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Podemos filia um chefe militar para agradar a OTAN

Diego LotitoMadri | @diegolotito

sexta-feira 6 de novembro de 2015 | 00:00

Foto: Isafmedia (Wikimedia Commons) José Julio Rodríguez, junto a Carme Chacón ao fundo, durante uma visita a Cabul (Afeganistão) em 2009.

José Julio Rodríguez é general de divisão do Exército do Ar e foi chefe do Estado Maior da Defesa (JEMAD), no segundo mandato de José Luis Rodríguez Zapatero. Em uma coletiva de imprensa, o líder do Podemos anunciou que o ex-JEMAD será o número dois na candidatura por Zaragoza para as eleições gerais.
A “bomba” de Iglesias caiu nada menos que no mesmo dia da visita do Secretário-Geral da OTAN, Jens Stoltenberg à capital aragonesa. E no mesmo dia que aconteceu uma manifestação de protesto justamente contra a presença de Stoltenberg e contra as manobras militares que estão sendo feitas nos marcos da operação Trident Juncture 2015.

O “futuro Ministro de Defesa” do Podemos

Pablo Iglesias anunciou com estardalhaço a nova filiação, que ecoou por toda a imprensa estatal. O general Rodríguez não só será seu número dois na lista de deputados por Zaragoza, mas também seria seu “ministro de defesa” no caso de assaltar os céus da Moncloa [sede do governo espanhol] nas eleições gerais. Mas quem é o novo recruta do Podemos?

Entre julho de 2008 e dezembro de 2011, José Julio Rodríguez foi o chefe do Estado Maior da Defesa (JEMAD) durante o governo de José Luis Rodríguez Zapatero, ou seja, o chefe da cúpula militar, quarto na pirâmide de mando da autoridade militar do Estado espanhol, depois do Rei, do presidente do governo e, naquele momento, da ministra de defesa Carmen Chacón.

Rodríguez é um piloto de guerra, que durante suas máximas funções teve a tarefa de potencializar as “missões de paz” do exército espanhol. Durante seu mando, isto se traduziu, entre outras questões, na direção de bombardeios aéreos, o envio de tropas e a ocupação da Líbia.

Próximo às ideias da extinta União Militar Democrática (UMD), o general podemista é um firme defensor do Regime de ‘78, algo que como bom militar espanhol, não poderia ser de outra maneira. De fato foi premiado pelo Foro Milícia e Democracia por seu compromisso com “a constituição e a democracia”.

Um homem da OTAN e do imperialismo espanhol

Alguns dias atrás Sergio Pascual, secretário da organização, em uma entrevista que girou novamente para a direita o norte programático do Podemos, assegurou que serão respeitados “até a última vírgula” os acordos do Estado espanhol com a OTAN. Uma podre releitura da balela socialista de 1982 e o tristemente célebre “OTAN, de entrada, NÃO”.

Mas ao que parece para o Podemos não bastavam tais declarações de intenções para agradar os setores mais conservadores e o imperialismo. Fazia falta que um homem de armas desse fé de seu compromisso com a Aliança Atlântica e a ordem estabelecida. E quem melhor que um general para cumprir tão nobre papel.

Consultado pela imprensa sobre o papel da Espanha na OTAN, Rodríguez disse nesta quarta-feira que caso o Podemos governasse, seriam respeitados os acordos com a aliança atlântica. E disse também, para não deixar lugar a dúvidas, que o programa do Podemos aposta em “um reforçamento da defesa” a nível europeu já que crê que o futuro é colocar em marcha um projeto de "defesa integral" comum para toda a União Europeia. Um projeto dentro do qual, disse o general, é necessário defender "a posição estratégica" da Espanha na Europa.

Rodríguez sempre foi um firme defensor da OTAN, criada em 1949 e liderada desde então pelo imperialismo norte-americano, e da qual o Estado espanhol é membro desde 1982 por obra e graça do governo de Felipe González.

Em um seminário sobre o 60º aniversario da Aliança Atlântica, organizado pela Universidade Internacional Menéndez Pelayo (UIMP) em julho de 2009, Rodríguez assegurava que “hoje por hoje é uma aliança insubstituível” para a segurança e a defesa ocidental.

“Nenhuma outra organização com competências em matéria de segurança e defesa foi capaz de desenvolver capacidades comparáveis na direção de operações militares multinacionais”, afirmava o então chefe do Estado Maior da Defesa, ao mesmo tempo que indicava a necessidade de “transformar as forças armadas” dos Estados membro para que sejam “os instrumentos ágeis, flexíveis e ‘enviáveis’ que agora requer a Aliança Atlântica”. Ou dito de outro modo, que os exércitos dos membros da OTAN, comandados pelos principais Estados imperialistas ocidentais, se transformem em forças ágeis de intervenção e ocupação de outros territórios.

Consultado no mesmo Seminário sobre a situação da Espanha na Aliança Atlântica, Rodríguez respondeu que “se encontra muito cômoda na OTAN” e lembrou que a entrada do país nesta organização foi “fundamental” desde o ponto de vista das Forças Armadas.

“Supõe um valor somado por sua contribuição à defesa de nosso território, mas também porque nos permitiu adquirir cultura, doutrina e procedimentos em nossa formação”, relatou Rodríguez, para terminar reivindicando as “saídas ao exterior” das forças armadas espanholas, que fizeram com que “o prestígio da Espanha tenha sido reforçado como nação”.

Começa a ficar claro qual é o conteúdo da política defendida por Pablo Iglesias para impulsionar a “modernização e a democratização” do Exército se chegam a governar: fortalecer e aperfeiçoar a maquinaria de guerra das forças armadas imperialistas espanholas para que sejam uma melhor força de ocupação e opressão sobre outros povos. Tudo que for para reforçar “o prestígio da Espanha como nação”.

Podemos, do outro lado da barricada

A data escolhida por Pablo Iglesias para apresentar seu novo filiado estrela não foi casual, como em geral não é nenhuma das operações midiáticas às que nos tem acostumado o Podemos. O fez no mesmo dia que o Secretário Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, visitava Zaragoza, e dois dias depois de ter reafirmado seu compromisso com os tratados assinados pelo Estado espanhol com os Estados Unidos e a OTAN, incluídas as bases militares.

Stoltenberg visitou a capital aragonesa para monitorar o exercício militar Trident Juncture 2015, a maior demonstração de força da última década desta organização político-militar composta por 28 países, e cujo principal cenário operativo é o campo de manobras de San Gregorio (Zaragoza).

Contra a presença do chefe da OTAN e as manobras militares, a plataforma Anti-OTAN de Zaragoza, composta por organizações de esquerda, sindicais, políticas, de vizinhos, estudantis, movimentos sociais etc., se mobilizou na quarta-feira sob o lema “Stoltenberg, go home!” [Stoltenberg, vá pra casa!].

Era um dos últimos atos de repúdio às manobras militares que durante todo o mês de outubro e até 6 de novembro mobilizaram 36.000 efetivos militares de 35 países diferentes, com Itália, Portugal e o Estado espanhol como cenários. Só em Zaragoza chegaram mais de 9.000.

Trident Juncture 2015 é a maior operação militar realizada na história da aliança imperialista e o maior exercício da OTAN desde o final da Guerra Fria.

O principal objetivo das manobras é aperfeiçoar a capacidade das tropas para fazer um movimento rápido em outros territórios que ameacem os interesses da Aliança. Ou seja, um dispositivo militar capacitado para ocupar outros países ante qualquer ameaça que ponha em perigo os interesses coloniais, geoestratégicos, comerciais ou energéticos dos países da aliança imperialista.

É neste marco que Pablo Iglesias escolheu a data para comunicar que um homem da OTAN como o ex-JEMAD, José Julio Rodríguez, seria seu segundo na lista de deputados por Zaragoza.

Não é nenhuma novidade que o Podemos moderou seu programa e seu discurso progressivamente desde sua fulgurante aparição nas eleições europeias de 2014. Mas “moderação” já é um adjetivo limitado para expressar a metamorfose política da dita formação.

As últimas declarações políticas, sua posição frente à questão catalã, e agora a insólita filiação de um militar de carreira e aberto defensor do imperialismo espanhol e europeu, dão conta da acelerada cristalização do Podemos como uma variante burguesa regeneracionista do regime e do Estado imperialista espanhol.

A luta não é só contra a “casta” – que seja dito de passagem também desapareceu de seu discurso – e os representantes políticos corruptos do capital, senão que contra o próprio capitalismo imperialista espanhol, suas multinacionais, suas forças armadas e suas alianças colonialistas como a OTAN. Contra as tropas espanholas no estrangeiro, os que ocupam os enclaves coloniais de Ceuta e Melilla, os que apoiam regimes reacionários como o de Marrocos que oprime os saharauis, os que espoliam e sangram os povos da América Latina e da África.

A única política da “mudança” que merece esse nome é a que está comprometida com os interesses dos trabalhadores e dos povos oprimidos do mundo.




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