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Precisamos de mais Martas e Rafaelas

Lara ZaramellaEstudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

terça-feira 9 de agosto de 2016 | Edição do dia

Eu sempre gostei muito de assistir futebol, já fui diversas vezes ver algum jogo em estádio, já chorei de alegria e de tristeza pelo resultado e acompanho diariamente as notícias do meu time. Também já tive minhas opiniões sobre partidas de futebol desconsideradas simplesmente por eu não ser um homem falando, já estive em times mistos e via homens passando a bola só para homens. Apesar de gostar muito de praticar exercício físico, já cheguei a pensar que eu não gostava muito de esportes porque eu não era competitiva e preferia fazer atividades mais individuais.

Mas a verdade é que isso é reflexo de toda a sociedade patriarcal e machista na qual vivemos, onde os brinquedos são separados por sexo, determinando o que uma menina e um menino devem fazer e gostar. Onde historicamente o espaço privado sempre foi o ambiente das mulheres, ligado à casa, à manutenção e reprodução da família, enquanto que o homem sempre frequentou o espaço público, podendo aprimorar técnicas e atividades e desenvolver seu lado individual e interno. Assim, pode-se explicar historicamente a presença masculina no esporte em detrimento da feminina. A palavra esporte vem do verbo francês “desporter” que literalmente significa “levar embora, retirar”, tendo o sentido de diversão, sendo espaço de passatempo, lazer e sociabilidade, e possuindo então presença restrita do homem.

De fato, muitas coisas mudaram, muitos direitos foram conquistados pelas mulheres e se conseguiu barrar e romper com parte de muitas atitudes conservadoras e extremamente machistas que eram até então completamente naturalizadas. Desde o surgimento de movimentos de mulheres no século XX, existe uma onda crescente de rejeição, denúncia e repúdio frente aos ataques que as mulheres sofrem diariamente, além de uma crescente conscientização de que não se deve aceitar muito do que está estagnado há anos em nossa sociedade.

Em relação ao esporte, ainda que mudanças tenham ocorrido, o machismo que muitas vezes aparenta ser mais leve e sutil, ainda se apresenta das mais diferentes formas. O fato de uma mulher praticar determinado esporte faz com que ela seja vista como masculinizada, ao invés de valorizar a sua entrada e presença em um espaço majoritariamente, de fato, masculino, prefere-se atacar de maneira preconceituosa a mulher. No esporte de rendimento, os recursos destinados para patrocínios, premiações e salários para as mulheres são consideravelmente inferiores, enquanto que a realização de campeonatos é quase que inexistente. A visibilidade midiática para as mulheres no esporte é muito pequena e a valorização das partidas ganhas, seja no esporte que for, é menor ainda.

Além disso, o incentivo à prática esportiva para a mulher muitas vezes liga-se aos padrões de beleza impostos a elas, isto é, a prática de uma atividade física se dá pela imposição estética que as mulheres, ainda devido a ideologia machista estrutural de nossa sociedade, sofrem, fazendo com que grande parte das mulheres realizem atividades físicas com o objetivo de alcançarem tais padrões de beleza e não como forma de lazer e diversão. O que acontece em muitos casos também, é de mulheres que praticam esportes serem extremamente sexualizadas e objetificadas pela mídia e pela sociedade, não considerando a sua atuação no esporte, mas sim a sua aparência.

O fato de a ampla maioria das mulheres não terem um bom desempenho em esportes, não assistirem fanaticamente os jogos e acabarem optando por atividades físicas mais individuais e que não pressupõe a existência de um vencedor e um perdedor, não possuem explicações biológicas. Mas históricas e culturais, pois a mulher em si não é um ser menos competitivo e mais individual, não é delicadamente fraca, não sendo por questões biológicas que a maioria das mulheres ainda hoje possuem menos espaço nos lugares públicos, menos espaço de fala, de ação, de modificação.

Precisamos de mais visibilidade e menos incentivos tortos, precisamos de mais Martas e Rafaelas e menos estrelas arrogantes masculinas, precisamos de mais mulheres nos espaços originalmente dos homens e menos preconceito com as que conseguem fazê-lo, precisamos de mais valorização e menos exclusão. Pois mulheres, retornemos a origem literal da palavra “esporte” e pratiquemos: vamos levar embora essa ideia opressora de que esse espaço não nos pertence.




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