar que a única maneira de levar em conta a vontade da população de votar em seus representantes é com revitalizando o mesmo regime político corrupto. Os marxistas sabemos que esta é a forma oportunista de compreender este anseio.

É preciso questionar de frente as regras do jogo na democracia degradada brasileira, aproveitar o momento histórico de mobilizações operárias e eleger representantes para uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana para varrer a podridão desse regime, anular as reformas reacionárias de Temer e do Congresso corrupto, e que permita recolocar as grandes questões estruturais do país (dívida pública, reforma agrária, soberania nacional etc.) na mesa, e também campanhas amplas com consignas democrático-radicais que possam incentivar o ódio aos privilégios da casta política e debilitar as forças desse Estado brasileiro, que simboliza a farra política dos latifundiários, empreiteiros e empresários no país (batalhando para que todo político e juiz sejam eleitos e revogáveis, e que receba o mesmo salário de uma professora).

Esta experiência de choque contra o regime político burguês deve conduzir à conclusão de que os trabalhadores podem dirigir os destinos do país num governo próprio, de ruptura com o capitalismo, uma democracia dos trabalhadores que coloque abaixo essa democracia corrupta e degradada dos empresários, banqueiros e latifundiários.




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