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PODEMOS E SYRIZA | Podemos, Syriza e a ilusão municipalista do PSOL: Clécio, ou uma estratégia revolucionária?

Os êxitos eleitorais dos fenômenos reformistas Syriza na Grécia e Podemos no Estado espanhol, frutos da crise mundial e que na Europa se aproveitaram da crise de representatividade do sistema de partidos tradicionais, estão colocando à prova um discurso “antiausteridade” que nunca buscou fundamento num programa anticapitalista.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 2 de junho de 2015 | 00:01

Da mesma forma como o descontentamento da juventude e dos trabalhadores na Grécia depois de cinco anos de cortes orçamentários, desemprego crescente e ataques aos direitos trabalhistas se expressou na ruptura à esquerda das massas gregas com a socialdemocracia e sua adesão ao discurso “anti-ajustes” do Syriza, as eleições do 24M no Estado espanhol, num país com um desemprego que alcança mais de 5 milhões de pessoas, meio milhão de famílias desalojadas de suas casas e milhares de jovens “sem futuro”, a indignação social se expressou por meio do voto a “candidaturas cidadãs” à esquerda do PSOE (Partido Socialista Operário da Espanha).

Estas “candidaturas cidadãs”, baseadas num programa de “resgate popular” frente às calamidades dos ajustes na Europa, irromperam com força na cena nacional numa situação de lutas populares em que ainda não há um protagonismo político destacado da classe trabalhadora. A principal força destas candidaturas é o Podemos de Pablo Iglesias. Ainda que o Podemos tenha moderado muito seu programa político, separando-o taxativamente de uma perspectiva anticapitalista com a intenção de atrair um voto “nem de esquerda nem de direita”, a realidade é que milhões votaram nestas forças como aquilo que há “mais de esquerda” diante do regime político corrupto espanhol.

Entretanto, nenhuma destas formações obteve maiorias absolutas nas câmaras municipais, e estão obrigadas a articular pactos políticos para poder governar. Ada Colau, candidata ganhadora em Barcelona, será obrigada a fazer pactos com o impopular PSC (a marca do PSOE na Catalunha) para ser prefeita. Na capital espanhola, Manuela Carmena poderia chegar à prefeitura, mas somente pactuando com a “casta”: o PSOE, segundo colocado. Ambas as candidatas já se pronunciaram favoráveis ao acordo, com a aprovação de Pablo Iglesias (que abriu as negociações para dar apoio ao PSOE em vários municípios em troca dos votos para nestas duas capitais).

Segundo Iglesias, “se exigirão medidas de resgate ante os cortes e tolerância zero com a corrupção” ao PSOE, definições suficientemente gerais para serem assimiladas por um dos principais partidos burgueses que comandou os ajustes até agora.

Com estes movimentos de cumplicidade entre o Podemos e forças políticas fisiológicas do regime burguês, não só se aprofundará o giro conservador de seu programa, mas também sua crescente assimilação dentro das instituições do desgastado regime político da burguesia espanhola.

É útil avaliar o paralelo com o Syriza na Grécia, cujo primeiro ministro, Alexis Tsipras, começou seu mandato pondo um limite às aspirações de esquerda das massas gregas travando uma coalizão de governo com um partido da direita nacionalista, Gregos Independentes (ANEL). Este foi o primeiro ato de consolidação do giro conservador do Syriza, que fortaleceu a pressão do imperialismo alemão sobre a Grécia com a tese de um “acordo benéfico ao povo e aos credores internacionais”.

Realidade e ficção do “municipalismo”

“Guanyem Barcelona” e “Ahora Madrid”, coligações vencedoras em Barcelona e Madri e das quais participa o Podemos, alimentam uma forte ilusão “municipalista”: de que é possível “iniciar a mudança” desde os municípios, que por estarem “mais próximos”, permitiriam uma democratização maior das instituições e mais participação dos cidadãos na política.

Hoje esta ideia, que de algum modo surgiu com o movimento 15M da juventude espanhola, começa a ganhar forma material. Amplas camadas enxergam na conquista eleitoral de governos municipais ou provinciais uma saída capaz de dar expressão institucional a suas aspirações democráticas.

Entretanto, a contradição desta perspectiva é que o autogoverno dos cidadãos através das instituições da democracia liberal não pode ser mais que uma ficção. Não se trata da maior ou menor “distância” dos aparelhos de poder frente à população, mas a que classe social este aparelho pertence. As instituições municipais e estaduais são a ramificação local do aparelho de Estado central da democracia burguesa, que por definição afasta as massas da participação política.

O velho funcionalismo, os privilégios da riqueza, o monopólio da instrução pela burguesia, as forças armadas dos capitalistas – tudo isso permanece intacto se o triunfo eleitoral não está a serviço de um combate aos direitos de propriedade e repressão da classe dominante com um programa anticapitalista.

Transformar o Estado e o poder implica transformar as relações sociais sobre as quais se sustenta esse mesmo Estado. Na sociedade atual isto requer um programa que questione o poder e a propriedade dos empresários e dos banqueiros. Seja a nível estatal ou municipal, a conquista de uma “democracia substantiva” que termine com a desigualdade, com a corrupção e o governo dos banqueiros, implica colocar em movimento as forças sociais da classe trabalhadora e desenvolver novos organismos de autoorganização de massas que funcionem como poder alternativo ao dos capitalistas.

Voltando ao caso da Grécia, o Syriza (que antes de chegar ao poder central governava distintas prefeituras e o estado mais importante do país, a Ática), renunciou à quase totalidade de seu programa antiausteridade para pagar mais de 1 bilhão de euros ao FMI, descumprindo a promessa de aumentar o orçamento da saúde e da educação, como exigiram os trabalhadores da saúde que fizeram a primeira greve contra o governo do Syriza desde janeiro.

Estas ilusões não existem apenas nas mentes europeias, mas também naqueles que se inspiram nelas na América Latina. Distintas correntes internas do PSOL consideram possível uma maior "participação cidadã" a partir de posições nas prefeituras. Mas governar nos marcos do Estado capitalista sem uma estratégia revolucionária leva invariavelmente a um "municipalismo a la Clécio", prefeito do PSOL em Macapá, que se utilizou do interdito proibitório contra a greve dos professores municipais, baseando-se na Lei de Responsabilidade Fiscal e na justiça burguesa contra as justas demandas dos trabalhadores da educação e servidores municipais.

As alas da esquerda do PSOL se adaptam a estes ataques inadmissíveis de um prefeito do PSOL, não organizando nenhuma campanha ativa para que as greves em Macapá triunfem contra a intransigência de Clécio, porque não adotam uma estratégia revolucionária diante do Estado.

Mesmo a LIT/PSTU não se encontra totalmente por fora deste "momento municipalista": sua corrente no Estado espanhol, a Corriente Roja, soltou apoio entusiástico à vitória das candidaturas cidadãs, ainda sabendo que iriam buscar o apoio do PSOE para governar as capitais Barcelona e Madri, chegando a dizer que "há que colocar este apoio (sic!) em base a um plano de emergência social". A ilusão municipalista é tão grande que se considera viável "condicionar" o apoio à mesma casta política do PSOE que aplica os ajustes?

A dinâmica da situação internacional, com os testes “de fogo” destes dois fenômenos na Europa, e à incorporação do Podemos e suas candidaturas cidadãs à gestão de governos com o apoio do PSOE, mostra como as propostas reformistas nos marcos do regime são impotentes para dar saída à crise social. A maior acentuação dos conflitos projeta a necessidade de construir um partido político de esquerda, anticapitalista e revolucionário, que esteja à altura de questionar efetivamente o regime e suas instituições, atacando a propriedade privada e os privilégios dos políticos da “casta”.

Assim, um "municipalismo socialista" teria que partir de romper com a lei de responsabilidade fiscal e impor impostos progressivos às grandes fortunas se apoiando na mobilização independente da classe trabalhadora e da juventude; deveria exigir que todo alto funcionário de estado ganhe o mesmo salário de uma professora e cujos mandatos sejam revogáveis a qualquer momento por aqueles que os elegeram; por fim à precariedade do trabalho; remunicipalizar os serviços públicos e colocá-los sob controle de trabalhadores e usuários; cessar o pagamento de dívidas com os bancos e garantir um plano de obras públicas.




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