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CRISE NA GRÉCIA | Por que o acordo imposto à Grécia é tido como um “novo Tratado de Versalhes”

Simone IshibashiRio de Janeiro

segunda-feira 13 de julho de 2015 | 13:41

Após mais de 17 horas de reunião em Bruxelas durante o último final de semana chegou-se a um acordo sobre a dívida grega. Ou seria melhor dizer, foram anunciados os termos de uma capitulação completa de Tsipras do Syriza aos ditames da chamada Troika, composta pelo FMI, Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Trata-se de um acordo muito mais duro que o anterior. E isso apenas uma semana após o expressivo triunfo do Não no referendo grego. Isso demonstra que o discurso de Tsipras de que essa votação serviria para negociar em melhores condições não se efetivou. Pelo contrário, diversos meios da imprensa internacional falam abertamente de que os termos muito mais duros do acordo anunciado hoje denotam uma vingança da Troika pelo referendo da semana passada.

Como debatemos aqui durante as próximas 48 horas a Grécia deverá aprovar no seu parlamento as medidas que o governo do Syriza dizia estar contra. Dentre elas estão a reforma trabalhista, o endurecimento das condições para a aposentadoria, a continuidade e o aprofundamento das privatizações. Além disso, se estabeleceu um fundo de ativos públicos de 50 bilhões de euros manejado pela União Europeia, que será utilizado para que a Grécia vá pagando a dívida, conforme se privatizam seus ativos.

Em suma, trata-se de um avanço sem par da política de austeridade, que aprofunda a mesma linha da aplicada durante os 7 anos de crise que assola o país, e que facilitará as demissões coletivas. A única suposta vantagem para a Grécia nas palavras do primeiro-ministro Tsipras, seria que o fundo de privatizações agora estaria situado em seu país, e não mais em Luxemburgo, como se havia anunciado anteriormente. No entanto, que essa seja a concessão após 61% da população grega ter rechaçado a política da Troika no referendo, apenas sublinha com mais expressão a envergadura da sua derrota.

Submissão sem par de uma nação, e imposta sem guerra

Por conta de todos esses elementos veio à tona a comparação do acordo imposto à Grécia em Bruxelas com o fatídico Tratado de Versalhes, determinado pelas potências vencedoras da I Guerra Mundial contra a Alemanha. Essa analogia foi feita em uma matéria do jornal britânico The Guardian, que ainda avaliou as medidas da Troika como mais duras que as que seladas em 1919.

Na saída da I Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes obrigou a Alemanha a reconhecer como sua total responsabilidade a deflagração do conflito. Os países vencedores, em especial a França e a Inglaterra obrigaram-na a pagar imensas reparações, o que terminou por arruinar completamente a economia alemã. Uma comissão formada pelas nações vitoriosas foi instituída, para definir o valor que a Alemanha pagaria e como, interferindo diretamente na economia do país. Em 1921 esse valor foi determinado em 33 milhões de dólares. A impossibilidade de arcar com esse montante, levou a uma situação de miséria generalizada, e precipitou a queda da República de Weimar. Abriu-se a possibilidade da revolução alemã, que fora derrotada, e posteriormente tais condições facilitaram a ascensão do nazismo nas eleições de 1933.

Evidentemente, a situação atual difere da colocada na saída da I Guerra Mundial. E não se podem dizer ainda com exatidão quais serão os desdobramentos após o anúncio do acordo imposto à Grécia. Os acontecimentos que se darão nos próximos dias, e até mesmo horas, serão cruciais para que se possa observar um panorama completo.

No entanto, a analogia com o Tratado de Versalhes torna-se significativa por vários aspectos. Um primeiro é a consideração de que a Troika trata a dívida grega como se fosse de total responsabilidade do país, ignorando o papel que os termos impostos pela própria Alemanha para a entrada do Grécia na zona do euro cumpriu para a criação dessa dívida, que desequilibrou a economia local. Tal como os países da Entente responsabilizaram a Alemanha pela I Guerra Mundial.

Um segundo aspecto seria o elemento disciplinador que a dureza do acordo anunciado em Bruxelas tem. Tal como o Tratado de Versalhes, o endurecimento dos termos anunciados pela Troika busca “dar uma lição” ao povo grego após o referendo, e não apenas tratar das questões econômicas. É aquilo que os analistas dos meios internacionais estão chamando de “vingança”. E não apenas ao governo do Syriza, como especialmente contra o povo e os trabalhadores gregos, de que não se devem questionar os ditames da Troika.

E o terceiro, e quiçá mais importante aspecto contido na analogia, versa na verdade sobre uma diferença. A Alemanha de 1919 foi obrigada a aceitar um acordo draconiano, firmado pelo seu governo da socialdemocracia, após ter sido destroçada por uma das maiores guerras que a história da humanidade já presenciou. A submissão sem par que a Troika tenta impor à Grécia e seu povo se dá por fora de uma guerra. Pode-se afirmar que se trata de uma expressiva tentativa de semicolonizar uma nação de capitalismo avançado por fora de um armistício, através de um acordo econômico, firmado em tempos de aguda crise econômica e política, mas assim mesmo “de paz”.

Qual é o futuro político do Syriza

Nesse cenário, outra questão que emerge é justamente qual será o futuro político do Syriza. Agora Alexis Tsipras deve retornar à Grécia e votar no parlamento o brutal pacote que acordou com a Troika. Embora a maior probabilidade seja a de que se consiga votar a aceitação do acordo, isso não será sem custo. Vários deputados do Syriza já anunciaram que não votarão favoravelmente à proposta. Seguem existindo rumores de que se abriu uma crise no “grupo dos 53”, que seria composto por setores que se declaram à esquerda da maioria no Syriza, numa reunião em que se abriram brechas entre seus parlamentares e as bases, que se opuseram a aceitar o acordo.
O capital político obtido pelo Syriza desde sua eleição como “alternativa de esquerda”, que alentou apoios e homenagens por parte de intelectuais e organizações em diversos cantos do mundo, tende a ser bastante golpeado. Uma a uma, as “linhas vermelhas” que haviam sido traçadas pelo Syriza como inegociáveis, foram cruzadas. Agora, a impotência da estratégia reformista e de conciliação de Tsipras mostra hoje sua face de maneira inequívoca, ao se conformar como a aceitação de um tratado que na prática é a humilhação do povo grego. Como expressão disso, já começam a ocorrer campanhas nas redes sociais #ExplainNoToTsipras (Explique o Não ao Tsipras), e uma profusão de publicações sob o lema “Não é Não”!

Novamente: só a classe trabalhadora e o povo podem dar uma saída de fundo

Ao contrário do que afirma artigo assinado por Milton Temer, outra saída para a Grécia poderia ser possível. Alegar que não há recursos assegurados para manter as pensões e os salários dos funcionários públicos, ou ainda que o Não do referendo não implicaria numa aceitação da saída da zona do euro, como coloca o autor do artigo acima citado, é uma tentativa de justificar Tsipras. Ainda que essas duas questões possam ser verdadeiras, o que escapa completamente a Milton Temer é que há uma via alternativa a aceitar a humilhação imposta pela Troika. Mas essa aponta a um caminho radicalmente oposto ao traçado pelo Syriza e Tsipras desde que assumiu o poder.

O caminho que poderia ter oferecido outra saída à Grécia só poderia se dar sobre a base da mobilização dos trabalhadores e do povo. Já há uma greve geral sendo discutida pela ADEDY, que reúne os sindicatos do setor público. Nela há que se defender um plano de conjunto para a crise instaurada.

Tal plano haveria que começar pelo rechaço ao acordo, e não pagamento da dívida, o cancelamento das privatizações, anulação dos impostos indiretos, e impostos progressivos aos ricos. E que avance para a nacionalização dos bancos, expropriação de todos os bens e ativos dos grandes capitais e da burguesia grega, e o controle operário das principais empresas e indústrias. Um conjunto de medidas que ao colocar em prática a questão de que a crise capitalista deve ser paga pelos próprios capitalistas, colocará em cena a necessidade de um governo dos trabalhadores e do povo.

É nessa perspectiva que as forças de esquerda de todo o mundo devem apostar. E não em justificar o injustificável acordo aceito por Tsipras. Tal como a III Internacional antes da sua degeneração pelo stalinismo denunciou e lutou contra os termos do Tratado de Versalhes, agora os que realmente se colocam em favor de uma saída para a Grécia devem assumir essa mesma via, numa ampla campanha pela anulação imediata da dívida grega.




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