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REFORMA POLÍTICA | Parlamentarismo: cortina de fumaça ou rumo a uma forma de governo oficialmente sem voto popular?

Dia a dia cresce no debate político nacional um tema que parece um palavrão para a maioria dos trabalhadores: o parlamentarismo. Jornalistas dizem que Temer quer implementá-lo como teste já em 2018 ainda durante seu mandato conquistado por um golpe institucional. Há até quem já nomeie um dos campeões de citação na Lava Jato, Eliseu Padilha, como seu primeiro-ministro. Outros pensam esse golpe dentro do golpe como um projeto para 2019 ou 2023.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 16 de agosto de 2017 | Edição do dia

O que seria o parlamentarismo em um país como o Brasil? E essa proposta é séria? Querem os tucanos, Temer e parte da mídia um governo que seja eleito pela instituição com menos credibilidade do país - o Congresso - ou seria uma cortina de fumaça para garantir negociações de cargos e principalmente a reforma política?

Em primeiro lugar, o que é o parlamentarismo?

O parlamentarismo é um sistema político onde o chefe de governo é eleito pelo Congresso e não pela população, quando o parlamento quiser pode destituir o chefe de governo, normalmente chamado de "primeiro-ministro" e colocar um novo no lugar. Se não houver maioria para formar um governo há novas eleições.

Alguns países combinam o cargo de "primeiro-ministro" com a figura de um chefe de Estado, que teria como função convocar novas eleições quando não houver maioria para formar um novo governo e tocar aspectos da política de Estado para além de um governo e o outro, como as Forças Armadas, a política externa. Em alguns países o chefe de Estado é um presidente eleito para longos mandatos, frequentemente maiores do que dez anos.

Essa forma de governo, surgida primeiro como expressão de uma burguesia em ascensão que colocava limites ao poder dos reis vive dia a dia o rebobinar dessa fita, e a criação de formas de governo que retiram mais e mais de qualquer limitado "controle democrático" os negócios da burguesia. É assim que o parlamentarismo da Bélgica, com um rei cheio de poderes e privilégios, pode tocar o país "sem governo" por mais de um ano, é assim que podem cair governos na Itália mas suas tropas podem continuar nas fronteiras assistindo imigrantes morrerem afogados. Retira-se mais e mais o Estado capitalista, que Marx e Engels chamavam de um "comitê de negócios da burguesia", de qualquer ilusão de soberania do voto dito democrático.

Se nos presidencialismos já não há voto para cargos decisivos, como para os Bancos Centrais, para a presidência de estatais, para os Supremos Tribunais, no parlamentarismo isso se exacerba. Deixando nas mãos de um cargo de alguém que não pode ser removido (um rei ou um presidente com mandatos de uma década) mais e mais funções, e mais que isso o governo e seu programa não estão sequer sob controle dos eleitores. Negocia-se o que for e forma-se governo. Já pensou Eduardo Cunha ou Temer negociando como formar governo? Parece algo bem transparente...

Por que os tucanos, Temer, e alguns empresários começam a defender o Parlamentarismo?

Vendo o resultado de um governo sem voto como Temer e sua bem-sucedida conquista em aprovar a PEC 55 que congelou aumentos salariais, concursos públicos e está destruindo a saúde e educação do pais, vendo a reforma trabalhista e até mesmo a esperança de aprovarem a reforma da Previdência, diversos empresários estão chegando a uma conclusão: melhor um governo sem voto e detestado mas que aprove o que querem.

O argumento é quase explícito. Parlamentarismo para ter estabilidade e governabilidade, não para ter legitimidade. O Estadão escreveu editorial no dia 14 que coloca isso com todas as letras: ali afirmam "Trata-se, sim, de recolocar na mesa uma mudança de modelo que enseja a possibilidade de superação das sucessivas crises de governabilidade, que tanto mal causam ao País."

Para o Estadão pouco importa que dois plebiscitos tenham rejeitado o parlamentarismo, em 1963 e 1993, importa que ele dará "governabilidade" e que em algum sentido já há um semi-parlamentarismo no país. E há mesmo. O governo foi colocado no poder por meio de um golpe institucional que teve entre seus agentes fundamentais o Congresso, logo esse compôs um "gabinete" mais à sua imagem e semelhança do que Dilma poderia ser, que aprove ajustes e reformas muitíssimo mais duras do que aquelas iniciadas pelo PT.

Governabilidade burguesa X estabilidade burguesa

A última tentativa séria de implementar o parlamentarismo no país foi produto de uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse de João Goulart. Assumiu como "primeiro-ministro" o avó de Aécio, Tancredo Neves.

A crise política só se intensificou, um vice-presidente votado (naquela época se votava em separado para presidente e vice) tinha sido arrancado de seu cargo. Com um ascenso operário e popular que vinha se desenvolvendo de antes, com crescente divisão das forças armadas esse arranjo institucional golpista foi derrotado e a instabilidade da "governabilidade burguesa" foi resolvida com tanques, assassinatos e o AI-5.

Em um país com tamanho descrédito no Congresso (a terceira instituição pior avaliada pela população só perdendo para a presidência e os partidos segundo o IBGE), com fortes divisões regionais e poder de caciques partidários e locais, o parlamentarismo só pode significar ter as negociatas como vimos com Temer para comprar deputados e se manter no poder em uma escala ampliada.

Quase não existem países da "periferia capitalista" ou em termos mais precisos, semicoloniais, com parlamentarismos. Suas formações econômicas e sociais com classes dominantes débeis - espremidas entre as massas e os imperialismos dificultam formações como essas e urgem, constantamente a formar governos com características mais bonapartistas e plebiscitárias, com um diálogo "direto" com o povo. Na América Latina não há nenhum parlamentarismo. Para cada parlamentarismo europeu há milhões de negros africanos, latino-americanos e asiáticos subjugados por essas "repúblicas estáveis" a espoliar suas atuais e ex-colônias, para explorar imigrantes sem voto, ou uma "boa fronteira leste" como tem a Alemanha para lhe suprir mão de obra barata.

O parlamentarismo é uma aposta possível de alas da burguesia para fechar ainda mais o regime político no país. Fazer do Brasil um modelo não só de reforma trabalhista para todo o continente mas em como garantir um governo sem voto e que não tenha que recorrer aos exércitos para esse fim. Mas trata-se de uma aposta arriscada e que nada aponta que tramitaria com facilidade no Congresso, que seria aceito pelos trabalhadores, e pode ser também algo de cortina de fumaça para objetivos mais imediatos: cargos e reforma política.

Parlamentarismo como cortina de fumaça

Sem descartar que um setor da burguesia aposte nessa proposta que arrisca a estabilidade, dificulta a hegemonia em nome de garantir chegar ao poder sem ter voto (uma aposta dos tucanos) ou em nome de garantir mais e mais ataques aos trabalhadores é possível que o intenso debate na mídia sobre essa proposta de governo tenha outros objetivos.

Frente a esse "programa máximo" se tire atenção de uma reforma política que dificultará muito que os trabalhadores tenham representação no Congresso (como o fazem o "distritão" e "distrital misto"), ou na boca dos tucanos pode ser algo ainda mais prosaico: cargos. Já que estaríamos em um "semi-presidencialismo" seria preciso presentear o segundo maior partido com mais cargos...

Saiba mais sobre a reforma política: A reforma política tem um alvo: a esquerda e os trabalhadores

Independentemente do parlamentarismo "ser para valer" ou não há diversas mudanças constitucionais reacionárias ocorrendo. Da reforma trabalhista, a PEC 55, à criação de fundos bilionários para colocar nas mãos de partidos capitalistas fingirem que as eleições ocorrerem "livremente". Para combater os ataques aos direitos trabalhistas e a degradação dessa democracia dos ricos é preciso oferecer uma proposta que dialogue com o anseio da população votar mas que permita questionar cada instituição, revogar as leis e reformas de Temer como parte de erguer uma resposta anticapitalista e revolucionária.

Por isso o Esquerda Diário afirma que é preciso retomar o caminho da greve geral, impedido de se desenvolver pela traição das centrais sindicais, e impor uma Assembleia Constituinte. É preciso retomar um caminho que comece por derrotar essas propostas para nesse movimento impor um novo caminho.




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