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TRANSFOBIA NO TRIBUNAL | Promotor nega mudança de nome de homem trans e diz que não se muda o “sexo jurídico”

O Promotor da Vara de Registros de Curitiba afirmou que a mudança de nome "contraria todo o ordenamento jurídico" e uma cirurgia de transgenitalização seria um "crime".

quinta-feira 21 de setembro de 2017 | Edição do dia

Depois da escandalosa decisão judicial que autoriza psicólogos a empregarem "terapias" de "reversão sexual" num manifestação de obscurantismo e homofobia, agora o promotor curitibano Inácio de Carvalho Neto mostrou que a transfobia pautada nos argumentos mais retrógrados não tem medo de se manifestar na justiça.

O homem trans Nathan Kirshner Tatsch entrou na justiça com pedido de mudança de nome. A resposta foi postada nas redes por seu advogado Vitor Leme:

O promotor diz que o pedido é "juridicamente impossível" pois o gênero de cada pessoa é "determinado pelo médico no momento do nascimento, não sendo passível de alteração posterior". A declaração com que inicia sua negação do pedido é um verdadeiro ato falho, pois é o próprio promotor que afirma que é o médico, e não a "natureza" nem "deus" que decidem o gênero. Assim, é um ato humano, um ato social e cultural.

No entanto, o promotor ignora a conclusão lógica de suas próprias palavras e segue proferindo uma série de absurdos imensos. Diz, por exemplo, que no caso de uma cirurgia (afinal, para esse tipo de concepção a expressão máxima de gênero encontra-se encarnada na genitália das pessoas), a mudança seria "cosmética", pois não alteraria seu "sexo jurídico" (sic).

Ou seja, parece que o promotor inventa um novo tipo de determinismo de gênero: deixa as genitálias para afirmar que a verdadeira "essência" do gênero está nos documentos que, uma vez consagrados, jamais poderão se alterar. Mas, não, pois ele logo volta ao determinismo biológico: para ele o problema da cirurgia é que a mudança não afetaria "os órgãos internos". Será que se a cirurgia extirpasse os ovários, o útero, inserisse testículos estaria ao agrado do promotor? Seria o suficiente para transformar o "sexo jurídico" de Nathan?

Mas as contradições do promotor não param em momento algum, pois ele considera o pedido de mudança de nome "ainda mais absurdo" (em negrito, para deixar bem claro o quão absurdo é) pois atribuiria à "autora" (sim, ele se refere a Nathan no feminino em todo os momentos) "um sexo que não possui nem aparentemente". Assim, o promotor não consegue se definir, afinal, onde está a "determinação sexual" que tanto reivindica: ora está no médico e seu poder supremo de decisão no momento do nascimento, ora está na genitália, ora nos órgãos internos, ora na aparência. Se preciso, ele recorrerá à metafísica para justificar sua negativa.

E é o que faz em seguida, mas dessa vez para dar seu "pitaco" em algo sobre o qual Nathan sequer manifestou sua vontade diante dele (para ele pouco importa, pois se sente à vontade para deliberar tranquilamente sobre o corpo alheio): o promotor fala que uma cirurgia, "caso venha a realizar" Nathan, "configura crime de lesão gravíssima" por "acarretar na inutilização permanentemente da função reprodutora".

A um só tempo o promotor pretende invocar contra Nathan o "crime" de causar "lesão gravíssima" contra ele próprio e também se pautar na "função divina" da reprodução, querendo impor ao autor também o "dever" de ter filhos. Como bem apontou o advogado Vitor Leme, "Esse promotor deve achar que cirurgias de vasectomia e laqueadura sejam passíveis de uma denúncia". De toda forma, a mudança de nome em nada tem a ver com qualquer tipo de cirurgia e, portanto, não tem absolutamente nenhuma relevância para o que está sendo solicitado qualquer tipo de consideração sobre esse procedimento.

Após essa bizarra manifestação jurídica, o Ministério Público do Paraná de pronunciou em nota afirmando que apoia os pedidos de retificação do registro civil, de forma independente de qualquer cirurgia. Independentemente disso, esse tipo de parecer monstruoso ocorre cotidianamente com pessoas trans que têm de enfrentar o burocrático e humilhante processo de pedir na justiça que possam definir seu próprio nome e sua própria identidade. Veja abaixo a nota na íntegra do MP:

Nota de Esclarecimento
Em relação aos pedidos de mudança de nome e de sexo que chegam ao Ministério Público do Paraná, esclarece-se que:
1) O posicionamento institucional é pela possibilidade de retificação do registro civil em ações ajuizadas por pessoas LGBTs, independente da realização de cirurgia de readequação sexual, nos termos de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça.
2) Tanto é assim que, somente neste ano, a Promotoria de Justiça das Comunidades de Curitiba, por meio do Projeto Justiça nos Bairros, já se manifestou em 31 ações, de forma favorável, à alteração do nome no registro civil quando não condizente com a identidade de gênero da pessoa.
3) Além disso, o Ministério Público do Paraná criou, em 29 de janeiro de 2014, pela Resolução nº 0269/2014-PGJ, o Núcleo de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais no âmbito do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, responsável por toda matéria relacionada ao asseguramento dos direitos da população LGBT no Paraná.
4) No âmbito da própria instituição, vigora a Resolução nº 2077/2015-PGJ, que assegura a todas as pessoas o uso do nome social no Ministério Público do Paraná desde maio de 2015.

5) A manifestação da Promotoria de Justiça de Registros Públicos, Acidentes de Trabalho e Precatória Cíveis de Curitiba, divulgada nesta quarta-feira, 20 de setembro, pela imprensa, insere-se no âmbito da independência funcional assegurada aos membros do Ministério Público (artigo 127, § 1º da Constituição Federal), estando sujeita a análise do juiz da Vara de Registros Públicos que, eventualmente, pode decidir de forma contrária àquele entendimento.




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