×

TESTES MASSIVOS | Patentes: um obstáculo desnecessário à testagem massiva da população

quarta-feira 22 de abril de 2020 | Edição do dia

Diante da crise do coronavírus é fundamental a produção e difusão de tecnologias e conhecimento das ciências biológicas e da saúde, como métodos de diagnóstico, insumos para testes, respiradores, além da pesquisa de vacinas e soros imunes. Um exemplo desta produção de conhecimentos foi a divulgação de testes para detecção da COVID-19 desenvolvidos pela Universidade Federal de Uberlândia, no Laboratório de Nanobiotecnologia do Instituto de Biotecnologia (IBTec/UFU) nesta última semana. A produção e distribuição técnicas e informações como estas são, no entanto, sistematicamente limitadas por interesses que servem ao mercado e à propriedade privada. Enquanto a epidemia segue sacrificando vidas de todos os países do mundo, aguarda-se o depósito da patente e liberação pela Anvisa para que o teste possa ser disponibilizado com escala e distribuição controlados pelos proprietários da patente.

Os estudos na área de virologia do IBTec/UFU foram desenvolvidos por pesquisadores e estudantes, dentre eles a maioria bolsistas, pós-doutorandos e professores, em geral com financiamento público dos programas CAPES, Fapemig e CNPq. No entanto, também incluiu parcerias com empresas privadas: o laboratório Biogenetics e a empresa Imunoscan, que decidem as pesquisas de seu interesse que serão incentivadas. A produção de propriedade intelectual nas universidades é gerida por “agencias de inovação” que são programas de ligação da universidade com a iniciativa privada, como é o caso da Agência Intelecto na UFU, da Agência USP de Inovação e a INOVA na Unicamp. É por essas agencias que são criados “convênios de pesquisa e desenvolvimento” que permite o uso de recursos materiais e humanos existente na universidades para realizar pesquisas do interesse das empresas privadas e estabelecidos contratos de “transferência de tecnologia” que determinam quem terá direitos de exploração sobre a propriedade intelectual produzida na universidade pública. No caso da Unicamp, por exemplo, são 2 milhões de reais por ano que são destinados à INOVA.

Essas parcerias público-privadas submetem as universidades públicas a uma lógica empresarial. Inclusive incentivando equipes de pesquisa a concorrem entre si condicionadas pelo sistema do lucro. E é com lucro que de fato as empresas e laboratórios privados, introduzidas nas universidades públicas, estão comprometidas mesmo num momento como esse. O processo fica travado e demorado nessa disputa por patente e negociação com o poder público.

Nesse ponto, cabe lembrar que as maiores depositantes de patentes nacionais são instituições de ensino superior públicas, com pesquisas realizadas em grande parte com verba pública, (Entre as maiores depositantes de patentes no Brasil estão a Unicamp, Fapesp e UFMG) e que acabam se submetendo a lógica de mercado pelas parcerias público-privadas, cuja participação no desenvolvimento das pesquisas é ínfima. As empresas brasileiras investem pouco em pesquisa e desenvolvimento pois não está disposta a assumir o risco que existe na “atividade inovadora” já que os gastos com pesquisa são investimentos com retorno de longo prazo, na maior parte das vezes, e pode nem vir.

Além disso, a patente como forma de propriedade intelectual, transforma a produção técnica e científica em uma mercadoria que pode ser comprada e vendida como qualquer outra. Isto produz um resultado que é o inverso de estimular a “inovação” por meio da concorrência, como se costuma justificar a existência desse tipo de propriedade. A venda de propriedade intelectual significa que empresas que concentrem mais capital possam preservar seus monopólios e oligopólios comprando a patente de processos/produtos mais eficientes. Como a utilização destas tecnologias implica em um alto custo de instalação que não vale pena em um mercado monopolizado, isto significa que as empresas monopolistas passam vários anos com essas patentes simplesmente engavetadas, enquanto esperam seu capital fixo (máquinas, plantas industriais etc.) se depreciar.

Historicamente a humanidade se desenvolveu utilizando o conhecimento em uma lógica inversa. No final do século XVIII, por exemplo, Kant afirmou que “a humanidade apresenta uma vocação natural para comunicar mutuamente tudo o que diz respeito ao homem em geral”, o que mostra que mesmo no final da idade moderna a concepção de produção intelectual ainda não era a defendida pela burguesia hoje. O cercamento da propriedade intelectual é na realidade um fenômeno recente do modo de produção capitalista. O monopólio da propriedade intelectual na verdade impede o fluxo de informação que faz com que novas ideias sejam desenvolvidas. Conhecimento sempre gerou mais conhecimento. A preocupação em proteger a “sua propriedade” de conhecimento encarece e dificulta os processos investigativos. A investigação tecnológica passa de “bem social” a “bem individual”, sob a égide do monopólio e regras comerciais.

Uma das características mais importantes da época atual do capitalismo é o predomínio desses grandes monopólios internacionais. Na indústria ligada à biotecnologia, por exemplo, são gigantes como Bayer, Roche, Merck e Monsanto (que na verdade foi comprada pela Bayer em 2016) que dominam. Está época do capitalismo caracterizada pelo predomínio de monopólios internacionais na economia que disputam para repartir o globo entre si é denominada imperialismo (como explica Lenin em “Imperialismo, fase superior do capitalismo”).

Esta fase imperialista determina o caráter dependente de economias como a do Brasil, que ainda conserva inúmeros traços semicoloniais. Mesmo no caso das patentes de “métodos de diagnóstico para Coronavirus e outras viroses respiratórias”em um estudo feito pelo INPI, nenhum entre os 141 principais depositantes de patentes relacionadas aos testes de diagnóstico era de empresas ou instituições de pesquisas nacionais (mesmo existindo pesquisas nessa área no Brasil). O acordo TRIPS assinado na criação da OMC regula o direito internacional sobre a propriedade intelectual e garante que os países dependentes só possam ter acesso às tecnologias mais avançadas mediante à vontade dessas grandes empresas imperialistas. A propriedade intelectual para os países de caráter semicolonial é um entrave para o desenvolvimento de suas forças produtivas que reforça sua dependência em relação às potências estrangeiras. A quebra de patentes, todavia, não é de forma nenhuma algo impossível mesmo em países capitalistas dependentes, como inclusive foi realizada por diversos países em relação à antirretrovirais em casos de epidemia de HIV como na África do Sul na década de 1990, na Tailândia em 2006 (em que a patente de um retroviral da empresa Merck foi quebrada) e o próprio Brasil em diversos momentos (como em 2001 para um antirretroviral da Roche). Porém, na maioria dos casos, uma vez que as epidemias foram contidas restaurou-se a propriedade à essas empresas, ao invés de avançar para remover mais entraves que existem à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias nesses países.

Quando o modo de produção limita o desenvolvimento da própria humanidade, e que neste momento encontra-se em grave risco de ser dizimada pelo COVID-19, urge a necessidade de ser revisto e o mais rapidamente possível derrubado. Perde-se nesse processo a ideia fundamental de que o progresso tecnológico deveria visar as necessidades prioritárias da maioria da população. Para que processos produtivos e materiais importantes no combate à pandemia sejam colocados à serviço da grande maioria da população é fundamental que essas patentes sejam quebradas. Além disso é necessário que os trabalhadores controlem as empresas que produzam tecnologias e pesquisas úteis no combate a pandemia para que possam ser revelados segredos industriais que atrasam à pesquisa e para que não seja necessário pagar por lucros privados na produção de materiais de necessidade médica em um momento de crise.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias