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LUTA SECUNDARISTA | Por que os secundaristas estão ocupando suas escolas em Goiás?

Estudantes de Goiás ocupam suas escolas contra o projeto de terceirização e militarização do governador Marconi Perillo. Para a secretária de educação, “empresário sabe mais de gestão que educador”.

Flávia ToledoSão Paulo

segunda-feira 28 de dezembro de 2015 | 12:15

Em meio às festas de final de ano, mais de 20 escolas em Goiás estão ocupadas contra o projeto do governador Marconi Perillo (PSDB) de terceirização e militarização da educação pública do estado, além do fechamento de escolas. No dia 14 de outubro, Perillo assinou um decreto que determina que a Secretaria de Educação de Goiás escolha até o final desse ano a que Organizações Sociais (OS) serão entregues as gestões das escolas públicas do estado. Sua pretensão é de que já em 2016 ao menos 15% das escolas estejam sob controle de OS’s, que são entidades privadas sem fins lucrativos que recebem benefícios do Poder Público para prestar serviços.

Em outras palavras, trata-se de entregar a gestão da educação que deveria ser pública nas mãos de uma organização de interesses privados, seguindo uma lógica empresarial nas escolas públicas e isentando o governo de garantir uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos.

Educação nas mãos de empresários

A passagem da gestão das escolas estaduais para as OS’s significa que o estado entrega o dinheiro público para que uma organização privada administre e gaste com o que quiser dentro da escola. Com esse dinheiro, a OS faria a gestão administrativa, que é a compra de materiais e a manutenção da infraestrutura da escola, poderia decidir a respeito da contratação dos professores que hoje são temporários (cerca de 30% da rede) e definir metas para que os alunos e professores cumpram na escola.
O projeto de Perillo não prevê qualquer mudança imediata para os professores concursados, efetivos. Mas os temporários estariam nas mãos das OS’s os contratarem ou não.

Em entrevista para a Folha de S. Paulo no dia 9 de dezembro, a Secretária de Educação de Goiás, Raquel Teixeira, afirmou que a mudança no caso dos professores temporários no lugar de se abrir um novo concurso para professores é “um piloto para observarmos a diferença de desempenho entre grupos, entre escolas”. Ou seja, ao mesmo tempo em que cria uma competição dentro da categoria, enfraquecendo-a, abre o precedente para que se diminua cada vez mais a contratação de professores via concurso público.

Teixeira também afirmou, na mesma entrevista, que empresários saberiam gerir uma escola melhor que educadores por entenderem melhor de administração. “Empresário pode ficar rico. Mas ele tem lado humano, filantrópico, social, quer ajudar. Eles estudaram economia, administração. Entendem mais de administração do que nós, educadores.” Também disse que o orçamento para a educação não aumentará, mas algumas escolas poderão receber mais para cumprir as suas metas – metas desenvolvidas pelas OSs que estiverem na gestão.

O discurso, que reivindica o lado “humano” dos empresários, não enganou os estudantes. Eles sabem muito bem o que significa entregar a gestão das escolas públicas para entidades privadas: significa entregar o dinheiro público já insuficiente com uma mão e a tesoura com a outra. Significa corte de gastos em áreas que os empresários (que não são necessariamente ligados à área de educação, como o caso da OS especializada em saúde cotada para gerir uma escola) julguem menos importantes – enquanto os educadores cuidam “da parte pedagógica da escola”.
Mas fica a pergunta: qual a parte “não pedagógica” da escola? A que serve essa separação cirúrgica dos componentes escolares? Com certeza, não é aos interesses dos estudantes e trabalhadores da educação, ou da população de conjunto.

Por mais que o governo de Goiás negue, colocar uma Organização Social privada pra gerir uma escola pública é, sim, terceirizar a educação pública e inserir ainda mais a educação na lógica empresarial e produtivista, subordinando os estudantes a metas que cada vez mais os afastam do processo pedagógico de aprendizagem e construção do conhecimento que deveria ser garantido pelo Estado gratuitamente.

Educação como caso de polícia?

Outro ponto contra o qual os estudantes se levantam nas ocupações é a militarização das escolas. O Governador pretende colocar 10 escolas públicas sob gestão direta da Polícia Militar, inclusive cobrando mensalidade.

Com o pretexto de diminuir a violência nas escolas, Perillo quer deixar toda a gestão dessas escolas nas mãos de policiais militares, que já anunciaram que os estudantes terão de usar quatro uniformes com motivos militares, sapatos especiais – tal qual estudantes de academias militares -, sendo que essas “fardas” teriam de ser adquiridas fora da escola e chegariam a custar R$600.

Além disso, a matrícula custaria cerca de R$100 e se cobraria uma mensalidade de R$50 (segundo dados do Jornal O Globo). Os estudantes também gastariam cerca de R$300 comprando livros escolhidos pela Polícia Militar, diferentes daqueles indicados pelo MEC. Aqueles que não tiverem condições de arcar com esses custos, seriam matriculados em outras escolas.

A ideia de escolas públicas nas mãos de militares nos relembra assustadoramente o período ainda recente de ditadura militar no país. Em escolas geridas administrativa e pedagogicamente pela PM, a disciplina militar seria colocada à frente de qualquer questão pedagógica, bem como toda a visão de mundo passada para os estudantes seria a de uma instituição que assassina a juventude negra, pobre e periférica todos os dias, que massacra trabalhadores e estudantes quando estes vão para as ruas lutar por educação. É dessa instituição desumana e repressora que estamos falando.

O projeto de Perillo de transformar a educação em um assunto de polícia é mais uma forma de reprimir violentamente os jovens de Goiás. Em meio a uma discussão nacional sobre a importância de mudar o caráter das “escolas-prisões” que existem nas redes públicas de todo o país, o governador tucano, que em nada investe para melhorar a educação do estado, quer aprofundar o cenário atual colocando a PM para gerir escolas.

O governador Marconi Perillo e a Secretária de Educação Raquel Teixeira devem achar que a PM e os empresários sabem melhor como gerir escolas do que os educadores. Mas isso apenas deixa claro a que interesses esses senhores acham que a educação deve servir: os interesses dos patrões, do lucro. E qualquer questionamento a respeito disso deve ser tratado com o cassetete na mão.

Mas os estudantes secundaristas de Goiás, assim como os de São Paulo, sabem que educação desejam e por qual projeto de educação devemos lutar. Por uma educação realmente pública, gratuita e de qualidade para todos, sob controle de estudantes e trabalhadores da educação! Os estudantes secundaristas com certeza sabem gerir uma escola muito melhor do que qualquer empresário ou militar.




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